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Notas sobre Redução da Jornada de Trabalho e Tempo Livre 1

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Ricardo Antunes
Ricardo_Antunes@revistapraxis.cjb.net

Sócio da Revista Práxis, professor livre docente em Sociologia do Trabalho no IFCH/UNICAMP. Visiting Research Fellow na School of European Studies da Universidade de Susex (1997/98, Reino Unido). Autor entre outros títulos, de Adeus ao Trabalho? (Ed. Cortez/Ed. Unicamp) e O Novo Sindicalismo no Brasil (Ed. Pontes).

Fotografia do Prof. Ricardo Antunes


As profundas mutações no interior da sociedade capitalista e, em particular, a forma como elas vêm afetando o mundo do trabalho, têm desafiado o que há de mais positivo e combativo no movimento sindical. A intensidade da crise é hoje reconhecida praticamente por todos aqueles que acompanham ou vivenciam cotidianamente o mundo do trabalho.

As respostas, entretanto, têm sido diferentes: da parceria com o capital, até a recusa firme e decidida em co-participar de um projeto que tem fraturado substancialmente as classes trabalhadoras em todas as partes do mundo onde vigora a lógica destrutiva do capital. Em ambos os casos, entretanto, apesar das fortes diferenças, as dificuldades têm sido enormes.

No primeiro caso, o dos parceiros do capital, os resultados não são nada animadores. Quanto mais se participa, menos se consegue preservar trabalho. Quanto mais se imagina co-desenhando o processo produtivo, mais a classe-que-vive-do-trabalho se penaliza com seus pífios resultados. Estão aí as câmaras setoriais, como significativo exemplo: concebidas como modelo para estruturar o parque produtivo e a política econômica do país, alternativa vislumbrada para o "conjunto da sociedade", depois de mais de vinte ensaios, quase todos abortados, resta praticamente solitário e totalmente exaurido o exemplo da câmara automotiva do ABC paulista que, iniciado em 91, passado o período inicial de "algumas vantagens" exclusivamente para parcela dos metalúrgicos, colhe agora novos resultados, diariamente estampados na imprensa: desemprego massivo, terceirização "negociada" para os trabalhadores e intenso ganho de produtividade para o capital automotivo.

A participação do núcleo dominante da CUT, com Vicentinho à frente, na reforma da imprevidência, é outra expressão exasperada do equívoco da participação dentro (e ideologicamente subordinada) à Ordem. Entre outras conseqüências nefastas, o projeto do governo FHC para a imprevidência amplia o tempo de trabalho dos assalariados, uma vez que a aposentadoria estaria condicionada ao tempo de contribuição e não ao tempo de trabalho efetivamente realizado. Num país que frauda freqüente e sistematicamante os direitos sociais dos trabalhadores, essa modificação força o assalariado a ter que trabalhar ainda mais tempo para aposentar-se.

Na Espanha, para citar outro exemplo, depois de vários anos de vigência do Pacto do Moncloa, de 1978 até os recentes contratos de trabalho precário da era da flexibilização, a esquerda sindical espanhola contabiliza um desemprego explosivo, hoje em torno de 23%. Acreditou demasiadamente na participação.

No segundo caso, marcado por maior resistência e confrontação ao ideário e ao projeto neoliberal hoje dominante, há o reconhecimento de que é preciso buscar alternativas que, hic et nunc, dêem respostas imediatas às reivindicações dos trabalhadores, porém, reivindicações estas que devem estar articuladas a um projeto de longo prazo globalmente contrário à lógica destrutiva do capital. A recente greve dos funcionários públicos e trabalhadores de empresas estatais na França, em fins de 1995, mostraram que é possível e mesmo imprescindível resistir às múltiplas destruições movidas pela lógica do capital contemporâneo.

E, vale lembrar, a década de noventa está sendo muito mais marcada pela confrontação e pela resistência do que a década do "sindicalismo de participação" dos anos oitenta. Da explosão de Los Angeles às manifestações de massa dos trabalhadores europeus, como fizeram os operários alemães, no início de junho de 1996, com quase meio milhão de manifestantes contrários às restaurações neoliberais; da rebelião popular de Chiapas, contra a globalização subordinada e nefasta do México ao NAFTA dos USA, à greve dos trabalhadores franceses acima referida, passando entre nós pela greve dos petroleiros e pelo Movimento dos Sem-Terra, entre tantas outras ações, fica claro que o capital vivencia, neste final do século vinte, uma situação de muito maior desconforto do que ele podia imaginar quando propugnava apologeticamente, em fins de oitenta, o "fim da história", o fim das classes e das lutas sociais. É nesta contextualidade que a redução da jornada de trabalho, ou do tempo de trabalho, coloca-se como uma importante bandeira do mundo do trabalho.

Tematizando, em O Capital, as decisivas conexões entre trabalho e tempo livre, Marx nos ofereceu esta síntese: "De fato, o reino da liberdade começa onde o trabalho deixa de ser determinado por necessidade e por utilidade exteriormente imposta; por natureza, situa-se além da esfera da produção material propriamente dita. O selvagem tem de lutar com a natureza para satisfazer as necessidades, para manter e reproduzir a vida, e o mesmo tem de fazer o civilizado, sejam quais forem a forma de sociedade e o modo de produção. Acresce, desenvolvendo-se, o reino do imprescindível. É que aumentam as necessidades, mas, ao mesmo tempo, ampliam-se as forças produtivas para satisfaze-las. A liberdade nesse domínio só pode consistir nisso: o homem social, os produtores associados regulam racionalmente o intercâmbio material com a natureza, controlam-no coletivamente, sem deixar que ele seja a força cega que os domina; efetuam-no com o menor dispêndio de energias e nas condições mais adequadas e mais condignas com a natureza humana. Mas esse esforço situar-se-á sempre nos limites do reino da necessidade. Além dele começa o desenvolvimento das forças humanas como um fim em si mesmo, o reino genuíno da liberdade, o qual só pode florescer tendo por base o reino da necessidade. E a condição fundamental desse desenvolvimento humano é a redução da jornada de trabalho."2

A partir dessa consideração mais de fundo, quero elencar algumas notas que me parecem decisivas quando se trata de discutir essa questão. E o farei de maneira enormemente sintética, procurando tão somente oferecer algumas indicações sobre a temática.

A redução da jornada diária (ou do tempo semanal) de trabalho tem sido uma das mais importantes reivindicações do mundo do trabalho, uma vez que se constitui num mecanismo de contraposição à extração do sobretrabalho, realizado pelo capital desde sua gênese com a revolução industrial e, hoje, com a acumulação flexível da era do toyotismo e da revolução informacional. Desde o advento do capitalismo, a redução da jornada de trabalho mostra-se como central na ação dos trabalhadores, como "condição preliminar", conforme disse Marx, para uma vida emancipada. Em suas palavras: "Declaramos a limitação da jornada de trabalho uma condição preliminar, sem a qual todas as demais tentativas para a emancipação devem necessariamente fracassar... Propomos oito horas de trabalho como limite legal da jornada de trabalho".3

Nos dias atuais, essa formulação é ainda mais um mecanismo imprescindível para tentar minimizar o desemprego tecnológico e estrutural, que hoje atinge a casa de oitocentos milhões de desempregados ou sub-empregados, conforme dados da OIT. E, enquanto tal, trata-se de um ponto de partida para uma vida fora do trabalho dotada de algum sentido.

Aqui, entretanto, entramos num segundo ponto crucial: a vida cheia de sentido fora do trabalho supõe uma vida com sentido dentro do trabalho. Não é possível compatibilizar trabalho fetichizado e estranhado com tempo (verdadeiramente) livre. Lukács e Adorno, entre tantos outros, já nos ensinaram, desde a década de sessenta, que sob o reino da manipulação das necessidades o "tempo livre" torna-se também poluído pela lógica coisificada do capital.

Nas palavras de Georg Lukács: "Hoje, com a jornada de cinco dias e um salário adequado, podem já existir as condições indispensáveis para uma vida cheia de sentido. Mas surge um novo problema: aquela manipulação que vai da compra do cigarro às eleições presidenciais ergue-se, como uma barreira, no interior dos indivíduos, entre a sua existência e uma vida rica de sentido. Com efeito, a manipulação do consumo não consiste, como se pretende oficialmente, no fato de querer informar exaustivamente aos consumidores sobre qual é o melhor frigorífico ou a melhor lâmina de barbear; o que está em jogo é a questão do controle da consciência... Por causa desta manipulação, o operário, o homem que trabalha, é afastado do problema de como poderia transformar seu tempo livre em otium, porque o consumo lhe é instilado sob a forma de uma superabundância de vida com finalidade em si mesma, assim como na jornada de doze horas a vida era ditatorialmente dominada pelo trabalho."4

Ou, conforme Adorno: "Se é válida a idéia de Marx de que, na sociedade burguesa, a força de trabalho se converte em coisa, a expressão hobby traz o seguinte paradoxo: essa atividade que se entende em si mesma como contrária à coisificação, como reserva de vida imediata em um sistema global absolutamente mediato, também se coisifica (...). Um fato de todos conhecido, porém nem por isso menos verdadeiro, é que fenômenos específicos do tempo livre, como o turismo e o camping se estruturam visando lucro."5

Portanto, caso se queira uma vida autêntica e cheia de sentido, torna-se decisiva a opção pela produção (autodeterminada) do tempo disponível para produzir valores de uso socialmente necessários, contra a produção (heterodeterminada) baseada no tempo excedente para a produção exclusiva de valores de troca para o mercado.

Como o capital globalizado dos nossos dias abrange como nunca, também, as esferas da vida fora do trabalho, a desfetichização da sociedade do consumo tem como corolário imprescindível a desfetichização no modo de produção das coisas. O que torna a sua conquista muito mais difícil: se não se inter-relaciona decisivamente a ação pelo tempo livre com a luta contra a lógica do capital e do trabalho abstrato. Do contrário, acaba-se, ou fazendo uma reivindicação de fundo romântico, visto que se acredita que seja possível obtê-la pela via do consenso e da interação com a ordem, sem ferir os interesses do capital, ou, o que é ainda muito pior, acaba-se por apregoar a impossibilidade de lutar contemporaneamente pelo fim do capitalismo.

Neste caso, restaria somente a opção de civilizá-lo, de realizar a utopia do preenchimento, de conquistar consensualmente o "tempo livre", em plena era do toyotismo, da acumulação flexível, das desregulamentações, das terceirizações, do trabalho precário, do desemprego tecnológico estrutural, da desmontagem do welfare state, do culto ao mercado, enfim, da (des)sociabilização radical dos nossos dias.

Em consonância com a referência marxiana que extraímos de O Capital, uma vida cheia de sentido em todas as esferas da omnilateralidade humana, somente poderá efetivar-se ao demolir a muralha chinesa existente entre trabalho e tempo de não-trabalho, de modo que, a partir de uma atividade vital cheia de sentido, autodeterminada, para além da divisão capitalista do trabalho hoje vigente e, portanto, sob bases inteiramente novas, possa desenvolver-se uma nova sociabilidade. Tecida por indivíduos (homens e mulheres) sociais e livremente associados, onde ética, arte, filosofia, práxis social e política, em conformidade com as aspirações suscitadas no universo da vida cotidiana, possibilitem, pela primeira vez na história, as condições para a efetivação da identidade entre os indivíduos e o gênero humano, na multilateralidade de suas dimensões. Em formas inteiramente novas de sociabilidade, onde a liberdade e a necessidade se inter-realizem.

Essas anotações acima feitas nos permitem indicar algumas conclusões, também de forma resumida. Primeira: a luta pela redução da jornada ou tempo de trabalho deve estar no centro das ações do mundo do trabalho hoje. Luta pela redução do trabalho como forma de dificultar a brutal exclusão decorrente do desemprego tecnológico. Reduzir a jornada ou o tempo de trabalho para que não prolifere ainda mais a sociedade dual, o mundo dos excluídos, tanto no centro como em países como o nosso. Segunda: o direito ao trabalho é uma reivindicação necessária não porque se preze e cultue o trabalho heterodeterminado, assalariado, estranhado, fetichizado e nefasto (que deve ser radicalmente eliminado com o fim do capital), mas porque estar fora do trabalho, para pelo menos dois terços da humanidade que vive no Terceiro Mundo, significa uma animalização e uma brutalização ainda maiores do que aquelas já vivenciadas pela classe-que-vive-do-trabalho. Também no Primeiro Mundo, nesta desordem mundial globalizada, o desemprego tem sido cada vez mais, com o desmonte do welfare state, sinônimo de pobreza e indigência social, como se pode ver em qualquer grande capital dos países centrais. Portanto, também lá o direito ao emprego deve estar articulado com a redução da jornada de trabalho.

Porém, esta luta pelo direito ao trabalho em tempo reduzido e pela ampliação do tempo livre, sem redução de salário – que, faça-se um parênteses, é muito diferente de flexibilizar a jornada, uma vez que esta se encontra em sintonia com a lógica do capital –, deve estar intimamente articulada à luta contra o sistema produtor de mercadorias, contra o modo de produção capitalista que converte o "tempo livre" em tempo de não-trabalho, onde o indivíduo se exaure, ora capacitando-se, nos infernais cursos de qualificação, para melhor "competir" no mercado de trabalho, ora num consumo estranhado, coisificado e fetichizado, inteiramente desprovido de sentido. Ao contrário, se o fundamento da ação coletiva for voltado radicalmente contra as formas de (des)sociabilização do mundo das mercadorias, a luta imediata pela redução da jornada ou do tempo de trabalho torna-se inteiramente compatível com o direito ao trabalho (em jornada reduzida sem redução de salário).

O direito a um maior "tempo livre" mostra-se perfeitamente compatível com o direito ao trabalho como forma de minimizar a exclusão e indigência sociais em expansão no mundo contemporâneo. E a luta pela vida cheia de sentido no trabalho torna-se fundamento para a vida cheia de sentido fora do trabalho, numa forma de organização societária já, então, caminhando para além do capital e da lógica destrutiva de mercado. E aqui, de novo, as contradições, só aparentes, se desvanecem, fazendo da luta contemporânea pela redução da jornada ou do tempo de trabalho e da luta pelo emprego duas batalhas que se complementam. E da luta pelo trabalho cheio de sentido e da vida autêntica fora do trabalho, elementos imprescindíveis para que a sociedade do capital passe para a história, um dia, como a sociedade escravista e a artesanal que hoje são. Só história...


1 - Este artigo desenvolve as idéias contidas num pequeno texto publicado em Debate Sindical, ano 9, no 20, 1996, SP.

2 - MARX, Karl. O Capital. Ed. Civilização Brasileira, vol. 3/6, p. 942.

3 - Idem. "Congresso Internacional de Trabalhadores, em Setembro de 1866, Genebra". Apud O Capital. Ed. Abril, vol. 1, p. 237.

4 - LUKÄCS, György. Conversando com Lukács. 1969, pp. 53/54.

5 - ADORNO, Theodor. "Tempo Livre, conferência proferida em 25/05/69, na Radio da Alemanha". In: Consignas. Ed. Amorrorto, s/d, p. 56.


Caro Leitor, esperamos que a leitura deste artigo, pertencente à Revista Práxis número 7, Junho de 1996, tenha sido proveitosa e agradável. Obrigado.

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