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O Futuro do Marxismo nos USA1 | ![]() ![]() ![]() ![]() ![]() ![]() ![]() ![]() |
Peter Kirkpatrick
Peter_Kirkpatrick@revistapraxis.cjb.net
Professor da Virginia Commonwealth University, EUA.
O desmantelamento da URSS, em 1989, teve conseqüências variadas e mesmo opostas para a sorte do pensamento marxista nos USA: prejuízo e descrédito em certos casos, liberação e possibilidade de expansão em outros. Efetivamente, de um lado, numerosos politicólogos, sociólogos e economistas americanos aplaudiram a dissolução do bloco como sendo o golpe final dado ao pensamento de Marx e sua influência, já mínima, nas áreas do ensino, da política e da economia na América. Por outro lado, esse evento permitiu que certos especialistas americanos sobre o pensamento de Marx se sentissem liberados, já que seus detratores tinham muito freqüentemente tendência a confundir as teses de Marx com as experiências infelizes de certos regimes comunistas2. Para melhor compreender o estado atual, assim como futuro, dos estudos marxistas, e a recepção da filosofia de Marx nos USA, será útil aprofundar esse fenômeno de liberação, identificar as delimitações dos novos campos de ação que se abrem às idéias de Marx depois dos cinco últimos anos, principalmente no domínio da educação superior, da política e dos negócios.
I - Os Estudos Marxistas na Educação Superior dos USA
Segundo Ann Rosenhaft, secretária do Partido Socialista Americano, é difícil estabelecer o número de professores marxistas nos USA. Ela estima, no entanto, que em cerca de mais de quinhentos mil professores universitários, dez mil são marxistas3. Um grande número de professores e pesquisadores americanos marxistas saíram dos movimentos estudantis dos anos sessenta. A maior parte das universidade americanas4 resistiu a engajar professores marxistas. É sobretudo nas escolas de comércio e nas faculdades de ciências econômicas que os antigos radicais, já professores, tiveram mais dificuldade para encontrar um posto ou preservá-lo. Não era raro também que os professores ditos marxistas tivessem sua titulação recusada. É o caso, em 1989, de Susan Feiner, que, após ter ensinado durante sete anos, e apesar das excelentes avaliações de seus alunos e a publicação de um livro e doze artigos, teve recusada sua titulação por causa de suas convicções políticas e da natureza de suas pesquisas sobre a obra de Marx5. Seu caso chamou a atenção não somente da imprensa acadêmica mas também da imprensa nacional americana, devido ao fato de coincidir justamente com o período de abertura dos países do Leste às novas idéias, enquanto que, paradoxalmente, a maior parte das universidades americanas mantinham uma posição tradicionalista. A respeito desse assunto, uma editorialista do Washington Post destacou que toda universidade que deseja ter uma reputação de excelência deve engajar professores de todas as disciplinas, culturas, e tendências. Ela destacou também que, "se para receber a titulação, é necessário publicar em revistas de qualidade, não obstante os artigos são freqüentemente recusados caso as idéias dos autores não correspondam às inclinações políticas da revista"6. De outra parte, os marxistas universitários nos USA encontram grandes dificuldades tão logo pretendam ministrar um curso de introdução às obras de Marx a seus alunos. Segundo Bill Lazonick, professor de História Econômica do Barnard College em New York, esta resistência ao ensino do marxismo tem suas raízes na história política e intelectual do país. Segundo ele, jamais houve nos USA um movimento político e sindical de esquerda suficientemente importante para justificar e motivar as atividades de pesquisa sobre o socialismo e o marxismo7. Durante a presidência de Reagan e o período subseqüente, muitas universidades, inclusive a Harvard University, suprimiram os cursos sobre Marx de seus programas de ciências econômicas. Isso provocou um golpe mortal no marxismo, pois era sobretudo nos cursos de economia que o pensamento de Marx era apresentado de uma forma precisa e completa enquanto que crítica ao capitalismo. Conforme explica Edward Ahearn, professor de literatura comparada da Brown University e autor do livro Marx and Modern Fiction:
"1) Marx tem representado sempre o mal para a puritana sociedade americana ele atacou a religião e causou a opressão de milhões de pessoas;
2) Marx está errado a História mostrou que o capitalismo triunfou; e
3) Marx tem razão sua crítica ao capitalismo é tão justa e exata que não desejamos muito atrair a atenção sobre ela"8.
É por essa razão que ainda atualmente um reduzido número de universidades (veja nota 3) oferecem cursos sobre Marx em nível de mestrado e doutorado.
O ensino das obras de Marx é circunscrito atualmente com outros objetivos aos departamentos de filosofia, história, sociologia e ciências políticas. Um número importante de pesquisadores e professores que trabalham com Marx são reagrupados numa organização de pesquisa, a New School for Social Research, em New York. Nesse grupo se encontra particularmente Francis Fox Piven9, que é uma das organizadoras do colóquio Socialists Schollars Conference, que reúne, em abril de cada ano, não somente pesquisadores marxistas em ciências humanas, mas igualmente representantes de diversas correntes e movimentos políticos da esquerda americana. Como definir a esquerda americana? Ela é antes de tudo uma constelação de grupos progressistas organizados, seja em partidos (Communist Party USA, Social Democrats USA, Socialist Labor Party, Socialist Workers' Party, Workers' League, Workers' World Party, Spartacist League, Revolutionary Communist Party, Communist Labor Party, World Socialist Party of the United States, Partisan Defense Committee), seja em associações de defesa dos consumidores, pobres, minorias, sem teto, homossexuais, prisioneiros etc. (Nadar's Raiders, Southern Coalition Against Poverty, Coalition for Literacy, Coalition Against Homelessness in America, Act Up, Southern Coalition on Jails & Prisons). São também os representantes da ala esquerda do Partido Democrata, como o representante honorário da cidade de Washington e o líder da Coalizão Arco-Íris, Jesse Jackson. Os interesses desses grupos e associações convergem com as dos pesquisadores universitários. Alguns destes pesquisadores estão também à frente de movimentos políticos ou ativamente engajados naqueles partidos. Este é o caso do filósofo negro americano Cornel West10, membro e delegado do Partido Socialista Americano. É nesses grupos que, depois de alguns anos apenas, vê-se uma vontade de conduzir o marxismo a mudar de via, a responder às exigências e aos problemas atuais para integrar-se à nova agenda das universidades americanas. Segundo Francis Fox Piven, a crítica marxista serviria de ponte entre estudos acadêmicos e sociedade americana atual. Deveria no presente concentrar-se em temas tais como etnicidade e racismo. Tal tentativa de alargar o perímetro onde a crítica marxista pode servir de instrumento de trabalho traz pouco a pouco frutos no domínio dos estudos culturais e multiculturais, por exemplo, que se criam na maioria dos campus americanos. Edward Ahearn assinala, ainda, que é indispensável manter as obras de Marx no curso universitário, sobretudo no momento onde as análises de Marx sobre a sociedade capitalista são extremamente úteis tanto aos marxistas quanto aos não-marxistas.
Com efeito, caso se deseje desenvolver os estudos multiculturais e étnicos nas universidades americanas, há necessidade de modelos, de teorias, que permitam identificar as condições de vida, as interações sócio-econômicas, existentes nas diversas comunidades que formam a população americana: "Para a maior parte, Marx foi preciso em sua análise sobre as injustiças do sistema capitalista exploração dos pobres pelos ricos, alienação dos trabalhadores, opressão tanto interior como exterior. Apesar de certas melhorias legislativas (que ele mesmo saudou), a maneira como Marx tinha finalmente analisado a exploração dos trabalhadores pelo capital não perdeu em nada de sua pertinência. (...) Os jovens (e os velhos) que trabalham no McDonald's e o empregado colado à sua tela de computador são tão alienados quanto os operários das usinas e são também submetidos à máquina publicitária e a suas manipulações como o eram os operários do século XIX. Apesar da propaganda sobre a igualdade das chances, o sistema enriqueceu sempre um pequeno grupo às custas da classe média, cada vez mais minúscula, e da população massiva de pobres"11.
Os recentes estudos multiculturais tendem a concentrar-se sobre certos grupos étnicos submetidos a condições econômicas semelhantes àquelas que denuncia Ahearn. Contudo, essa nova direção dos estudos engloba igualmente as enquêtes efetuadas sobre os outros grupos sociais, mais precisamente, sobre as questões essenciais que eles se colocam, os problemas maiores, criados pelo sistema capitalista, que eles têm a resolver a cobertura médica, os problemas específicos das capitais e das comunidades urbanas, a ecologia, por exemplo.
Tais questões específicas, bem como as de raça, classe e identidade sexual, formam um fundo, bastante variado mas comum, de onde professores e pesquisadores das universidades americanas queiram ou não se considerarem marxistas extraem seus objetos de cursos multiculturais. É esse campo de investigação que, ampliando o debate sobre a desigualdade econômica e a justiça social, torna-se prioritário para um número crescente de professores, a ponto de constituir-se no objeto de numerosos estudos nas revistas intelectuais (de esquerda) nos USA, como, por exemplo, a revista Socialist Review, publicada pela Duke University12. É graças a esses pesquisadores e professores, que jogam um duplo papel, ao mesmo tempo universitários e ativistas, que o meio acadêmico permanece uma das maiores fontes de vitalidade para o desenvolvimento do marxismo e do socialismo nos USA.
II - O Marxismo e a Política Americana
Se certos professores e pesquisadores se esforçam para dar um novo estatuto à crítica marxista por meio dos estudos multiculturais, outros pesquisadores adotam caminhos mais pragmáticos. Na revista Scientific American, Nathan Rosenberg, professor de ciências econômicas na Stanford University, apresenta uma interessante teoria sobre a evolução do marxismo. Segundo ele, os USA representam a sociedade ideal para o desenvolvimento do marxismo. Ele explica que o avanço científico e tecnológico americano faz deles o lugar favorável para a expansão dos princípios do socialismo13. Rosenberg sublinha as passagens de Marx onde o filósofo precisa que o socialismo só poderá nascer nas sociedades capitalistas avançadas sobretudo naquelas que tiverem desenvolvido as áreas de tecnologia e ciências. "O fracasso das economias socialistas não prova que Marx estava errado mas, ao contrário, que ele tinha razão, escreve Rosenberg. Marx jamais disse que o socialismo, qualquer que seja a forma que ele assuma, traria as instituições e as motivações necessárias às mudanças tecnológicas rápidas. Ele pensava, ao contrário, que, uma vez o socialismo instituído segundo uma seqüência histórica que ele havia anunciado , estas instituições e motivações não seriam mais necessárias. O socialismo pode vencer enquanto forma de organização econômica justamente porque os problemas de produção e de distribuição dos recursos essenciais já terão sido resolvidos pela sociedade capitalista que lhe terá precedido"14. Segundo Rosenberg, a URSS possuia um programa de pesquisa científica excepcional, mas o regime não conseguiu utilizar os progressos e as aquisições da pesquisa para responder às necessidades do país, no que concerne tanto à industria quanto à agricultura. Segundo o autor, os USA estariam, conseqüentemente, na situação mais favorável para uma mutação em direção ao socialismo15.
Em seu recente artigo, Remaking American Marxism16, Manning Marable, professor de Ciências Políticas, de História e de Sociologia na Universidade do Colorado, precisa as estratégias adotadas atualmente por numerosos marxistas nos USA para integrar-se ou fazer aceitar suas idéias no interior da máquina política americana. "É necessário antes de tudo preservar-se de toda identificação, de toda filiação, com o conceito de socialismo", aconselha. Em seguida, trata-se principalmente de trazer à luz as contradições internas do capitalismo, identificando com precisão as causas das crises que atravessa a sociedade atual, e de fornecer igualmente as alternativas, e mesmo as soluções. Essa nova forma de marxismo americano, segundo Marable, obedece a quatro princípios:
1) em vez de concentrar-se na política eleitoral, os esforços devem ser dirigidos sobre os problemas práticos que a maior parte dos assalariados e não-assalariados têm que enfrentar. Isto é, a habitação, a assistência médica, as creches, a educação, os transportes comunitários etc, que constituem os grandes problemas dos centros urbanos;
2) é necessário adotar um programa ecológico;
3) é necessário repensar a abordagem política, em particular abandonar a esperança de ver o Partido Democrata reestruturar-se para tornar-se uma força socialista ou anticapitalista;17
4) é necessário repensar as formas de organização e apresentar-se antes como uma força representando os valores de base do socialismo valores humanistas e igualitários.
A prioridade deve ser dada à união das forças de todos os diferentes grupos locais que, há décadas, formam a esquerda nos USA. Tais diversos grupos devem dialogar visando a identificar as áreas que têm em comum e em seguida construir uma união de atividades, de solidariedade, uma co-organização de todos esses componentes.
Essa vontade de construir laços entre os diferentes grupos, bem como estes e os intelectuais, afirmou-se cada vez mais claramente após as eleições presidenciais de 1992, que marcaram o fim das esperanças que numerosos grupos de esquerda depositavam no Partido Democrata. Na realidade, durante a eleição presidencial, diversos movimentos de esquerda haviam aderido ao programa desse Partido. Pensavam, como o conjunto do público americano, que, dissipada a ameaça soviética, a campanha seria a ocasião para os USA se concentrarem em seus problemas internos. A esquerda e a ala esquerda do Partido Democrata impulsionavam os candidatos a estenderem o debate político para além de seus conflitos habituais, isto é, a defesa, a segurança nacional, o aborto, por exemplo, e direcioná-los para os novos desafios. É o que Dave Dellinger, defensor dos direitos civis e pacifista renomado nos USA, tentava obter: "Nós devemos admitir que nosso próprio sistema também fracassou negando a milhões de pessoas seus direitos mais naturais alimentação, habitação, assistência médica e emprego decente"18. Ainda que não tenha partilhado a opinião de Rosenberg e de Fox sobre a necessidade dos avanços do sistema capitalista para evoluir em direção ao socialismo, Dellinger questionava a eficácia destes avanços. "O número de crianças americanas que morrem cada ano por causa da pobreza é superior ao número de mortes causadas pela guerra do Vietnã. Nos USA, encarcera-se seis vezes mais negros que brancos. A economia, a cultura e o sistema judiciário seriam racistas?, pergunta19. O próprio Mikhail Gorbatchev havia feito alusão, em 1992, a essa necessidade de criar um novo terreno de enfrentamento político assim como uma nova abordagem política. "É o ponto de partida. Todos os partidos políticos do mundo devem repensar suas abordagens e abandonar suas idéias já elaboras, seus estereótipos. Este novo período propõe um novo quadro fornecendo uma possibilidade de construir uma nova civilização tal como nós poderíamos ter feito entre 1945-1947, mas que a política internacional decidiu diferentemente"20.
Clinton parecia receptivo por ocasião do discurso anunciando sua candidatura. Apresentava projetos sociais ambiciosos, que ao mesmo tempo inspiravam satisfação tanto aos democratas quanto aos movimentos da esquerda americana. A exemplo de Gorbatchev, insistia sobre o novo contexto do mundo atual, e mais precisamente sobre o da sociedade americana atual. O futuro presidente americano retomava os temas evocados pela esquerda, especificamente por Dellinger: "Nós ganhamos a guerra fria no estrangeiro, mas nós perdemos as batalhas econômicas sobre o solo nacional no que concerne à igualdade de chances e à justiça social para todos. Agora que nós mudamos o mundo, é hora de mudar a América. Tenho muito a dizer aos defensores do lucro e àqueles que desejam manter as coisas no estado atual: é hora, é necessário colocar-se em marcha. É hora de mudar ... É necessário que cada americano ultrapasse os estereótipos. É necessário que nós pensemos a América como um todo, nós, todos nós as minorias, os progressistas, os pobres, os SDF (Sem Domicílio Fixo), os prejudicados, os homossexuais. É necessário que nos unamos."21
Mas os clichês dos adversários da mudança e do progresso social retomaram rapidamente o ataque. Para desacreditar uma proposição de reforma, como sempre basta pronunciar a palavra socialismo ou marxismo22. As reformas propostas por Hillary Clinton sobre a assistência médica para todos os americanos foram qualificadas de "puro marxismo" pelo representante do Congresso, Dick Armey23. As generalizações simplistas do período da guerra fria sempre retornam à cena política americana. Toda proposição de reforma progressista ou social, mesmo se aprovada pelo voto dos eleitores americanos, tem pouquíssimas chances de concretizar-se. Essa é, em parte, a razão pela qual certas reformas propostas por Clinton, antes recusadas pelo Congresso, foram modificadas para, em seguida, não mais aparecerem ao espírito dos congressistas como associadas à esquerda americana.
De sua parte, os marxistas americanos, como Marable e Alan Wald, professor de cultura americana na Universidade de Michigan, preconizaram uma ruptura nítida e definitiva com o Partido Democrata pois, para esta esquerda intelectual e política, é necessário no presente momento criar novas formações eleitorais que respondam realmente, e sem disfarce, às novas necessidades e inquietudes da população americana.
Nesse sentido, a esquerda americana se volta com esperança à essa nova forma do marxismo sem jamais o confessar enquanto tal. É um processo que será lento, mas que prossegue no presente momento segundo uma trajetória mais definida e mais direta. Sobretudo quando se considera que a esquerda é formada em grande parte por diferentes grupos locais coalizões para a defesa dos direitos dos sem-teto, organizações para a defesa dos direitos civis como a Southern Coalition Against Poverty etc. , que há muito tempo identificaram e denunciaram os problemas e as crises particulares às suas comunidades. É a partir dessa base, diversificada e localizada, que uma nova esquerda ensaia construir-se. Sua vantagem principal reside no fato de que a maior parte dos eleitores americanos desconfiam dos políticos de Washington, que são considerados insensíveis a seus problemas e muito distantes de sua localidade. Assim, é sobre esses problemas, essas crises específicas e locais, que estão centradas as análises multiculturais e os trabalhos dos pesquisadores marxistas. Os quatro princípios sugeridos por Marable para uma nova forma de marxismo, a contribuição dos professores e pesquisadores marxistas insistindo na necessidade de tomar em consideração e analisar os novos desafios da sociedade americana, oferecem, portanto, uma direção possível e tangível à esquerda americana.
III - Marx Encontra Lugar na Imprensa dos Negócios
É curioso observar que, após 1989, é dentro do mundo dos negócios que se pode ver as primeiras tentativas de aplicação do pensamento de Marx, assim como uma maneira menos simplista de considerar suas contribuições. O artigo de Henry Myers, Thinkers Who Shaped the Century: Das Kapital: His Statues Topple, His Shadows Persists; Marx Can't Be Ignored, publicado pelo Wall Street Journal de 25 de novembro de 1991, causou impacto não apenas nos USA mas também em toda parte, uma vez que reconhecia "Karl Marx como um dos maiores pensadores, permitindo compreender o século XX", e como a melhor análise sobre o capitalismo24. O artigo indica que, embora ninguém deseje geralmente admitir, as análises financeiras, os estudos de mercado que se fazem diariamente, os prognósticos dos investidores, dos sociólogos, dos politicólogos e dos economistas das sociedades capitalistas, são todos devedores do pensamento marxista. Esse jornal aconselha a seus leitores a retornar aos textos de Marx para melhor apreenderem a necessidade dos programas sociais e das regulamentações econômicas, tais como, por exemplo, as leis contra os delitos de informação privilegiada (delits d'initiés).
Isso não significa que os homens da bolsa e os banqueiros de Wall Street estejam prontos a abrir-se ao pensamento de Marx. Não. O que é importante, nessa questão, é que seja reconhecido o fato de que as análises de Marx são pertinentes às estruturas econômicas do capitalismo e aos problemas que colocam atualmente. Além disso, é bom que tal fato seja admitido pela imprensa popular americana, em particular por um jornal conservador como o Wall Street Journal. Esse artigo não poderia ter sido publicado nos USA antes de 1989. Essa abertura, por menor que seja, permite a muitos americanos jornalistas, professores, pesquisadores não-marxistas terem uma visão do teor dos trabalhos de Marx e poderem considerá-los como possível instrumento de análise em vez de simples textos de propaganda.
Desde há algum tempo, não é mais raro encontrar referências, diretas ou indiretas, às teorias de Marx na imprensa americana, especificamente nos artigos de análise de economia nacional ou internacional, como por exemplo no de Gene Epstein publicado no Barron's, um jornal para homens de negócios e economistas tão importante como o Wall Street Journal. Jornalista e especialista sobre a economia americana, faz referência às teorias de Marx para explicar a significação da nova sigla NAIRU (non accelerating-inflation rate of unemployement). Explica que se trata de manter a taxa de desemprego em um certo nível para garantir um teto determinado de inflação. Esse é um meio para o governo controlar o crescimento econômico pela manutenção de um "exército de reserva de desempregados"25, forçando assim certos empregados a aceitarem reduções de salário por medo de perder seu trabalho. A mesma abordagem aparece na entrevista com Staughton Lynd, publicada pela revista de esquerda Montly Review: "A questão de um exército de reserva de trabalhadores, mencionada por Marx, parece-me ser cada vez mais atual. Clinton, seu ministro do trabalho, Robert Reich, e o ministro do comércio, Ron Brown, não desejam reduzir o desemprego ... Os únicos empregos que vão criar são os empregos a tempo parcial, sem proteções sociais e pagos na base do SMIC"26. Tais comentários, mais específicos na sua crítica à política governamental, são, todavia, em razão da limitação de sua difusão, menos eficazes junto aos americanos do que os exemplos citados na grande imprensa. Mas é por essa forma de reencontro com os princípios fundamentais do marxismo que o grande público americano pode chegar progressivamente a uma compreensão mais profunda sobre a sociedade capitalista na qual vive, assim como seus efeitos nas condições e qualidade de vida. Para os pensadores marxistas americanos, essa é também uma primeira etapa, ao menos eles o esperam, visando a uma melhor compreensão e aceitação por parte do povo americano aos princípios do marxismo e do socialismo.
Em síntese, o marxismo se encontra em uma situação bastante promissora nos USA de hoje. Pouco a pouco, ele chega a libertar-se de suas etiquetas discriminatórias, representando um instrumento de trabalho e de pesquisa cada vez mais reconhecido em numerosas universidades americanas, apresentando-se como uma fonte de referência possível para os novos passos políticos nos quais desejam engajar-se os movimentos de esquerda que tomaram certas distâncias face ao Partido Democrata após 1992. O marxismo parece ter seu lugar e seu papel a assumir no pensamento e na política americanos, sobretudo junto aos que se sentem responsáveis pelo estabelecimento de uma sociedade mais igualitária e mais justa.
1 - La Pensée, no 303, julho-agosto-setembro de 1995.(NT) Tradução: Ariovaldo Santos, professor à Universidade Estadual de Londrina (PR) e doutorando à Université Paris I, Sorbonne, França.(NE)
2 - Robin Hahnel, prof. de Ciências Econômicas na American University, indicou que a morte do modelo soviético deve ser considerada um evento saudável para o marxismo. "Agora que essa forma de marxismo não existe mais, os verdadeiros ideais do socialismo podem ser apreciados em seu próprio mérito", disse. Hisham Sharabi, marxista e prof. de História na Georgetown University, declara igualmente: "As ditaduras comunistas eram como pedras que nos haviam sido amarradas no pescoço. Desde que o medo do comunismo desapareceu, nós, (os americanos), podemos entrar num debate muito mais construtivo" (MARSSHALL, Matt. "Campus Marxists See Silver Lining: Death of soviet-style communism hailed by somme academics as break for socialism". In: Los Angeles Times, 21/11/91, A:5:1).
3 - Um grande número desses professores pertencem à Union of Radical Political Economics (URPE). Estima-se que a URPE tenha cerca de dois mil membros. Tal associação é, em parte, igualmente responsável pela publicação da revista Review of Radical Political Economics.
4 - À exceção dos American University (Washington, DC), New School for Social Research (New York), University of Utah, University of Massachusetts (Amherst), Urban Institute, Institute for Policy Studies.
5 - MC CARTHY, Colman. "Free Speech and the Right to Teach". In: The Washington Post, 1° octobre, F:9:1.
6 - FARHI, Paul. "Marxism's Fall From Influence". In: The Washington Post, 4 juin 1989, H:1:6.
7 - Idem. Ibidem.
8 - Idem. Ibidem.
9 - Ver Labor Parties in Postindustrial Societies; New York, Oxford UP, 1992. Why Americans Don't Vote; New York, Pantgeon Books, 1988. The New Class War; New York, Pantheon Books, 1982.
10 - Ver Race Matters; Boston, Beacon Press, 1993. Keeping Faith; New York, Routledge, 1993. Prophetic Thought in Postmodern Times; Maine, Common Courage Press, 1993.
11 - Ahearn.
12 - Na Duke University também trabalha Frederic Jameson, autor do livro de crítica literária marxista The Political Unconscious. Jameson escreve também, na tradição de Herbert Marcuse e de Noam Chomsky, críticas sobre as injustiças criadas pelo sistema capitalista nos USA.
13 - Isto é, os princípios tal como eram definidos por Marx, e também por outros filósofos-pesquisadores, como Albert Einstein, que assinalou que a ciência e a tecnologia desenvolvidas nas sociedades capitalistas avançadas não têm por objetivo a melhoria das condições de vida da sociedade. Segundo Einstein, contrariamente ao capitalismo, somente o socialismo persegue objetivos de caráter social e ético. Ele escreve, em 1949: "A anarquia econômica da sociedade capitalista tal qual existe hoje, é, no meu entender, a verdadeira fonte do mal. Estou convencido de que só há uma maneira de eliminar esses sérios males. É necessário estabelecer uma economia socialista, sustentada por um sistema educativo cujo curriculum colocaria o acento sobre os grandes objetivos sociais" (EINSTEIN, Albert. "Why Socialism?"27. In: Monthly Review 1 (1), 1/5/49, republicado em 5/94.
14 - ROSENBERG, Nathan. "Essay: Marx Wasn't All Wrong". In: Scientific American, dezembro de 1991, p. 158.
15 - Diversos professores e pesquisadores nos USA têm posições similares à de Rosenberg. Robin Fox, por exemplo, professor de teorias sociais na Ruthgers University, acentua a necessidade do desenvolvimento do capitalismo para conduzir ao advento do comunismo. "Para Marx (e também para Engels) a única verdadeira rota ao comunismo se encontra nas contradições internas do capitalismo. Essas contradições devem ser desenvolvidas plenamente antes que o proletariado chegue a uma verdadeira consciência de classe, necessária transição à etapa seguinte. Tal progressão, definida por Marx, obedece às regras da História; e é impossível queimar etapas. Não se poderá jamais atingir o comunismo pela via dos despotismos impostos pelas forças exteriores, como foi o caso da Europa do Leste ... Segundo a teoria marxista, o capitalismo deve seguir seu caminho" ("Marxism's Obit Is Premature". In: The Nation, 14/5/1990, pp. 664-666).
16 - MARABLE, Maning. "Remaking American Marxism". In: Monthly Review, janeiro 1991, pp. 40-58.
17 - Esta era a esperança da esquerda americana desde os anos setenta. Esperança mantida pelo antigo líder da organização Democratic Socialists of America, Michel Harrington, assim como pelo líder da coalizão Arco-Íris, Jesse Jackson, por ocasião da campanha presidencial, e a um certo grau pelos Partidos socialistas e comunistas (ver Gorman, Robert, Yankee Red, New York, Praeger, 1989, pp. 76-83).
18 - Em 92, nove milhões de americanos estavam desempregados, 35 milhões não tinham seguro médico e 13% viviam abaixo do limite de pobreza, enquanto o fosso entre ricos e pobres aumentava (BOO, K.. "Why We Need a New Marx". In: The Washington Monthly, 3/92, pp. 11-16).
19 - DELLINGER, Dave. "Hungering for the Real US Issues". In: Los Angeles Times, 30 de setembro de 1992, B:7:1.
20 - GORBATCHEV, Mikhail S.. "No Time for Stereotypes". In: New York Times, 24 de fevereiro de 1992, A:19.
21 - CLINTON, Bill. "It's Time to Change America". In: Chicago Tribune, 17 de julho de 1992, I:12:5.
22 - É freqüente nas sessões do Congresso americano que os senadores e os representantes descreditem, dessa maneira, a argumentação de um colega progressista. Em 21/5/95, por exemplo, Randy "Buck" Cunningham, representante da Califórnia, assim interrompeu a representante do Colorado, Pat Schroeder, que defendia os direitos das minorias: "Cale-se, socialista suja".
23 - WHITE, R.. "If the Shoe Fits". In: Atlanta Constitution, 14/6/93, A:10:3.
24 - MYERS, Henry F.. "Thinkers Who Shaped the Century: Das Kapital: His Statues Topple, His Shadow Persists; Marx Can't Be Ignored". In: Wall Street Journal, 25 de novembro de 1991, A:1:6.
25 - EPSTEIN, Gene. "Marxist Economics in Disguise?". In: Barron's, 21 de março de 1994, pp. 29-30.
26 - "Interview with Staughton Lind". In: Monthly Review, 4/94, pp. 47-49.
27 - EINSTEIN, Albert. "Porque o Socialismo?". Traduzido para o português, publicado na Revista Práxis 7. (Nota do WebMaster)
Caro Leitor, esperamos que a leitura deste artigo, pertencente à Revista Práxis número 7, Junho de 1996, tenha sido proveitosa e agradável. Obrigado.
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Néliton Azevedo, Editor, WebMaster.
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