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| Resenha:ALMEIDA, Lúcio Flávio Ideologia Nacional e NacionalismoSão Paulo, Ed. Educ, 1995 | ![]() ![]() ![]() ![]() ![]() ![]() ![]() ![]() |
Jair Pinheiro
Jair_Pinheiro@revistapraxis.cjb.net
Prof. Universidade Cruzeiro do Sul, São Paulo, doutorando em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica-São Paulo.
A nação, como forma da sociedade inclusiva moderna, aparece em todos os discursos políticos. Apenas para citar exemplos conhecidos dos brasileiros, atores localizados em campos ideológicos distintos e conflitantes parecem sentir-se obrigados a referir sua atuação à nação, seja por meio do velho clichê dos políticos tradicionais que, a cada desfecho de pendengas parlamentares, repetem: "ninguém perdeu, a nação brasileira saiu ganhando" , seja na mais recente versão de esquerda de que "é preciso construir um projeto para o Brasil".
Aparentemente, na mesma proporção que se torna trabalhoso definir os conteúdos da brasilidade face à diversidade do povo por ela identificado, torna-se também obrigatória a referência a ela nos discursos políticos. Apesar dessa presença ostensiva nos discursos e na base da ação dos atores políticos, o tema tem merecido pouca atenção das ciências sociais, particularmente no Brasil.
Essas observações apontam para uma abordagem possível mas não exclusiva da questão nacional, que é a do seu papel enquanto ideologia política, em especial como base ideológica constitutiva da unidade geográfica e política moderna.
Lúcio Flávio de Almeida, um estudioso da ideologia nacional, oferece-nos um estudo que é duplamente particular e, ao mesmo tempo, universal pela inserção do mesmo no tema geral ideologia. Assim, o autor ajuda a preencher a lacuna representada pela escassez de estudos sobre a questão nacional.
Ideologia Nacional e Nacionalismo, o estudo sobre o qual me debruço na tentativa de apresentá-lo em sua riqueza, é particular porque, de um lado, trata de uma ideologia específica que, embora esteja na base da constituição do Estado nacional como unidade política e geográfica necessária à organização internacional do capital, tem merecido pouca atenção das ciências sociais, como o próprio Almeida assinala. De outro lado, Almeida utiliza as categorias brilhantemente desenvolvidas na primeira parte de sua obra para a análise de um caso particular, o Brasil no período 1930-64.
O caráter universal do estudo reside na inserção da ideologia nacional no campo da ideologia, como uma área de estudo das ciências sociais. Área esta que vem sendo recuperada por estudos como os de Therborn, Thompson e Mcellan, com perspectivas teóricas distintas, como componente necessária à compreensão dos processos políticos, sociais e econômicos contemporâneos (THERBORN, Göran; The Ideology of Power and the Power of Ideology. THOMPSON, John B.; Ideologia e Cultura Moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. MCLELLAN, David; A Ideologia).
Passemos, então, à apresentação da obra Ideologia Nacional e Nacionalismo.
A primeira parte, constituída de dois capítulos, está voltada para a discussão teórica. A abordagem de Almeida, partindo da tese poulantzana de que Marx, em O Capital, analisa indiretamente, por seus efeitos, as estruturas políticas e ideológicas, relaciona ideologia nacional e relações capitalistas de produção. Neste sentido, a constituição de uma comunidade imaginária, simultaneamente herdeira e portadora de um passado e de um destino comuns, foi de fundamental importância para a conformação de um povo abrigado pelo Estado nacional em um território determinado, a forma política de existência da comunidade nacional.
O Estado nacional nasce, assim, com duas funções precípuas, uma interna e outra externa. Funções estas que são regidas pelo direito burguês. É neste ponto que o estudo de Almeida oferece uma valiosa contribuição ao estudo das ideologias, ao examinar os nexos entre a configuração da ideologia nacional e as relações capitalistas de produção. A função interna consiste em organizar a relação entre os membros da comunidade nacional, por meio da instituição dos indivíduos-sujeitos formalmente livres e iguais. Assim, o trabalhador coletivo e o capitalista coletivo, de que fala Marx em O Capital, são agora, na esfera político-institucional, indivíduos-sujeitos livres e iguais, sob o manto da nacionalidade comum, para firmarem contrato de compra e venda da força de trabalho.
A função externa, em certa medida, deriva da primeira, e consiste na relação de soberania frente aos demais Estados, o que implica organizar as relações econômicas, políticas e sociais segundo o critério de troca entre povos soberanos, ou seja, povos cuja independência está assegurada, no plano ideológico, pela comunidade imaginada e, no plano político pela unidade social operada pelo próprio Estado. No entanto, para esses aspectos adquirirem maior poder explicativo, é preciso, mais uma vez, fazer intervir o direito burguês.
Almeida assinala que a aplicação do direito feudal, baseada nas relações de dependência e de lealdade pessoal, como coerção extra-econômica necessária à apropriação do excedente, apresentava duas características básicas: 1) diversas cortes jurídicas competiam num mesmo território, conforme as relações estabelecidas entre os príncipes e os vassalos; e 2) conseqüentemente a autoridade daquelas cortes estava dispersa por territórios descontínuos. Em contraste, no direito burguês, o Estado reivindica para si o monopólio do exercício da magistratura em um território geograficamente delimitado, como condição necessária à homogeneização dos indivíduos sob uma comunidade de direitos, cujo substrato material é o Estado.
Desse modo, Almeida postula o caráter estruturalmente burguês da ideologia nacional. Para sustentar tal postulado, além das premissas sucintamente expostas acima, ele recorre às diversas apropriações históricas da ideologia nacional, demonstrando que tais apropriações podem ocorrer e efetivamente ocorrem anteriormente à existência da nação, justamente com o propósito de construção de um determinado Estado-nação. Nesses casos típicos, mesmo quando a base social do movimento nacionalista é constituída por setores populares, as coordenadas do direito burguês se impõem por intermédio da matriz ideológica que o supõe.
Quando tal apropriação da ideologia nacional por setores populares ocorre em um Estado-nação já consolidado, apesar das nuanças que tais movimentos sociais podem apresentar, e que o autor procura contemplar, repete-se a imposição do direito burguês em decorrência da matriz ideológica adotada.
São os problemas dessas apropriações da ideologia nacional que estão na base das diretrizes da atuação de diversas organizações de esquerda no período 1930-64. Neste caso particular, a experiência conhecida como nacional-populismo consistiu numa conjugação das coordenadas centrais daquela ideologia com as reivindicações populares, compondo um quadro no qual estas últimas apareciam como factíveis segundo um projeto de desenvolvimento nacional.
Na base da conjugação dessas duas ideologias (nacionalismo e populismo) estava o caráter de autodeterminação do Estado da primeira, o que lhe conferia um traço marcadamente autoritário; e a colaboração de classe da segunda, o que implicava o abandono da perspectiva de atribuir uma organização autônoma às lutas operárias.
Passando em revista diversos estudos do período, Almeida recorre à noção de Weffort segundo a qual "o nacionalismo é visto como inserido nos quadros de um sistema político em que o Estado apresentava a especificidade de ser um Estado compromisso e um Estado de massas. Estado compromisso entre os grupos que constituíram a coalizão dominante que se abriu com a 'revolução de 1930'; e Estado de massas porque, como nenhum daqueles grupos era capaz de constituir uma base de legitimação para o Estado, esta seria encontrada nas massas urbanas". (cf. Almeida, p. 86).
Embora reconhecendo a importância dos estudos de Weffort, entre outros autores, Almeida, apoiado em material empírico, procura apresentar soluções para aquilo que ele considera dificuldades nesses estudos. À dicotomia conflito-complementaridade, segundo a qual os empresários nacionais tinham ou não interesses contraditórios com o capital internacional, ele opõe um quadro de diferentes níveis de conflito e de integração dos diferentes setores do capitalismo brasileiro com o sistema imperialista. Tal quadro permite apreender a especificidade do desenvolvimento capitalista no Brasil, ao mesmo tempo que rompe com a homogeneidade da burguesia nacional suposta na dicotomia acima referida.
Uma segunda dificuldade consiste na suposta relação entre ideologia nacionalista e um único ator político, o que dificulta explicar o processo de conversão desta ideologia em expressão das reivindicações populares, além de não oferecer uma referência para o exame dos conflitos entre frações burguesas, posto que esses atores políticos são supostos como homogêneos ao longo de todo o período populista.
A terceira dificuldade, mais conceptual, consiste na falta de uma teorização mais rigorosa sobre a ideologia nacional, dificuldade esta que está presente nas duas anteriores, e que a primeira parte da obra procura superar.
De acordo com esse quadro, Almeida examina a atuação dos diversos atores políticos no período considerado, oferecendo-nos rico material para a interpretação das lutas passadas. O que pode ser muito fecundo para a reflexão atual, que tem como objetivo a busca de uma alternativa ao capitalismo, mesmo porque, no debate corrente, a ideologia nacional faz nova aparição, mediante a atualização da dicotomia arcaico-moderno, na qual os conteúdos apresentados como modernos são condição necessária para a nação integrar o mundo globalizado das nações vencedoras.
Um dos modos de operar da ideologia é o obscurecimento de determinados aspectos enquanto evidencia outros. A dicotomia arcaico-moderno, no plano político, desdobra-se em outra dicotomia estatizante-privatizante , o que obscurece o conjunto de forças que procura redefinir seu poder político e o papel atribuído às camadas populares de apenas legitimar o Estado, ao mesmo tempo que satura o debate com informações sobre o real ou imaginário atraso tecnológico e financeiro, que o país precisa superar para modernizar-se.
Caro Leitor, esperamos que a leitura desta resenha, pertencente à Revista Práxis número 7, Junho de 1996, tenha sido proveitosa e agradável. Caso se interesse pelo livro 'Ideologia Nacional e Nacionalismo', de Lúcio Flávio de Almeida, entre em contato conosco. Obrigado.
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