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| Resenha:ALEXANDRE, Valentim Os Sentidos do ImpérioQuestão Nacional e Questão Colonial na Crise do Antigo RegimePorto, Editora Afrontamento, 1993. 840 págs. | ![]() ![]() ![]() ![]() ![]() ![]() ![]() ![]() |
Marianne Reisewitz
Marianne_Reisewitz@revistapraxis.cjb.net
Pós-graduanda em História Social na USP e integrante do Núcleo de Estudos de O Capital, PT-SP.
Em sua obra de fôlego, Os Sentidos do Império, recentemente publicada em Portugal, o historiador Valentim Alexandre dá destaque especial à "Questão Nacional" e à "Questão Colonial na Crise do Antigo Regime" português. Como um dos seus interlocutores principais é o historiador Fernando Novais, cabe mostrar sucintamente a clássica tese elaborada por este entre o fim dos anos sessenta e início dos setenta, depois que o autor participou do conhecido grupo de leitura de O Capital com Fernando Henrique Cardoso, Paul Singer, Roberto Schwartz e outros.
A tese defendida por Fernando Novais e depois publicada em livro (Portugal e Brasil na Crise do Antigo Sistema Colonial, 1777-1808, São Paulo, Ed. Hucitec, 1986) possui inovações que a tornaram obra consagrada e essencial para a compreensão da história política brasileira do período em que se procurou por em prática as propostas que ele chamou de "política econômica reformista do mercantilismo ilustrado", as tentativas para a solução colonial da crise do Antigo Regime, "a crise do Antigo Sistema Colonial", concentrada entre os anos de 1777 e 1808, segundo os marcos estabelecidos pelo autor.
Novais é cuidadoso. Suas observações e conclusões são baseadas em exaustiva análise documental e vasta bibliografia, buscando a constituição dessa forma específica do Antigo Regime, o Antigo Sistema Colonial, para explicar a crise deste sistema. Traça um breve histórico da formação de Portugal, das conquistas ultramarinas, da criação de colônias no ultramar e de suas especificidades colônia de povoamento ou de exploração , aprofundando-se no caso da maior e mais significativa colônia portuguesa no continente americano, o Brasil. Prossegue esclarecendo a política econômica mercantilista, predominante na Europa do Antigo Regime até quando seu próprio desenvolvimento solapa as suas bases, abrindo espaço a novas formas capitalistas. Demonstra, assim, como o capitalismo comercial cumpre o seu papel na acumulação primitiva permitindo o surgimento de formas mais avançadas desse mesmo capitalismo: a revolução e produção industrial.
Apesar da posição de precursor no processo de formação do Estado Nacional e do capitalismo comercial ambos inseparáveis , Portugal, já em meados do século XVIII, encontra-se em situação de atraso em relação ao desenvolvimento de outras nações européias. Novais analisa as razões do atraso português no período em que se consolidam a formação do capitalismo industrial, principalmente na Inglaterra. O que teria conduzido a nação portuguesa, outrora, no período das grandes navegações e explorações ultramarinas, da condição de uma das primeiras grandes potências e de precursora deste mesmo processo a uma insignificante posição na Europa que então realizava as revoluções burguesas que derrubavam o quadro político institucional do Antigo Regime?
Paradoxalmente, conclui o autor, a precoce posição de pioneiro das grandes navegações, da centralização política necessária à instalação do seu Estado Nacional e consolidação do capitalismo comercial, processos todos interligados e interdependentes, foi, predominantemente, também responsável pelo atraso de Portugal em relação a outras nações européias na passagem do século XVIII ao XIX. Isso seria decorrente da própria situação de precocidade, pois as formações políticas, sociais e econômicas que haviam surgido na formação prematura do capitalismo comercial em Portugal se cristalizaram, não evoluindo para formas mais avançadas do capitalismo, não havendo ali os investimentos suficientes na produção que formassem as bases para o desenvolvimento industrial que pudesse acompanhar os pólos mais avançados que revolucionavam a produção: principalmente a Grã-Bretanha.
Essa é a constatação do atraso de Portugal em relação ao desenvolvimento de outras nações européias. Evidentemente, é a constatação de um autor contemporâneo. Também evidentemente, aquilo que foi verificado, no período em foco, pelos homens ilustrados da época foi diferente. As tentativas de política econômica que foram feitas durante o século XVIII ocorreram em função das análises de estudiosos que, conforme averiguavam os problemas, procuravam alternativas a eles. Essas alternativas, que foram acatadas pelos estadistas portugueses, surgiram de acordo com as investigações e soluções do pensamento ilustrado europeu, porém dentro de sua vertente reformista. Ou seja, as soluções apresentadas pela política econômica aconteceram, no caso de Portugal, dentro de um quadro de reforma ou recuperação do Antigo Sistema, e não de transformação, ou revolução. Foram, assim, adotadas medidas que tinham por objetivo suprir o atraso econômico português em relação às demais potências européias, medidas estas que visavam "reformar" as formas de exploração das suas fontes de riqueza: as colônias ultramarinas. Portugal pretendia reformar o Antigo Sistema Colonial, já em crise, sem abandoná-lo. Fernando Novais explicita dessa forma como Portugal manteve a sua política econômica mercantilista inspirada no reformismo ilustrado.
Portugal de fato implementou tal política econômica. E procurou realizá-la em todo seu vasto império colonial. Mas foi necessário que houvesse homens que a praticassem! Houve um grupo de estadistas ilustrados, dos quais Novais cita Dom Rodrigo de Souza Coutinho, futuro conde de Linhares.
Partindo de uma análise diversa da clássica de Fernando Novais, acima exposta, à qual se contrapõe também nas conclusões, o professor lusitano Valentim Alexandre utiliza as Balanças do Comércio Externo de Portugal, para, pelo menos até o ano de 1806, negar qualquer crise econômica ou política no Estado português. Só a partir de então Portugal passaria de fato a uma situação mais delicada, sendo obrigado, pouco mais de um ano depois, a fechar tratados ou fazer alianças duradouras com as duas principais potências rivais de uma Europa em guerra a França e a Inglaterra e a transladar toda a estrutura do aparelho de Estado português através do Atlântico à sua mais importante colônia, o Brasil.
Através de cuidadosa e exaustiva análise documental, embora sem evitar lacunas, o historiador português demonstra que a decisão definitiva para a transferência de toda a corte lusa de um continente a outro só teria se dado momentos antes em que ela se efetivasse, quando seu território se encontrava já parcialmente ocupado pelas tropas napoleônicas comandadas por Junot. A coroa portuguesa teria recebido então o antes relutante apoio e reforço inglês, apoio e reforços estes que lhe custariam muito caro.
Só então, através da obrigação em cumprir esses acordos selados com a Grã-Bretanha, totalmente desfavoráveis à sua política e economia interna, a crise do Antigo Regime teria se consolidado em Portugal. Esse seria de fato o momento do eclodir da crise, pois antes, além de uma situação econômica que o autor conclui ser estável até 1806 "Prosperidade durante a maior parte do período de 1796 a 1807; primeiros sintomas de recessão em 1805; recessão geral em 1806-1807 eis o quadro que parece resultar da análise que fizemos da exportação para o Brasil de produtos industriais portugueses" (p. 54 e pp. 68-69) , a coroa portuguesa também não teria tido grandes preocupações com questões tais como as "inconfidências" no Brasil, vistas principalmente pela historigrafia brasileira como demonstração de fragilidade da estrutura de dominação portuguesa e por uma crise de hegemonia.
Para Valentim, a pouca importância das "inconfidências" se comprova pelo fato de não terem sido incrementadas as forças militares em colônia para sufocá-las ou postas em prática outras reformas políticas mais profundas (p. 82). Mas não seriam os castigos aplicados a alguns dos envolvidos nas principais "inconfidências", como os enforcamentos e esquartejamentos públicos preservando sempre da melhor forma, sem dúvida, os membros da elite envolvidos, demonstrativos de força e reafirmação do domínio político da metrópole sobre a colônia? Nota-se a dificuldade de Alexandre em tratar com maior cuidado os movimentos políticos internos à colônia: o autor utilizou uma bibliografia reduzida e pouco atualizada no estudo das "inconfidências", dificultando, talvez por isso, análises mais profundas destas, e não conseguindo assim compreender seu real significado. Essa análise um pouco superficial leva Alexandre a reproduzir, por exemplo, a leitura de que os acontecimentos na Bahia em 1798 não tiveram a participação direta de membros da elite, visão esta que havia sido cristalizada por uma historiografia pouco interessada em demarcar a participação da elite colonial no episódio: "A 'inconfidência' bahiana tem como protagonistas personagens de outro tipo é um movimento de gente miúda, conhecido pela 'revolução dos alfaiates', artesãos soldados, na grande maioria mulatos, com alguns escravos entre eles. (...) Mais uma vez terá de concluir-se que o movimento toca um setor restrito da população brasileira; e que na sua componente nacionalista é marginal, em relação aos aspectos sociais dominantes" (pp. 82-83).
Essa visão, refutada já por toda uma historiografia que se seguiu, foi analisada por István Jancsó (JANCSÓ, István. Na Bahia contra o Império. História do ensaio de sedição de 1798. São Paulo, Ed. Hucitec, 1996), que conceitua as relações e as pretensões daquele grupo que se formou em torno de um episódio O Ensaio de Sedição de 1798 o qual demonstrou as insatisfações, mas também as contradições intrínsecas ao próprio grupo e à sociedade colonial. Ali, torna-se claro o envolvimento de membros da elite bahiana no episódio de 1798.
Partindo do ponto acima referido, Valentim conclui também que não seria possível ainda falar em crise generalizada antes de 1808, uma vez que essa pequena importância por ele atribuída às "inconfidências" coloniais não seria razão suficiente para comprovar a generalização dessa crise (pp. 77-78).
Alexandre também considera falsa a visão de um Portugal dependente da Grã-Bretanha (p. 69), situação que só teria se tornado real e crítica a partir de 1808/1810, quando da transferência da Corte lusa para o Brasil e com a assinatura dos tratados de Aliança freqüentemente esquecidos, lembra o autor e de Comércio de 1810.
Entretanto, o historiador português faz um raro trabalho de levantamento e análise de fontes, cruzando dados minuciosamente e utilizando uma diversidade enorme de documentos, o que obrigatoriamente amplia suas informações e conclusões. Privilegia demasiadamente a política externa, as relações internacionais e a diplomacia para explicar o sentido e a decadência do período que antecede o que chama de "último império", mas consegue assim descrever o funcionamento e a política interna do Estado português desse mesmo período, as divergências de determinadas linhas políticas e os interesses que elas representavam.
Aponta duas tendências predominantes na condução das relações políticas de Portugal: o "partido inglês", favorável à preservação da "boa amizade" com a Grã-Bretanha e a tudo que esta representava para o império luso, e o "partido francês", que optava por manter e cultivar as boas relações políticas e econômicas com a França. Essas duas tendências possuíam nas figuras de dois membros da elite ilustrada as suas maiores expressões: Dom Rodrigo de Sousa Coutinho, mais tarde conde Linhares, defendendo sempre as alianças com a Grã-Bretanha e Antonio Araújo (o conde da Barca), defendo os acordos com a França.
O texto de Valentim Alexandre, reabrindo a discussão sobre a base do nacionalismo português e a crise do Antigo Regime em Portugal, é, contudo, o olhar de um português sobre o tema, o que torna seu trabalho mais interessante se contraposto à visão também preocupada com os acontecimentos internos à colônia brasileira, sem, entretanto, desvinculá-los das determinações da colonização portuguesa. Tal possibilidade se abre com uma das contribuições de Sérgio Buarque de Holanda.
A obra desse grande historiador oferece subsídios, hoje ainda importantes, para a compreensão de diversos momentos da história do Brasil e para construir o seu sentido enquanto elemento constitutivo de uma totalidade.
Contrapondo-o a Valentim Alexandre, pode-se notar o olhar de um brasileiro e o de um português sobre a história do mesmo período. Enquanto Sérgio Buarque enfatiza a progressividade das sublevações no Brasil contra o domínio metropolitano desde o século XVII, que se intensificariam no final do século XVIII até o momento da ruptura, o professor português só nota indícios fortes de desejos de ruptura a partir da segunda década do século XIX. É claro que isto não é determinado apenas pela nacionalidade de cada um dos autores.
Em parte, essas interpretações praticamente antagônicas de um mesmo processo da história luso-brasileira derivam da visão diferenciada que ambos sustentam sobre o período. É compreensível que cheguem a conclusões diferentes uma vez que Alexandre afirma, a respeito das "inconfidências" coloniais, o seguinte: "Tudo nos conduz portanto a negar a realidade da alegada crise geral do império luso-brasileiro, nos anos que antecedem a ruptura do regime do pacto colonial. No Brasil não há qualquer indício de contestação generalizada do domínio português: as duas únicas 'inconfidências' que ganham alguma expressão a de Minas Gerais e a da Bahia são manifestação, no primeiro caso, das tensões específicas de uma zona já então marginal do império, e, no segundo, de contradições internas da sociedade colonial" (p. 89).
Valentim Alexandre, além de, ao contrário de Sérgio Buarque e como já foi mencionado diversas vezes acima, não considerar essas "inconfidências" como significativa ameaça de ruptura do sistema, contrapondo-se, diga-se também de passagem, à leitura que Fernando Novais faz desses acontecimentos, vê aquilo que chama de império luso-brasileiro como um tipo de unidade que no momento descrito ainda não se encontrava ameaçada por qualquer tipo de crise geral ou generalizada.
Embora Sérgio Buarque de Holanda mencione a ocorrência de sucessivas sublevações desde o século XVII e até a ruptura a independência, para ele consolidada com o retorno de Dom Pedro I a Portugal, em 1831, data limite também para Valentim Alexandre , essas sublevações não poderiam de fato fazer parte de uma contestação generalizada e de crise geral contra a metrópole, uma vez que o Brasil de então não constituía um todo com interesses unos. Para ele, "a verdadeira unidade nacional constituiu-se quando o Brasil já se tornara independente, no período do império" (HOLANDA, Sérgio B.. "A Herança Colonial: Sua Desagregação". In: História Geral da Civilização Brasileira. São Paulo, Ed. Difel, 1965, vol. 3, pp.20-23). Isso não elimina, é claro, o fato de que as "sublevações" sejam fortes indícios de insatisfação colonial em relação ao poder metropolitano.
Sérgio Buarque de Holanda e Valentim Alexandre oferecem, pois, duas obras e duas versões diferentes, mas ainda assim fundamentais, para o estudo de como esse poder metropolitano agiu e reagiu diante da sua colônia mais importante às vésperas da independência: o Brasil.
Caro Leitor, esperamos que a leitura desta resenha, pertencente à Revista Práxis número 7, Junho de 1996, tenha sido proveitosa e agradável. Obrigado.
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