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| Resenha:COGGIOLA, Osvaldo Engels, O Segundo ViolinoSão Paulo, Ed. Xamã, 1995. 147 págs.
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Carlos Santiago
Carlos_Santiago@revistapraxis.cjb.net
Membro do Núcleo de Estudos d'O Capital-PT / São Paulo.
Este é um ano importante para os marxistas. Importante porque podemos fazer uma análise dos acontecimentos políticos, econômicos, científicos e sociais dos últimos tempos sob a luz da reflexão teórica do homem que, juntamente com Marx, desenvolveu uma nova concepção de mundo: Friedrich Engels.
Cem anos é tempo mais do que suficiente para fatos acontecerem e se transformarem completamente. Nestes últimos cem anos, a humanidade conheceu duas guerras mundiais e a primeira revolução proletária vitoriosa da história. Há cem anos as comunicações eram revolucionadas com a criação do cinema, Freud fundava a psicanálise e Röntgen descobria os raios-x. O pensamento universal de Engels permite aos marxistas desenvolverem uma reflexão sobre estes acontecimentos de uma forma crítica e coerente.
Mas quem é esse homem que tanto contribuiu, na opinião de uns, ou deturpou, na opinião de outros, o marxismo? Quem é esse filho de um industrial alemão que foi para Manchester para ser educado nos negócios da família e se envolveu de tal forma com o proletariado inglês que descreveu suas lutas em um extenso trabalho intitulado A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra? Quem é esse homem que ousou criticar o sistema filosófico acadêmico, predominante na época, e respondeu às críticas a ele endereçadas simplesmente dizendo: "Não comprei com um diploma de doutor o direito de filosofar"; pois que não freqüentou a Universidade!
Aqueles que querem conhecer os trabalhos de Engels, podem remeter-se à eclética biografia editada pela Avante ou à detalhada biografia, já clássica, feita por Gustav Meyer. No entanto, àqueles que não disponham de tempo para dedicar-se a tais leituras, foi lançado recentemente Engels, o Segundo Violino, de Osvaldo Coggiola. O livro não pretende ser uma biografia de Engels, mas traz informações essenciais sobre a sua militância. Engels, o Segundo Violino resgata toda a importância dos trabalhos de Engels para o desenvolvimento da teoria da sociedade sem classes, o comunismo, e põe Engels no seu devido lugar, a saber: em pé de igualdade com Marx no que diz respeito à elaboração teórica e à direção política.
O livro se divide em três partes "Marx, Engels, Marxismo"; "Engels e a Democracia"; "Engels, política e dialética" e uma conclusão: "A lição de Engels". O livro traz ainda o artigo de Lênin sobre Engels, uma cronologia da atividade do revolucionário alemão e uma seção com uma bibliografia sobre ele.
Na primeira parte, Coggiola expõe como Engels se envolveu com o proletariado e o mostra como precursor da crítica da economia política, com seu trabalho Esboço para a crítica da economia política, que Marx chamou de genial. E ainda coloca a questão da divisão de trabalho entre Marx e Engels.
Já na segunda parte, há um resgate do Engels revolucionário, que fora mutilado pela social-democracia alemã e tido como o precursor do revisionismo. Nesse ponto, Coggiola faz acertadamente a crítica das concepções social-reformistas de Francisco Weffort e Carlos Nelson Coutinho, cujo objetivo "é provar que os regimes democráticos não possuem um caráter de classe definido, sendo um terreno neutro da luta pela hegemonia entre as diversas classes" (p. 39). Ainda nessa parte temos uma discussão sobre Engels, o Estado e a Comuna de Paris.
Na terceira parte, há uma exposição da relação de Engels com a questão nacional e o imperialismo. No entanto, o mais interessante é que o autor traz à tona a questão mais importante, ou seja, a dialética e sua relação com a natureza. Apesar de Coggiola fazer essa discussão em apenas quatro páginas (e reconhecendo a importância da questão), traz muitos elementos para clarificá-la. Mas também comete certas injustiças.
O ponto positivo dessa parte é o de afirmar a coerência de uma dialética da natureza. Não são poucos os que acusaram Engels de deturpar Marx e de antidialético, justamente devido às incursões de Engels nas ciências naturais. A mais absurda dessas acusações é dizer que Engels era um evolucionista, como se a teoria de Darwin nada tivesse a ver com a dialética. Aqueles que leram a obra de Darwin A Origem das Espécies sabem que a idéia do célebre inglês sobre o desenvolvimento das espécies se dá de forma não-linear, por saltos, o que está de comum acordo com a concepção dialética de Engels, apesar do próprio Darwin não acreditar na evolução por saltos. Também Planck, quando descobriu que a emissão de radiação de um corpo negro se dava de forma descontínua, concebeu a teoria dos quanta em 1900, mas sem crer na descontinuidade da matéria.
Hoje não se discute se a teoria dos quanta é ou não descontínua, mas se ela é determinista ou probabilista (vide a discussão entre Einstein e Bohr). Nas ciências biológicas, há teorias mais modernas sobre a formação dos seres, como a de Henri Atlan sobre a organização dos seres vivos, a de Renée Thom, sobre a morfogênese biológica, e a de Jacques Monod, sobre uma filosofia natural da biologia, onde afirma que a natureza não obedece à lógica dialética, mas ao cálculo de probabilidades. E não podemos deixar de mencionar os trabalhos do biólogo e marxista inglês J. B. S. Haldane.
Outro aspecto coerente dessa terceira parte do livro é a defesa de Engels enquanto um dialético e não um vulgarizador da teoria marxista, pois são inúmeros os acadêmicos que dizem ser Engels um antidialético como, por exemplo, o artigo de Léo Apostel, no monumental tratado de Lógica e conhecimento científico, organizado por Jean Piaget: "A nossa conclusão implica uma rejeição radical da tese que defende que um processo seria dialético se a teoria desse processo comportar contradições lógicas. Já Schaff, Kolman, Zinoviev, entre outros marxistas, e Ajdu Kiewicz, entre seus críticos, refutaram integralmente as asserções que, de um modo infeliz, encontram-se em Engels e, depois dele, em inúmeros marxistas mal informados , asserções segundo as quais o devir enquanto tal seria contraditório". (p. 306, V. 1)
Apesar do pouco espaço dedicado no livro, Coggiola consegue colocar essas questões levantadas não só pelos adversários, mas pelos próprios marxistas, quando estes insistem em classificar Engels como positivista e mecanicista, na maioria das vezes sem compreender o significado não-superficial dessas palavras. No livro, como um todo, Coggiola é extremamente correto, mas em certo ponto comete um lapso do qual o próprio Engels já havia sido vítima. Ele cita uma frase isolada de Louis Althusser, dando a impressão de que o filósofo francês joga no lixo as concepções filosóficas de Engels: "Louis Althusser qualificou a dialética da natureza de 'construção fútil', chegando a ... perdoá-lo ('Estou pronto a ignorar a referência de Engels à natureza')!". (p. 77)
Parece que Coggiola tirou essa citação do livro Materialismo Histórico e Materialismo Dialético, de Althusser, mas, percorrendo o mesmo texto, notamos que não é bem esse o caráter que Althusser dá à obra de Engels sobre a natureza, como mostra este parágrafo da mesma obra: "Quanto às obras filosóficas de Engels (Anti-Dühring; Dialética da Natureza; Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã) e as de Lênin (Materialismo e Empiriocriticismo; Cadernos Filosóficos) não se situam no nível teórico de O Capital. Para compreender-se tal diferença de nível é necessário notar que os grandes textos de Engels e Lênin, principalmente o Anti-Dühring e o Materialismo e Empiriocriticismo, foram concebidos e realizados como medidas defensivas urgentes contra graves ataques e desvios ideológicos. Tanto Engels como Lênin se viram obrigados, como eles mesmos dizem, a 'seguir seus adversários', a 'conhecer o seu terreno': o da ideologia". (p. 42)
Althusser ainda ressalta a importância da filosofia com relação à ciência e da contribuição de Engels: "Estas relações foram expostas com muita clareza por Engels no Anti-Dühring e sobretudo em certas passagens dos manuscritos da Dialética da Natureza". (Op.cit., p. 53)
E conclui: "É indispensável, portanto, um enorme trabalho de crítica para extrair dos textos de Engels e Lênin os princípios da filosofia marxista". (p. 43)
Logo, não se pode descontextualizar e julgar à revelia a opinião de Althusser acerca da obra filosófica de Engels. É bem verdade, também, que a validade ou não de A Dialética da Natureza requer um estudo não só do desenvolvimento científico da época em que a obra foi escrita, mas também do atual desenvolvimento das ciências, e sem deixar de lado as reflexões de Ernst Mach, as críticas de Lênin a este, as críticas de Pannekoek a Lênin, as reflexões de Haldane e até a interessante análise "físico-filosófica" de Schemberg na sua tese Os Princípios da Mecânica, escrita em 1945.
Por fim, a conclusão do livro de Coggiola caminha no sentido esperado, o da reafirmação de Engels enquanto um militante revolucionário que, em certos aspectos, "desenvolveu, mais do que o próprio Marx, o âmbito da dialética, transformando-a em ciência dos processos universais". (p. 101)
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Fotografia de família: Engels, à esquerda, com Marx e suas filhas Jenny, Laura e Eleanor
Caro Leitor, esperamos que a leitura deste artigo, pertencente à Revista Práxis número 5, Outubro de 1995, tenha sido proveitosa e agradável.
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