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Resenha:

ZEA, Leopoldo

A Filosofia Americana como Filosofia

Tradução: Werner Altmann.

São Paulo, Ed. Pensieri, 1994. 158 págs.

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Lincoln Secco
Lincoln_Secco@revistapraxis.cjb.net

Coordenador do Núcleo de Estudos de O Capital do PT/SP e membro da Editoria da Revista Práxis.


Pela primeira vez, é publicado no Brasil o livro do grande filósofo mexicano Leopoldo Zea: A Filosofia Americana como Filosofia (La Filosofia Americana como Filosofia Sin Más). O autor do já clássico El Positivismo en México condensa, num opúsculo estimulante, as mais vivas inquietações do ser humano (latino-americano).

Como homem sin más, pleno, o latino-americano brada a indagação que lhe punge n'alma desde a conquista da América: se somos homens plenos em nossa humanidade, o que nos interdita o direito de filosofar, de termos uma filosofia que seja nossa e não a mera imitação da cultura e do pensamento europeus?

Para Zea, a própria pergunta já pode conter um sentimento da nossa diversidade (e que muitas vezes escondeu uma noção de inferioridade). A primeira resposta filosófica foi dada pelo cristianismo transplantado para a América junto com os colonizadores e que aqui se viu imerso e influenciado por uma realidade nova (a Virgem de Guadalupe no México é exemplo cabal da miscelânea cultural e étnica que envolve o catolicismo em terras americanas). Frei Bartolomeu de Las Casas evidencia a humanidade dos indígenas contra os interesses mercantis dos colonizadores que justificavam na inumanidade dos nativos a exploração forçada de seu trabalho. (p. 23; todas as citações referem-se à edição supradita no título) Poder-se-ia acrescentar, em favor da tese de Zea, dois exemplos que são próximos a nós brasileiros: Pero Vaz de Caminha (CORTEZÃO, J.. A Carta de Pero Vaz de Caminha. São Paulo, Ed. Livros de Portugal, 1943), cuja visão inebriante do nativo não lhe impede de qualificá-lo como humano, e o padre Antônio Vieira que, não obstante as contradições de um discurso universalista que nem sempre se desdobrava numa práxis transformadora e que se prendia às vezes aos interesses dos colonizadores, defendeu a humanidade do indígena (Vide: BOSI, A.. Dialética da Colonização. São Paulo. Companhia das Letras, 1993, cap. 4).

Mas, apesar disso, a defesa cristã da humanidade dos submetidos e explorados só se dá a partir do homem ocidental colonizador como o paradigma de humanidade, o homem par excellence: "Assim, para serem homens haverá a necessidade de seu encaixe em determinado arquétipo". (p. 24)

Somente o romantismo colocará em pauta a identidade e a humanidade do latino-americano de uma perspectiva cultural, artística e filosófica, mas o fará a partir de modelos europeus, com a grande diferença que o passadismo romântico aqui precisava buscar as raízes nacionais no indígena revalorizado, mas sempre com o modelo de civilização ocidental – pense-se num Alencar, por exemplo, além de Sarmiento, Rodó e tantos outros. Mais além, alguns out siders, como Marti, colocam numa práxis que não dissocia pensamento e ação a problemática de nuestra América frente ao monstro do imperialismo que então apenas mostrava suas garras. No Brasil, é significativo como um poeta quase desconhecido construiu uma epopéia estupenda em que desnuda o monstro pelas entranhas, embora sem a consciência elaborada da política: Sosândrade. O positivismo, por sua vez, não logrou escapar, tal qual o romantismo, da perspectiva ocidental dominante.

A América Latina sempre utilizou filosofias importadas como ideologias que justificassem a ordem. A ação política contestatória não se faz valer de um instrumental filosófico, como o protestantismo e a ilustração na Europa, por exemplo. As filosofias só surgem a posteriori, como ideologias alienantes e que mantêm a nova ordem instaurada (que invariavelmente traz muitas sobrevivências do Passado). Naturalmente, o povo subjugado e oprimido cria suas utopias e justificativas ideológicas quase sempre derrotadas. Esta situação só começa a alterar-se quando o pensamento revolucionário com algum grau de consciência política dos problemas e da ação surge encabeçado primeiramente pelo maior pensador revolucionário latino-americano do século XIX: José Marti.

Poder-se-ia dizer que a genialidade de Marti consiste em ter percebido, ao lado dos problemas de sua realidade limitada (em processo de integração subordinada ao capitalismo mundial), a evolução futura do imperialismo e das lutas e bandeiras que o povo de nuestra América deveria levar adiante. Foi assim, um verdadeiro antecessor de revolucionários como Lênin, Mao, Fidel, Ho Chi Min etc., capaz até mesmo de perceber, a partir das suas circunstâncias, a importância de Karl Marx num célebre elogio feito por ocasião de sua morte, em 1883. Como diz Marti, em forma artística elevada:

"Descer até os infelizes e levantá-los nos braços! Com o fogo do coração, degelar a América coagulada! Verter, fervendo e latejando nas veias, o sangue nativo do país! De pé, com o olhar alegre dos trabalhadores, saúdam-se, de um povo a outro, os novos homens americanos. (...) Lêem para aplicar, não para copiar". (MARTI, J.. Nossa América. São Paulo, Hucitec, 1983, p. 199)

A consciência da importância dos trabalhadores, da luta anti-imperialista, da unidade latino-americana e da unidade entre filosofia e prática política, eleva Marti aos píncaros dos pioneiros da luta popular-revolucionária, não das mudanças pelo alto, transacionadas entre poderosos, mas da luta de Juárez no México e mais tarde de Zapata, Villa, Sandino, Farabundo Marti, Prestes, Fidel, Guevara e hoje, por que não, Marcos e os rebeldes de Chiapas.

Zea apenas tangencia exemplos como Marti, Juárez, Sarmiento, Rodó e outros, mas aponta, em seu livro, como precedem uma linhagem de pensadores e revolucionários que, dotados de outros meios e circunstâncias, lograram feitos melhor sucedidos. A filosofia na América não podia superar a consciência alienada e presa aos paradigmas europocêntricos sem ter antes incorporado e superado dialeticamente as próprias contribuições valiosas dos europeus para a cultura universal. É nesse sentido que cumprem papel relevante na difusão da filosofia a Revista de Ocidente, a Fondo de Cultura Económica e Losada, com suas publicações de Dilthey, Cassirer, Husserl, Heideger, Weber etc.. (p. 95) Também os partidos comunistas e outros grupos de esquerda publicam as obras de Marx, Engels, Kautski, Lênin etc.. No Brasil, para acrescentar uma informação valiosa à contribuição de Zea, podemos apontar a tradução solitária da Encyclopedia das Sciências Philosóphicas, de Hegel, feita pelo trotskista Lívio Xavier em 1936, as traduções pioneiras de Otávio Brandão e de Florestan Fernandes (a tradução da Crítica da Economia Política de Marx é de 1946), e os numerosos títulos publicados pelas Editorial Progresso, Vitória, Athena, Paulista, Europa-América etc..

Tudo isso se vincula ao surgimento de um pensamento marxista original na América Latina, de que é exemplo Caio Prado Jr. no Brasil e, acima de tudo, José Carlos Mariátegui no Peru. (p. 53) Marx emerge não como mais um filósofo europocêntrico, mas perfeitamente assimilado pelos revolucionários do terceiro mundo, cujo instrumental de análise não se reduz à Europa e América do Norte "civilizadas", pois somos todos partes integrantes de um mesmo sistema, mundializado e dominado pelo modo de produção do capital, a civilização que traz em si mesma, como rebento indesejável mas indispensável, a barbárie.

O vigor das análises de alguns marxistas latino-americanos reside em terem superado certas problemáticas genéricas para estudar-se a especificidade de nossa história e de nossa forma de integração ao capitalismo. Sabiam, como o próprio Marx ensinara em O Capital, que o publicista alemão havia se dedicado a dissecar as determinações constitutivas do capital em geral, em sua "forma pura", na sua "pureza conceptual". Isto significa que ele estabeleceu uma ordem lógica de exposição distinta da sua forma de investigação (MARX, K.. O Capital. São Paulo, Abril Cultural, 1983; v. I, t. 1, p. 20 e v. III, t. 1, p. 217) e, por isso mesmo, apesar de seus numerosos estudos empíricos, não construiu uma análise localizada da sociedade inglesa de seu tempo, como asseveram alguns opositores, mas elaborou uma teoria crítica do sistema em sua essência, que reside no processo automático e sem sujeito de valorização do capital, do qual o capitalista é mera personificação. (por exemplo: Id. ibid.; v. I, p. 13; v. II, p. 86; v. III, t. 1, pp. 198 e 215)

Essas determinações conceptuais do capital em geral, assim como são válidas para a atualidade, não podem ser aplicadas mecanicamente, sem mediações e sem a consideração da realidade concreta. Marx fez análises de conjuntura para a sua realidade: essas, sim, guardam sempre elementos históricos ultrapassados; assim, devem ser considerados inclusive os seus erros de análise da situação européia inclusos na Mensagem do Comitê Central à Liga dos Comunistas. (MARX, K. e ENGELS, F.. Obras Escolhidas. Lisboa/Moscou, Avante/ Progresso, v. I, 1982, pp. 178-188), escrita em 1850 com Engels (apesar dos acertos que a mensagem também contêm), na avaliação da anexação norte-americana de metade do território mexicano, da dominação britânica na Índia etc.. Ressalte-se que, mesmo afirmando o progresso que representava a ação colonizadora, do ponto de vista das forças produtivas, Marx nunca deixou de denunciar a exploração dos povos subjugados e até casos localizados de tortura na Índia. (Id.. Acerca del Colonialismo. Moscou. Progresso, 1983, pp. 71-76)

Alguns aplicaram mecanicamente o marxismo na América Latina, sem se preocuparem com a lição de Lênin: análise concreta da situação concreta. Mariátegui, Caio Prado Jr. e alguns poucos hereges da doutrina oficial da Internacional Comunista, mesmo alguns dos que se mantiveram nela, como Mao Tsetung na China, conseguiram ser fiéis a Marx na plenitude do que isto implica, ser fiel ao materialismo histórico e ao método dialético, sem repetir análises esdrúxulas, embora não fossem também isentos de erros. Se assim não fosse, caberia a pergunta: quem estava sendo "marxista" em Cuba nos anos cinqüenta, Fidel Castro, que fez uma revolução sem nunca ter falado em Marx, ou o PC cubano, que se acoplava a alianças com a burguesia em nome de um marxismo fossilizado?

Leopoldo Zea não é um marxista ortodoxo, mas é profundamente influenciado por um humanismo marxista, como informa seu tradutor brasileiro e ex-aluno, Werner Altmann (prefácio). Sobre os exemplos acima discutidos, diz Zea: "o marxismo, vemos como já adquire não somente uma interpretação latino-americana como é também adaptado à própria realidade desta América. Exemplo teórico desta realidade é o marxismo de José Carlos Mariátegui; da práxis, o é o marxismo de um Ernesto Guevara e um Fidel Castro". (p. 53)

Zea se indaga sobre a filosofia americana do nosso tempo, não mais como filosofia preocupada apenas com nossa identidade, não mais presa aos moldes estabelecidos pelos europeus e, hoje, norte-americanos, mas uma filosofia que seja nossa e de toda a humanidade, uma filosofia sin más. Para o autor mexicano trata-se de "Uma filosofia que se indaga, já não por aquilo que o homem seja, mas como fazer, como atuar, para que o homem seja realmente um homem. Uma filosofia que não apenas desaliene o homem que criou a técnica e civilização de domínio mas que, também, desaliene o homem que sofre o impacto dessa técnica e seu domínio". (pp. 128-9)

Apesar da influência um tanto datada de algumas problemáticas dos anos sessenta-setenta, como a guerra do Vietnã, as contribuições de Sartre, Marcuse (que, assim como Zea, via as potencialidades revolucionárias maiores não na classe operária e sim nos excluídos da civilização burguesa), Fanon etc., Zea nomeia quais seriam as expressões dessa nova filosofia: "Marxismo e neomarxismo, existencialismo e neo-existencialismo são formas desta nova filosofia que já não quer apenas pensar, mas também atuar". (p.129)

Como objeto de toda essa reflexão filosófica ocidental hodierna à que se refere Zea, a mesma temática de Hegel e Marx, a alienação e a desumanização. O liberal norte-americano I. F. Stone diz: "Os homens que dirigem a desapiedada política norte-americana são seres humanos como vocês, mas que estão prisioneiros de instituições monstruosas que têm vida autômata". (p.120) Ora, qual é o ser social que se move por si mesmo, automatizado, por uma incessante valorização de si próprio? O capital. Qual é o pensamento revolucionário que desvendou critica e cientificamente suas entranhas, para usar a expressão de Marti? O marxismo, filosofia do nosso tempo, como falava Sartre.

Zea não chega a essa conclusão, embora consiga arrostar a problemática de outro ângulo: é preciso uma filosofia que desaliene o homem, que o retire da condição de instrumento do grande sistema e que seja uma filosofia da ação. E agora que os ritmos históricos rápidos se deslocam para a periferia do sistema, nada mais justificável do que aquilo que pensa Zea: aquele que o europeu considerava o sub-homem se tornará seu modelo de libertação, quando são os povos da periferia que se erguem contra o capital mais decididamente. Não é nenhum tratado do materialismo histórico, mas, numa realidade cujos dinamismos sociais imprimem várias formas às lutas populares e que traz consigo sobrevivências do passado colonial e neocolonial, trata-se de um livro obrigatório. Até porque, lembrando o exemplo de Fidel, não é preciso exsudar marxismo por todos os poros para ser revolucionário na periferia do capitalismo.


Caro Leitor, esperamos que a leitura deste artigo, pertencente à Revista Práxis número 4, Março de 1995, tenha sido proveitosa e agradável.

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