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| Resenha:HOBSBAWM, Eric A Era dos Extremos: o Breve Século XX (1914-1991)São Paulo, Ed. Companhia das Letras, 1995, 600 págs. | ![]() ![]() ![]() ![]() ![]() ![]() ![]() ![]() |
Lincoln Secco
Lincoln_Secco@revistapraxis.cjb.net
Coordenador do Núcleo de Estudos de O Capital do Partido dos Trabalhadores/São Paulo, membro da Editoria da Revista Práxis.
"O breve século XX" se subdivide em três partes para Eric Hobsbawm: a era das catástrofes, que se inicia em 1914 com a primeira guerra mundial e se fecha com o fim da segunda guerra mundial; a era de ouro, que vai do imediato pós-segunda guerra até a crise mundial de meados dos anos setenta; e, por fim, a era do desmoronamento, que fecha as cortinas do palco do século XX.
As catástrofes do "breve século XX" se constituem de duas tipologias de processos históricos: a guerra entre nações e as guerras civis (acompanhadas muitas vezes de revoluções). O que confere caráter catastrófico a tais eventos e os diferenciam das guerras do passado é a sociedade industrial em que se baseiam: numa sociedade em que a maior parte do produto social ainda é realizada na agricultura, a economia não permite a mobilização de milhões de homens por vários anos para batalhas encarniçadas; somente o nível de industrialização atingido pela Europa, EUA e Japão no início do século permitiu que surgissem simultaneamente uma alta produtividade do trabalho, um exército de reserva de mão de obra e a generalização de uma atividade liberta da sazonalidade natural inerente à atividade agrícola. Apesar disso, a mobilização em massa de homens para a guerra impôs enormes tensões à força de trabalho, fortaleceu os partidos social-democratas e os sindicatos e suscitou a entrada das mulheres no mercado de trabalho de forma efêmera na primeira guerra e permanentemente na segunda guerra (vide p. 51).
A revolução russa, por outro lado, causou um impacto incomensurável na política internacional. O regime soviético surgiu como alternativa de economia racional e planejada numa época em que as democracias liberais e a política do laissez-faire fracassavam visivelmente. A partir dos anos trinta, as democracias ocidentais adotaram políticas intervencionistas de matriz keynesiana para recuperar a acumulação e o nível de emprego. Se para Keynes quando a eficiência marginal do capital é superior ao preço da oferta agregada ele tende a empregar mais, cabe ao Estado induzir investimentos e promover o ponto de intersecção entre a curva do produto esperado pelos capitalistas e a do preço da oferta agregada produzida pelo emprego do maior número possível de homens (pleno emprego). Hobsbawm, embora não faça discussões teóricas mais apuradas sobre o planejamento econômico, não deixa de destacá-lo.
Na URSS se destaca a desfiguração da base social do partido bolchevique e o retrocesso político operado por Stálin. A guerra civil matou a maior parte dos operários industriais russos e desindustrializou o país (pp. 369-70). Isto, combinado à estrutura de partido de vanguarda de quadros disciplinados construída por Lênin, facilitou a burocratização e a emergência de uma tirania bonapartista. Enquanto Lênin é descrito com adjetivos elogiosos ou de forma positiva (378-380 e 383, por exemplo), Stálin não é poupado. Aqui o historiador inglês não comete o erro de reduzir uma personagem histórica apenas às condições objetivas em que atuou. Certamente sem Stálin as circunstâncias históricas que provocaram a burocratização do poder soviético existiriam, mas os sofrimentos do povo poderiam ter sido bem menores. Pela concentração de poder pessoal que ocorreu, a estrutura mental megalomaníaca do líder foi um diferencial significativo: ele governou pelo terror e pelo medo. No XVII congresso do partido comunista da URSS (PCUS) em 1934 ainda havia uma substancial oposição interna a ele; mas entre 1934 e 1939, cinco milhões de membros do Partido foram presos, quatrocentos ou quinhentos executados sem julgamento e o XVIII congresso do PCUS, reunido em 1939, continha 37 sobreviventes dos 1827 delegados presentes em 1934 (p.380).
A combinação explosiva do fracasso do liberalismo, dos nacionalismos fascistas e do socialismo estalinista só poderia levar o mundo a uma nova guerra mundial. Fato determinante foi a aliança entre Inglaterra, EUA e URSS contra as potências do eixo Roma-Berlin-Tóquio, com destaque para o esforço de guerra soviético; quanto à resistência, o historiador marxista a recoloca em seu justo papel histórico: ela não teve grande importância militar, exceto em países como Albânia, Grécia, Iugoslávia e Romênia, onde revoluções socialistas vitoriosas ou não expulsaram os nazistas, mas mesmo assim isso só foi possível pelo enfraquecimento terminal da Wermacht ante as investidas do Exército Vermelho depois de Stalingrado. Entretanto, a resistência teve um papel político de enorme importância e selou o passaporte para o prestígio político e eleitoral das forças e líderes que não se humilharam perante Hitler, por isso, os comunistas saíram da segunda guerra mundial como atores políticos reconhecidos na maior parte da Europa ocidental e assumiram o poder nos países ocupados pelo exército vermelho ou onde tomaram o poder por conta própria; o prestígio da vitória de Stalingrado e da hegemonia comunista na resistência foram grandes, principalmente porque eles já tinham uma estrutura clandestina de revolucionários profissionais apta à resistência antifascista enquanto os partidos socialistas de massas e liberais foram simplesmente destroçados pelos alemães.
A era de ouro foi a dos anos de crescimento ininterrupto do capital, a das transformações sociais gigantescas que praticamente aboliram a existência do campesinato como maioria em quase todos os países industrializados (exceto China e Índia ainda hoje), difundiram e popularizaram a cultura erudita por meio do rádio, televisão, discos de vinil, criaram a pop art, o rock e implodiram as fronteiras entre a arte tradicional e o marketing, a publicidade, o futebol (brasileiro e dos anos 60 de preferência) o cinema de entretenimento etc. A descolonização pôs fim ao império britânico e os EUA, que já eram a potência dominante desde a primeira guerra mundial, ditaram a nova forma de intervencionismo direto ou indireto mas quase sempre com governos títeres nativos.
A guerra fria, que se iniciara em 1945 e se prolongou até a conferência de cúpula de 1986 entre Reagan e Gorbatchev, em Reykjavik, passara por um período de degelo com Nikita Krutchev e, apesar da crise dos mísseis em 1962, assinam-se nos anos sessenta alguns acordos como o SALT tratado de limites de armas estratégicas e um tratado de controle dos AMB mísseis antibalísticos. Com a guerra do Yom Kippur (p. 241) entre Síria e Israel e a crise mundial em 1973, inicia-se a era do desmoronamento e a segunda guerra fria: os EUA estão atolados num Vietnã apoiado pelos soviéticos, novas revoluções explodem no terceiro mundo (Irã, Nicarágua, El Salvador), invasão do Afeganistão, corrida armamentista no início dos anos oitenta e, por fim, a derrota do comunismo histórico (ou socialismo real).
Combinam-se a crise terminal do comunismo histórico (embora o autor lembre que não se pode esquecer a China) com a crise (ainda não-terminal) do capitalismo, a transformação capitalista das economias centralmente planejadas com a hegemonia neoliberal e a globalização com separatismo e conflitos étnico-religiosos, facetas de uma mesma e "única crise global" (p. 409). Não por acaso, este breve século XX começa em Sarajevo com o assassinato do arquiduque Ferdinando e termina simbolicamente com o futuro como incógnita nos rostos desesperançados dos que vivem a guerra da Bósnia na mesma cidade de Sarajevo (cujo fim das hostilidades ??? celebrou-se recentemente em Paris).
Eric Hobsbawm é um historiador de notável poder narrativo e de pesquisa empírica, seguindo a tradicional linhagem da historiografia marxista inglesa (C. Hill, E. P. Thompson etc). O período que estuda só pode, contudo, determinar alguma superficialidade inevitável em certos casos, o que é plenamente compensado pela arquitetura dos processos históricos de maior duração construída pelo autor. Diferentes temporalidades históricas convivem, mas ele não perde de vista a centralidade das transformações econômicas, políticas, sociais e culturais que coabitam épocas comuns, ainda que sem correspondência mecânica.
O historiador atua como a memória por vezes incômoda da sociedade, embora não possa dar muitas lições, posto que não é profeta. O excelente livro de Eric Hobsbawm rememora o fracasso do livre mercado quando este gerou a crise de 1929 e a guerra mundial, o que os neoliberais de plantão não querem ouvir, mas também recorda o que retrospectivamente parece um grande erro: a divisão permanente do movimento socialista internacional (p. 75). Até o início dos anos vinte, a II Internacional estava em frangalhos e a maioria dos partidos socialistas apoiava a III Internacional e simpatizava com a revolução russa, mas o que Lênin e os bolcheviques queriam era uma adesão incondicional ao exército mundial da revolução e não um movimento de solidariedade internacional. Assim, foram rechaçados todos os partidos que não adotavam a estrutura leninista de partido de vanguarda formado por uma elite de revolucionários profissionais em tempo integral. Agora, outras são as circunstâncias e as vontades. Os socialistas também fecharão os olhos a essa "pequena" lembrança do historiador?
Caro Leitor, esperamos que a leitura desta resenha, pertencente à Revista Práxis número 6, Janeiro de 1996, tenha sido proveitosa e agradável.
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