![]() ![]() ![]() ![]() ![]()
| Resenha:CICONE, Reinaldo Barros Um Olhar Gramsciano sobre a Possibilidade de Integração do PT à OrdemCampinas, 1995. 194 págs. | ![]() ![]() ![]() ![]() ![]() ![]() ![]() ![]() |
Nágela Brandão
Nagela_Brandao@revistapraxis.cjb.net
Administradora, mestranda em sociologia pelo IFCH-UNICAMP, São Paulo.
Nestes tempos de aparentes certezas, quando o capitalismo, "o grande vencedor", declara o fim da história, promove uma reestruturação produtiva que busca ganhar os corações e mentes dos trabalhadores e, ao mesmo tempo, quebrar seus laços de solidariedade, destrói direitos sociais alcançados no processo de luta e se propõe como o único horizonte possível, única forma de conceber a sociedade, uma questão se coloca: será? Será que não existe alternativa? Será que o socialismo morreu mesmo? Será que as noites de sono perdidas na tentativa de construção da utopia foram em vão? Será que o destino de um partido, o Partido dos Trabalhadores, construído na luta dos mesmos contra a opressão e exploração capitalistas, e que afirma ser possível uma nova forma de organizar a sociedade, é integrar-se à ordem e simplesmente "conquistar o poder" para "amenizar" as contradições do sistema vigente e o sofrimento da maioria da população?
Em um momento como este, o livro de Reinaldo Cicone é de grande valia no sentido de estimular nossas reflexões sobre o mundo em que vivemos e sobre um partido que, desde o início, colocou-se como alternativa real. Tomando por base as resoluções partidárias dos encontros nacionais, o autor busca compreender a concepção de partido, Estado, socialismo e hegemonia construída pelo PT ao longo de sua história. Numa perspectiva gramsciana, procura observar a proximidade entre as idéias do autor italiano sobre esses pontos e as resoluções, descobrindo uma forte identidade entre elas. Enfim, faz apontamentos que ajudam este partido adolescente a responder questões como: de onde vim, quem sou, para onde vou? E, portanto, a colocar dúvidas nos atuais tempos de aparentes certezas.
Apesar da tese não ter pretendido analisar a prática do PT, ou seja, verificar em que medida as resoluções são efetivamente implementadas, e do autor procurar pautar-se basicamente nas resoluções do partido, nas suas vontades, "intenções" e não nos seus "gestos", é clara a distância que separa o que se pensa e o que se faz. Seja porque, como nos lembra Cicone, "a realidade influencia, subordina e refaz as resoluções", seja porque elas são "esquecidas pela maioria do partido" ou seja porque, como já disse Marx, uma coisa é o que os partidos imaginam ser e outra é o que efetivamente são. Além disso, no decorrer da exposição do autor, é visível o grau de rebaixamento dos horizontes do partido, bem como o de "flexibilização" de vários pontos do programa, apontando para uma possível integração passiva do PT à ordem.
Reinaldo levantou vários pontos em que estes dois aspectos (distância entre teoria e prática, e rebaixamento do projeto petista) podem ser visualizados. No que se refere à política de alianças, por exemplo, o PT propõe alianças com setores interessados no fim da dominação capitalista, e comprometidos com a democracia popular, com o socialismo e com a luta por um governo democrático-popular. A abordagem das tarefas de conjuntura deve ser dada do ponto de vista da luta pelo socialismo e dos interesses dos trabalhadores. Reconhece que o acúmulo de forças e a disputa de hegemonia é fundamental na transformação revolucionária no Brasil e que o poder político se constrói no dia a dia das lutas, no sindicato e movimentos sociais. Portanto, aliança é importante não só nos períodos eleitorais, mas também no cotidiano. Ponto importante para ser lembrado aqui é que, para o Partido, governo e poder se distinguem. A tomada do palácio do governo não significa alcançar o poder. Este é construído na articulação entre projeto estratégico e propostas imediatas. Mas isto não significa que o socialismo virá em função de um linear crescimento das forças socialistas, sem choques ou confrontos.
Em muitas ocasiões, isto foi esquecido. Se não se admitiam alianças com partidos de ideais e objetivos diferentes e se elas deveriam basear-se num programa, em muitos casos o que ocorreu foi o rebaixamento deste programa. Nas eleições de 1994 por exemplo, em diversos Estados, o PT apoiou candidatos de diversos partidos. Em outros, apesar do PT não definir apoio, diversos petistas "ilustres" declararam apoio a vários candidatos (apesar desse tipo de atitude ser severamente criticada pelas resoluções).
A definição do socialismo petista foi sendo precisada ao longo de sua história, mas, segundo Reinaldo, não foi suficientemente elaborada para criação de claras maiorias ideológicas, que norteariam melhor a ação partidária, ganhando espaço a luta imediata. Quanto mais próximo do poder, quanto maior o crescimento do PT na institucionalidade, mais o seu programa se transforma, abandona a utopia socialista e vai tornando-se programa de governo.
O socialismo petista é um socialismo democrático, nascido nas lutas cotidianas, na experiência da luta de classe contra o capitalismo. Critica o socialismo real e o sistema de partido único. O respeito à pluralidade é essencial na construção do socialismo. E essa construção é coletiva, envolvendo o conjunto de filiados e simpatizantes, e não elaborada por uma minoria de "iluminados". Uma sociedade sem opressão, onde a força de trabalho não seja mercadoria e as pessoas tenham direito à felicidade, onde as relações sociais sejam baseadas na igualdade e onde as potencialidades individuais possam florescer, é o objetivo estratégico do PT. Torna-se necessário, então, articular a luta do cotidiano a este objetivo estratégico, colocar o poder político, o Estado, a serviço da classe trabalhadora, disputar projetos, construir a nova hegemonia.
Isto significa ter um programa democrático-popular que transforme a sociedade sem ter o capitalismo como horizonte que promova reformas estruturais e a radicalização da democracia. Tais reformas deveriam conter a democratização da terra, da renda, da propriedade, da comunicação e do poder. Trata-se de apresentar um programa que "expresse as principais reivindicações dos trabalhadores, as reformas econômicas e sociais para retirar o país da crise, e combiná-lo com a luta política e ideológica, com a disputa de hegemonia na sociedade." Em 1992, um fato curioso aconteceu. Tomando uma linha oposta à definida nos encontros nacionais, o Diretório Nacional aprova documento intitulado Diretrizes para um Programa Emergencial de Política Econômica. As diretrizes compunham um programa a ser apresentado a um governo no qual o partido não participava, era menos avançado e apresentava propostas paliativas para resolver os problemas do país e diminuir o sofrimento da população. Para Reinaldo, ao apresentar "um programa para um governo fraco e desacreditado, o PT subordinava-se a essa fraqueza, ao invés de fortalecer-se, apresentando seu próprio e histórico projeto para a sociedade". (p. 126)
O autor mostra também como alguns pontos polêmicos do programa sofreram modificações, apontando para uma "flexibilização" dos mesmos. No que se refere à dívida externa, por exemplo, se no princípio o Partido propunha a suspensão do pagamento da mesma e a instauração de uma auditoria para a verificação da legitimidade da dívida, em 1989 a suspensão ficava condicionada à "manutenção da intransigência dos credores internacionais". Nas Diretrizes..., a proposta era a renegociação, para apenas em último caso suspender o pagamento.
Para alcançar os seus objetivos, o Partido deve ser classista, amplo e massivo, uma organização dos próprios trabalhadores, autônoma e independente, mas que não pretenda ser seu único representante. A partir de 1987, o PT já se constituía como alternativa real de organização partidária, com identidade política definida e socialista, e tornava-se necessário articular as lutas nos movimentos sociais, a construção partidária e a luta "institucional". Os encontros resolveram então que o PT não seria simplesmente representante dos movimentos sociais, mas um partido dirigente, capaz de dirigir a luta pelo socialismo, ser instrumento real desta luta. Dirigir os movimentos respeitando a democracia dos mesmos e suas instâncias e particularidades. Disputar projetos, construir hegemonia socialista, articulado com sua estratégia de luta pelo poder. Neste sentido, o PT deveria ser um partido organizado e militante, de quadros e, ao mesmo tempo, de massas, porque "organizará milhares de trabalhadores". Trata-se de realizar um intenso trabalho político e organizativo de base, que difundia valores democráticos, socialistas e humanitários junto a parcelas crescentes da população, de uma forma criativa e pedagógica. Isto passa pela modificação de hábitos e atitudes dentro do próprio partido, por trazer dentro dele os "germes" da nova sociedade e por implantar uma política de formação.
Mas desde o V Encontro o partido percebia que a sua estrutura não correspondia às necessidades da luta política. A organização das instâncias partidárias estavam sendo abandonadas e a atuação partidária vinha dando-se de forma mais espontânea e menos orientada política e estrategicamente. Havia problemas na relação entre novos filiados e direção, poucas formas de participação e uma tendência ao distanciamento entre direção e base. Várias formas de organização partidária foram propostas ao longo dos encontros, buscando a resolução destes problemas. Política de profissionalização, plenárias, democratização das informações e decisões, encontros setoriais, membros do diretório integrados nas secretarias, regulamentação das tendências, proporcionalidade na direção etc. No entanto, nenhuma outra forma de organização partidária tinha presença tão marcante nas resoluções como os núcleos.
O núcleo é uma das formas fundamentais de organização. Visa filiação, preparação para militância, direção e mobilização. Espaço privilegiado para a formação e discussão de formas de atuação nos movimentos sociais, sendo organismos de massa e vanguarda. Caberia ao núcleo a tarefa de elevação intelectual e moral, de capacitação da militância e simpatizantes. Caberia-lhe realizar o levantamento de demandas sociais, formação política, realização de eventos, cobrança da contribuição, discussão das questões dos encontros. Seria enfim, o elemento mais importante de construção da hegemonia petista.
Porém, os núcleos são deficientes em número e organização. A distância entre a intenção e o gesto é tamanha. Segundo o autor, a não-existência dos núcleos, com toda importância que lhes foi dada nas resoluções, permite entender uma das causas da fragilidade do Partido. Os diretórios perdem o caráter de discussão e deliberação, transformando-se num coletivo amorfo, opinativo. A direção real fica nas mãos das executivas. Centros paralelos de poder, deputados, prefeitos, vereadores, começam a constituir-se como instâncias de decisão partidária. Vê-se uma contínua e crescente verticalização do poder.
Mas porque? Porque a distância entre teoria e prática? Porque, apesar do PT ter relativa clareza para apontar os problemas e soluções em seus documentos, não é capaz de resolvê-los na prática? Porque o rebaixamento de seus horizontes? Para Cicone, isto se dá porque no PT não existe uma maioria clara, ou seja, a hegemonia de um dos blocos mais coesos e, portanto, a vontade política de implementação de certas resoluções. A disputa entre os dois blocos, um mais a "direita", que propõe políticas mais adequadas à ordem, e um mais a "esquerda", crítico dessa postura, vem acirrando-se e será o elemento definidor do "caráter, o futuro ou a sobrevida do partido". Em conseqüência, torna-se mais difícil a elaboração de políticas mais claras, que sejam aplicadas efetivamente, e ganha espaço a luta imediata. Daí para os centros autônomos de poder e rebaixamento do projeto, é um pulo. Se tal processo não for interrompido, o Partido caminha, em palavras gramscianas, para "uma integração passiva à ordem". A solução para reverter esse processo, segundo o autor, está nas próprias resoluções: nucleação, formação, comunicação, construção da hegemonia das classes subalternas. Enfim, a resposta a essas questões é que vai levar o partido a encontrar-se, a sair de uma adolescência titubeante para uma maturidade no cenário político nacional.
Caro Leitor, esperamos que a leitura deste artigo, pertencente à Revista Práxis número 5, Outubro de 1995, tenha sido proveitosa e agradável.
São permitidas a reprodução, distribuição e impressão deste texto com a devida e inalienável citação da sua origem. Direitos Reservados ©.
Retornar ao início da página
Clique aqui para acessar a Primeira Página da Revista Práxis na Internet.
Clique aqui para conhecer as Características da Revista Práxis na Internet.
Clique aqui para acessar o Conteúdo por Tomos da Revista Práxis na Internet.
Clique aqui para acessar o Conteúdo do Tomo 5 da Revista Práxis na Internet.
Clique aqui para acessar a Lista de Autores publicados pela Revista Práxis na Internet.
Clique aqui para acessar a Lista de Artigos e Ensaios publicados na Revista Práxis na Internet.
Clique aqui para acessar o Conteúdo por Assuntos da Revista Práxis na Internet.
Para contatar a Revista Práxis mande um e-mail para rvpraxis@gold.com.br
ou leia a Página de Endereços para Contatos.
Para contatar o WebMaster da Revista Práxis na Internet mande um e-mail para: wmpraxis@horizontes.net
|
|
Néliton Azevedo, Editor, WebMaster.
© Projeto Joaquim de Oliveira, 1998. All rights reserved.