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| Resenhas:DUONG, Thu Huong Novel Without a NameNew York, Ed. William Morrow & Cia., 1995. e Paradise of the BlindNew York, Ed. Penguin Books, 1994. | ![]() ![]() ![]() ![]() ![]() ![]() ![]() ![]() |
Sergio Lessa
Sergio_Lessa@revistapraxis.cjb.net
Professor da Universidade Federal de Alagoas, membro das editorias das Revistas Práxis e Crítica Marxista.
Duong Thu Huong é uma escritora vietnamita pertencente à geração que nasceu e se criou na guerra. Nascida em Hanói um pouco antes da derrota francesa e da divisão do Vietnã em dois países, terminou por participar, como guerrilheira, da luta contra os americanos. As informações que temos sobre ela e sua história são muito fragmentadas e nem todas dignas de toda confiança. Parece, contudo, não haver dúvidas de que é uma escritora que conheceu o sucesso no Vietnã na década de oitenta, até ter seus escritos proibidos pelo governo local. Apenas recentemente seus livros foram publicados no ocidente. Em França foi publicada uma edição de Paradise of the Blind (Des Femmes, 1994) e, nos USA, as duas edições que agora resenhamos.
A forma da narrativa e a linguagem truncada, resultados talvez da difícil transposição do vietnamita para uma língua ocidental, provoca uma certa resistência inicial. Contudo, com o avançar da leitura, a trama, o drama que vivem os personagens, a extrema sensibilidade da autora ao retratá-los em episódios da vida cotidiana, as emoções que a narrativa provoca, terminam por cativar o leitor. Ao final, sentimo-nos completamente absorvidos pela narrativa e pelos personagens em suas grandezas, mesquinharias e misérias. Sem dúvida alguma, estamos diante de belos romances.
Novel Without a Name é a história de uma combatente na guerra contra as tropas americanas. O impacto da guerra na vida das pessoas comuns, retratado com intensidade em conflitos cotidianos como, por exemplo, o de decidir entre passar fome ou comer macacos, um prato apreciado em algumas regiões do Vietnã, mas abominado em outras. Ou o contraste entre passear na selva enquanto criança e, depois, fazer uma patrulha, com todas as recordações da convivência infantil com a mata. Ou, ainda, o desespero de um guerrilheiro que, recebendo a missão de dirigir-se para uma região desconhecida, perde-se num campo cujo capim lhe cobria a cabeça. Ao final de vários dias de caminhadas e buscas, exausto, encontra o corpo de um guerrilheiro morto de fome ou sede, que também havia se perdido, e em cujo poder há um bilhete solicitando a quem o encontrar que entregue seus despojos à sua família. Convencido que era o espírito do morto que não o deixava abandonar o campo até que prometesse entregar os despojos, toma a solene decisão de, se sair com vida daquele campo, ir procurar os familiares do falecido com a notícia da sua morte. Feita a promessa, e liberado então pelo espírito, o guerrilheiro consegue sair do campo e dirigir-se a um local de repouso na floresta. Lá, ao contar sua história, fica sabendo que muitos já passaram pela mesma experiência naquele vale, conhecido pela força dos espíritos que o habitam. O terror e o misticismo animista que essa experiência faz emergir de forma associada no guerrilheiro são retratados pela autora com uma força maravilhosa. As contradições de um povo entre o atraso milenar e a capacidade de militarmente derrotar a maior potência mundial, emergem com força e beleza em episódios como esse.
Por fim, a descrição macabra da convivência com a morte nos destacamentos guerrilheiros que partiam para o combate. A taxa normal de baixas era da ordem de dez mortos para cada um que retornava com vida. O enorme sacrifício e coragem do povo vietnamita ganham uma dureza e uma dimensão humana inimaginável. Quem conheceu reportagens inesquecíveis, como A Guerrilha Vista por Dentro, de W. Burchett, não pode evitar a sensação de que nem toda a realidade foi ali retratada: a dor e a angústia de conviver com a morte, sua e dos amigos, são uma dimensão da existência dos guerrilheiros vietnamitas que, finalmente, é dada a conhecer aos leitores ocidentais.
Paradise of the Blind é um romance que tem a guerra como pano de fundo. Inicia-se com a descrição da vida das trabalhadoras vietnamitas que foram enviadas como mão-de-obra barata para as fábricas soviéticas, com todos os problemas culturais e afetivos de tais situações, sempre permeadas por alguma discriminação. Através das lembranças de uma dessas trabalhadoras, revelam-se os detalhes da vida de uma família pobre em Hanói, formada pela mãe e pela personagem central do romance. A difícil relação da mãe com um irmão, membro do partido que impõe as diretrizes do Comitê Central com toda a disciplina (e insensibilidade tão comum em tais circunstâncias) leva a uma primeira fratura das relações familiares. Em seguida, uma irmã do pai da personagem central, morto em um episódio pouco esclarecido, mas com forte conotação política, impõe sua presença dominadora por ter se tornado uma rica proprietária, ao menos para os padrões da família. Nessa malha de relações familiares e afetivas, a heroína passa seus anos de infância e adolescência aprendendo os segredos, as dores e alegrias, as mesquinharias e atos de bondade e carinho, de tais relações. Os seres humanos por trás dos papéis sociais por vezes fazem aparições, fazendo valer a pena viver.
A tradição de uma nação milenarmente camponesa, na qual conviver com a extrema carência se transformou em seu modo de ser mais interiorizado, compõe um quadro que contrasta fortemente com nossa concepção de mundo ocidental-cristã. Desse confronto, emergem elementos interessantes para compreendermos o que seja o Vietnã.
Duong Thu Huong é uma autora que ainda aguarda uma editora que a publique no país. Esperamos que essa resenha, de algum modo, colabore para que tal falha seja suprida.
Caro Leitor, esperamos que a leitura deste artigo, pertencente à Revista Práxis número 8, Março de 1997, tenha sido proveitosa e agradável.
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