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Bibliografia sobre Populações Negras e Educação | ![]() ![]() ![]() ![]() ![]() ![]() ![]() ![]() |
Marco Antonio de Oliveira
Marco_Antonio_Oliveira@revistapraxis.cjb.net
Pesquisador da USP, São Paulo.
- AMARAL, Joviano. Os pretos do Rosário de São Paulo: subsídios históricos. São Paulo, Ed. João Scortecci, 1991.
- BASTIDE, Roger. "A Imprensa Negra do Estado de São Paulo". In: Boletim da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, 3. São Paulo, 1953, pp. 9-27.
- DEMARTINI, Zelia de B. F. "A Escolarização da População Negra na Cidade de São Paulo nas Primeiras Décadas do Século". In: ANDE, ano 8, nº 14, 1989, pp. 51-60.
- DÓRIA, Sampaio. Questões de Ensino: a reforma de 1920 em São Paulo. São Paulo, Monteiro Lobato & Cia. Ed., 1923 (V. I).
- FAUSTO, Boris. Trabalho Urbano e Conflito Social. São Paulo, Ed. Difel, 1977.
- FEITOSA, Miguel A. Ensino Fundamental: primário e secundário. São Paulo, Monteiro Lobato & Cia. Ed., 1922.
- FERNANDES, Florestan. A Integração do Negro na Sociedade de Classes. São Paulo, Ed. Ática, 1965.
- MOURA, Clóvis. "O Racismo como Arma Ideológica de Dominação". In: Revista Princípios, № 34, Ago-Set-Out/1994, pp. 28-38.
- Idem. Brasil: as Raízes do Protesto Negro. São Paulo, Ed. Global, 1983.
- MOYSÉS, Sarita M. A. "Leitura e Apropriação de Textos por Escravos e Libertos no Brasil do Século XIX". In: Educação & Sociedade, no 48, pp. 200-212, Agosto/94.
- NADAI, Elza. Ideologia do Progresso e Ensino Superior: São Paulo, 1891-1934. São Paulo, Ed. Loyola, 1987.
- NAGLE, Jorge. Educação e Sociedade na Primeira República. São Paulo, EDU, 1976.
- NASCIMENTO, Wilson B.; e SANTOS, Joel R. Atrás do Muro da Noite. Brasília, Fundação Palmares, 1994.
- PINTO, Regina P. "A Educação do Negro: uma revisão da bibliografia". In: Cadernos de Pesquisa. São Paulo, 62, pp. 3-34, Agosto/1987.
- Idem. O Movimento Negro em São Paulo: luta e identidade. São Paulo, 1993. Tese FFLCH/USP.
- RODRIGUES, Argemiro. "Irmandade Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos". In: Cadernos de Pesquisa, 63, Nov/1987, pp. 137-138.
- SCHWARCZ, Lilia M. O Espetáculo das Raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil: 1870-1930. São Paulo, Ed. Cia das Letras, 1993.
- Idem. Retrato em Branco e Negro: jornais, escravos e cidadãos em São Paulo no final do século XIX. São Paulo, Ed. Cia. das Letras, 1987.
- SKIDMORE, Thomas E. Preto no Branco: raça e nacionalidade no pensamento brasileiro, 2a. edição. Rio de Janeiro, Ed. Paz e Terra, 1976.
- WANDERLEY FILHO, Augusto. Álbum Infantil: o livro das crianças. São Paulo, Ed. Pimenta de Mello & Cia., 1929. (I vol.: "Pontos da História do Brasil, em verso; lições de Moral e Civismo; Monólogos e Diálogos Escritos Especialmente para as Escolas da Minha Terra).
Partindo de estudos realizados em relação ao destino da população negra recém-saída do cativeiro, esta bibliografia busca subsidiar a compreensão sobre as lutas desta população no campo educacional, em São Paulo, nas primeiras décadas do século XX. Inicialmente, fazendo um estudo interno ao grupo, constata-se como as lideranças negras tendiam a afastar a ideologia da revolução social, optando pelo que poderíamos chamar de "revolução moral", ou seja, uma transformação moralizadora, de dois tipos. A primeira, interna ao meio negro, no sentido de uma postura condizente com as "boas normas" e condutas de comportamento socialmente aceitas, o "dar-se ao respeito", que seria atingido, entre outras, pela via da educação. Outra, externa ao segmento negro, no sentido de mudar a mentalidade preconceituosa do branco para que pudesse aceitar a convivência com o negro, sem que fosse necessário uma mudança da estrutura social então vigente.
Desta forma, não havia por parte da população negra nenhuma intenção de romper com a estrutura social, mas dela fazer parte. Neste sentido, era necessário fazer com que o negro tomasse consciência da importância de sua formação, tanto intelectual quanto moral, pois assim poderia conquistar o respeito da sociedade branca e, conseqüentemente, o direito de participar como igual na ordem por esta estabelecida.
Crescimento intelectual, disciplina, postura social "condizente" eram sinônimos da educação proposta e almejada, na tentativa de reproduzir o "mundo dos aristocratas brancos". Segundo Florestan Fernandes, o negro aceitava a ordem social vigente, deixando as opções ideológicas ou utópicas positivas mais amplas para outros círculos sociais (FERNANDES, 1965, p. 58). Tal não impedia que sob esse ponto de vista educacional, as lideranças negras fizessem duras críticas à ordem social branca paulistana do início do século XX.
Muito embora, como ressaltaram Roger Bastide, Florestan Fernandes, Clóvis Moura, Regina Paim e outros autores, houvesse o nítido desejo, por parte do movimento negro, de integrar-se à ordem branca e de negar uma transformação revolucionária desta ordem, ele foi capaz de criar um mundo paralelo ao mundo branco almejado. Este nunca deixou de ser o grande paradigma para o negro, apesar de atuar em grande medida de forma independente às sobreposições e interposições com o espaço branco dominante, como demostram as inúmeras associações, grêmios recreativos, culturais e jornais próprios da população negra do período.
Os espaços controlados pelos brancos, sempre no afã de negar à população negra participação no seu interior, se a projetava para fora, no reivindicar exclusividade sobre eles, ao mesmo tempo isolava e forçava o negro a recriar uma nova dimensão espacial, reforçando uma série de construções próprias (muitas das quais institucionais) que dão configuração ao "meio negro". Era neste novo espaço que afloravam as especificidades grupais e raciais, como querem uns, ou étnicas, como as vê Regina Paim: ela aponta a etnia como elemento organizador do movimento negro. Sendo assim, movimento negro seria "o conjunto das iniciativas de natureza política, (strictu sensu), cultural, educacional ou de qualquer outro tipo que o negro vem tomando, com o objetivo deliberado de lutar pela população negra e de se impor enquanto grupo étnico na sociedade, independentemente da estratégia utilizada nesta luta (...). Apesar de existirem diferentes grupos e facções, às vezes divergentes no contexto desta luta, prefiro falar em movimento negro no singular. De fato (...), os conflito e as facções que, em função deles, formam-se podem estar presentes nos movimentos étnicos, mas, no caso do negro, há um substrato comum que os une, e que, nesse caso específico, é a luta pela população negra" (PINTO, 1993, p. 47). Cabe notar, entretanto, que muitas propostas negras estavam cooptadas pelas teses racistas do período. Não raro as lideranças negras viam como benéfico para o país e para o próprio negro sua decomposição na mistura das raças, absorvidos pela "superioridade" da raça branca. Essa perspectiva negava portanto a proteção do grupo enquanto organização étnica.
Portanto, onde o negro se via identificado com os seus iguais. Dança, música, rezas, escrita tinham seu próprio locus de representação. Assim, buscando reproduzir o mundo branco, acabavam criando também o novo.
Independente do espaço institucionalizado do branco, mesmo com tentativas irrisória ou fracassadas, o movimento negro tinha sua própria maneira de lutar pelo seu crescimento moral e intelectual, sem abrir mão do pouco que lhe era oferecido pelas vias institucionais. A seu próprio modo, cobrava disciplina, dedicação, esforço de sua "classe". Seja de forma autoritária ou não, deixava claro seus objetivos e lutava para alcançá-los, buscando à sua maneira guiar seus representados. Isso levou a que considerasse a educação uma dimensão igualmente diferenciada.
Entretanto, não é possível tratar dessa especificidade educacional na dimensão de uma "educação negra", pois além de basear-se muito mais em propostas e críticas do que em realizações concretas, a direção tomada partia sempre do paradigma branco, com o fim último de penetrar suas esferas.
Pensando as reivindicações negras no tocante à educação, novas considerações se acrescentam, no que se refere às formas externas ao meio negro. A primeira delas diz respeito à forma como a educação fora apreendida pelas classes dominantes. A segunda consideração explicita a maneira pela qual ela fora utilizada por estas mesmas classes na concretização dos seus ideais, mais especificamente em relação à população negra. Por fim, procuram identificar a relação entre a prática educacional, as pretensões e as ansiedades da população negra.
Para a elite que sobe ao poder com a República, as preocupações em relação à educação popular, que já vinham do Império, intensificam-se. Combinando "discurso liberal com práticas autoritárias"(NADAI, 1987), a aristocracia branca se apropriava da educação na medida em que passava a ter clareza da necessidade da formação de uma classe dirigente e esclarecida. Muito mais do que isso, quando no desenrolar do processo de modernização (com as mesmas características aristocráticas e autoritárias) vê na massa desvalida de analfabetos um entrave concreto aos seus projetos modernizantes. Dessa forma, a educação, mais do que formar gente para o comando do poder, ou mesmo instruir as camadas populares, era tida como uma forma de "civilizar" a população empobrecida. Estaria-se assim adaptando essa população às pretensões modernizantes que, entre outras coisas, previa a construção de uma pátria civilizada, obreira, higienizada e branca.
De outro lado, mesmo com o intuito de tornar a educação, através do ensino, um agente "civilizador", havia ainda para a elite o dilema da incompatibilização racial. Considerada a população nacional inferior ante as populações dos países que lograram êxito no engrandecimento de suas nações, como relatava a história e confirmava a ciência da época, a educação foi igualmente incumbida da criação do novo, verdadeiro e vigoroso "tipo" étnico nacional. Aparentemente ausente nos debates educacionais que, como relata Jorge Nagle, só no começo do século XX se tornaram mais efetivos com a entrada em cena dos "profissionais da educação": inspetores, pedagogos, diretores escolares etc (NAGLE, 1976) , em realidade essa preocupação racial já era intrínseca a todos os projetos republicanos.
Embora muito pouco discutida de forma explícita pelos educadores, ao contrário do que acontecia em outros setores sociais, a questão racial era trabalhada exatamente no discurso recorrente de tirar dos bancos escolares o novo homem brasileiro. Não era sem motivo que uma das mais valorizadas disciplinas escolares fora a Educação Física, impregnada do rigor militar e conceitos de biotipologia tais quais os pregados pelos seguidores de Herbert Spencer. Como deixava claro o discurso dominante, o novo tipo racial seria o agente do progresso e o motivo de orgulho dos brios nacionais, frente às nações "civilizadas" (leia-se imperialistas). Evidentemente, não era exatamente os componentes raciais dos negros os preferidos por essa proposta educacional procriadora, que buscava inspirar-se exatamente nos povos brancos de origem européia.
O pouco empenho por parte dos educadores em discutir a problemática racial não era devido ao seu pouco interesse, mas, pelo contrário, em considerar-se as suas propostas educacionais inerentes à pretensa "civilização branca". Assim, por exemplo, ao analisar-se os chamados Livros de Leituras, levados para dentro das escolas, é possível detectar uma das entradas do discurso racista no ensino. Ou seja, é através desses manuais que nos é possível compreender parte das idéias que norteavam o pensamento educacional do período em relação à população negra. Esses livros escolares misturavam antologias nacionais com estrangeiras, discursos de personagens célebres, aulas de história e geografia com aulas de ciências e educação moral, buscando dar conta de um universo amplo de conhecimentos, além de fornecer aos estudantes os primeiros passos na leitura.
Explicitando a inferioridade e incompatibilidade do negro, das "refratárias" populações dos rincões mais afastados, ao "mundo moderno" que se descortinava, o ensino se voltava para cuidar e conscientizar o homem branco do seu papel de liderança incontesti, encarregado de conduzir a humanidade. Aos não-brancos, como deixava claro a literatura escolar, até que se buscou levar a "luz da civilização", mas logo se mostrou muito trágico o contato da "civilização" com os "selvagens". De um lado, aumentava a cobiça inerente às características de conquistador do homem branco, de outro, contribuía para degenerar ainda mais "os selvagens", quando não para contaminar de "selvageria" o "civilizador", como ensinavam os compêndios escolares. Em outra versão, os compêndios aludiam ao fato de que, no afã de fazer chegar a "civilização" aos "selvagens", a sede incontrolável do homem branco não o fazia entender que estava lidando com seres em estágios atrasados de desenvolvimento algo como dar a locomotiva para o comando de uma criança, ou seja, os "selvagens" não teriam algo como uma estrutura biotipológica para receber tantos "benefícios".
Em relação ao que era reivindicado pela população negra, ou, pelas suas lideranças, essa educação não era de todo rejeitada. Pelo contrário, em boa parte as lideranças negras solicitavam certa compreensão para os esforços dos negros em assimilar os "benefícios da civilização" veja-se também que não era um mero acaso a aceitação da miscigenação como forma de "diluição do sangue negro", por parte de algumas lideranças. Daí os aplausos às reformas educacionais, ficando as críticas negras restritas à escassez de escolas e à falta de compreensão do branco, que não entendia, ou não queria entender, que por exemplo o espaço de tempo entre o fim da escravidão e as primeiras décadas do século XX era curto para o negro educar-se e dar sua contribuição à Pátria.
Reforçando a aceitação da educação oferecida, havia ainda entre as lideranças negras aqueles que faziam crer nos valores dos negros. Entretanto, limitavam o negro ao seu passado, às contribuições do seu trabalho enquanto escravo. Em outras ocasiões, o passado do homem negro era manipulado, no sentido de fazer seu "benfeitor" despertar para a incompatibilidade da "nefasta instituição" (a escravidão) para o mundo civilizado. Esta era em grande medida a função do relato da guerra dos Palmares ("negros escravos, fugidos à perversidade dos senhores e feitores" "Os Palmares"; in: WANDERLEY FILHO, 1929, p. 85). No presente, o colorido das histórias e contos infantis, ensinavam os "pequeninos" a terem compaixão e respeito pelo "preto velho" e a "mãe preta". Aos adultos, ensinava-se a serem tolerantes com as "crendices" dos "pretos", buscando dissuadi-los por meio de uma paternal paciência.
Da ala considerada mais radical do movimento negro, que, valorizando sua raça, descartava a possibilidade do seu desaparecimento, talvez pelas circunstâncias que a impedia de fazer frente à ideologia dominante, não havia propostas concretas, por exemplo para uma "educação negra", como mencionado. Esta vertente do pensamento negro lutava antevendo o braço forte do negro, lado a lado com o branco. O negro estaria sentado nos bancos escolares ombreando com o branco e, com ele se confraternizando na tarefa de construção da "nova Pátria". Assim, esse pensamento negro estaria irmanado com os autores que viam nos mestiços e nos povos indígenas os verdadeiros inimigos do progresso. Segundo esse pensamento, os índios eram preguiçosos, pouco afeitos ao trabalho, como diziam as pequenas histórias veiculadas tanto em alguns compêndios, quanto na quase totalidade da imprensa negra. Quando foram solicitados para trabalhar nas lavouras, fugiram e se embrearam nas matas. Outra versão dizia que eles eram fracos e pouco resistentes ao ofício agrícola. Já o mestiço, era considerado uma "raça degenerada", que sintetizava em si os elementos negativos das demais.
Assim, os líderes da população negra cooptavam em boa parte com as propostas educacionais da aristocracia branca, visando à sua integração ao mundo social criado e protelado pelo branco. Este, por sua vez, propunha, quando muito, a assimilação não do negro, mas do seu anômalo, ou seja, um ser anulado da sua identidade cultural e mesmo sem suas características fisiológicas. Entretanto, deve-se alertar para o fato dessa postura, que prevalecia no movimento negro, estar em proporção direta com seu perfil ideológico inicial, que girava em torno de questões morais. Como bem ressalta Regina Paim (1993), à medida que adentrava os anos vinte, o movimento negro tomava um forte caráter político, culminando na formação de uma das maiores organizações negras da história brasileira, a Frente Negra Brasileira.
Caro Leitor, esperamos que a leitura deste artigo, pertencente à Revista Práxis número 8, Março de 1997, tenha sido proveitosa e agradável.
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