![]() ![]() ![]() ![]() ![]()
|
As Reformas Democrático-Populares e a Contra-Reforma Neoliberal | ![]() ![]() ![]() ![]() ![]() ![]() ![]() ![]() |
João Antônio de Paula
Joao_Antonio_de_Paula@revistapraxis.cjb.net
Professor e pesquisador do CEDEPLAR/FACE/Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG, ex-presidente do Partido dos Trabalhadores/Belo Horizonte, Minas Gerais, e membro do coletivo de sócios da Revista Práxis.
A reforma constitucional, tal como pretendida pelo governo, é mais um capítulo, talvez o decisivo, da tentativa de atrelar o País ao curso das políticas neoliberais. Desde Collor, este projeto amplamente adotado na América Latina, com as conseqüências sabidas, busca, sem sucesso até agora, implantar-se integralmente no Brasil. A resistência, que aqui se tem feito, ao Consenso de Washington, aos seus instrumentos e receituário, é tanto resultado da mobilização das forças democrático-populares, quanto da inexistência de um projeto efetivo da burguesia brasileira depois de esgotadas as várias versões de "desenvolvimentismo" que se impuseram desde 1930.
Neste momento, a recente vitória eleitoral, o arco de alianças que a viabilizou e o nome que a liderou, parecem as senhas para o assalto final e a consolidação do projeto neoliberal. A burguesia brasileira parece ter encontrado, depois de vinte anos de crise e acefalia, um nome e um projeto. A coalizão burguesa com seus precedentes na República pós-1930 é a contrapartida do também significativo avanço das forças democrático-populares, que, virtualmente, estão postas como alternativas reais de governo, a partir de um programa de reformas cujo centro é a distribuição da renda, da riqueza, do poder e da informação.
Neste sentido, a questão da "reforma da Constituição" é, fundamentalmente, o núcleo, mais evidente e sensível de uma questão maior, a disputa entre projetos para o Brasil: de um lado o projeto neoliberal, liderado por Fernando Henrique Cardoso (FHC), e, de outro, o projeto democrático-popular, que, ao opor-se às reformas propostas pelo governo, é a afirmação de um conjunto de reformas inadiáveis que, ao contrário das reformas de FHC, significam ampliação de direitos sociais e cidadania, criação e fortalecimento de um mercado interno de consumo de massas, aumento do número de empregos e democratização do Estado e do mundo do trabalho.
Nesta disputa, o centro da estratégia governista tem sido a repetição de uma caracterização injuriosa dos que se opõem ao seu projeto. Tal caracterização, diga-se de passagem, não é criação do atual governo. É obra de Collor. Trata-se do estabelecimento de uma divisão que marcaria a sociedade brasileira hoje e em que se defrontariam, de um lado, os bons, os justos, os modernos, os que desejam o progresso do país e por isto querem a sua integração ao grande cortejo neoliberal, o que se traduz aqui pela reforma da Constituição, e, de outro lado, os reacionários defensores do status quo, os adeptos do atraso e do corporativismo.
Em primeiro lugar, considere-se a tão decantada questão da modernidade. Para os governistas, a reforma da Constituição é o instrumento capaz de permitir a entrada do País na modernidade, via integração à globalização: abertura comercial, desregulamentação, privatização.
O que os defensores da integração neoliberal parecem ignorar é que a modernidade, tal como conquistada pelos países centrais, resultou sempre de um amplo processo de reformas, de revoluções em alguns casos, que propiciaram a universalização da cidadania por meio da reforma agrária, da reforma do ensino, da reforma dos sistemas de saúde, do investimento em ciência e tecnologia, enfim, pela distribuição da renda, da riqueza, do poder e da informação.
A modernidade foi, assim, resultado de um amplo processo de transformações cujo fundamento é a ampliação de direitos sociais. Ora, no Brasil, a marca de sua trajetória histórica é a exclusão social, é a interdição de direitos sociais, é a manutenção de níveis absurdos de concentração de renda, riqueza e capital. O que se está dizendo é que, ou a modernidade é processo de universalização de direitos, de incorporação e redistribuição, ou será, como sempre foi no Brasil, processo restrito, incapaz de atender às carências crônicas da grande maioria da população.
É justamente isto que está em questão quando se considera a proposta governamental de reforma da Constituição, que tem como marcos, de um lado, a restrição de direitos sociais conquistados, e, de outro, a busca da inserção subalterna da economia brasileira à globalização capitalista excludente.
O que o governo tem evitado discutir são os resultado, já verificáveis, das políticas neoliberais nos países que se apressaram em aderir ao Consenso de Washington. O México e a Argentina são exemplos das conseqüências das políticas neoliberais aplicadas a países periféricos: desnacionalização da economia, perda absoluta da capacidade de fazer política econômica autônoma, desaparição da moeda nacional, aumento do desemprego e da recessão, aumento da miséria, esmagamento dos salários, desindustrialização... No campo dos países centrais, a Inglaterra, pioneira do neoliberalismo, vive, desde 1979, um quadro em que se destacam o aumento da desemprego e da miséria como resultados diretos daquelas políticas.
Há, ainda, uma outra questão de fundo a ser discutida. Trata-se do próprio sentido das reformas que o governo procura impor à Constituição. No essencial, pretende alterar o capítulo da ordem social, denegando direitos sociais conquistados, e o capítulo da ordem econômica, abrindo o caminho para a desnacionalização da economia brasileira e promovendo a transferência do patrimônio público ao grande capital.
Os dois pontos centrais da proposta do governo são, na verdade, uma espécie de revanche contra o avanço do movimento operário-popular, que havia conseguido, mediante mobilizações e lutas, consagrar demandas históricas na Constituição.
Não é a primeira vez que isto ocorre no Brasil. Tem sido freqüente a estratégia das elites brasileiras de bloquearem, no Parlamento, mediante manobras e golpes, os avanços e conquistas sociais. Foi assim, por exemplo, durante o período regencial, 1831-40. A abdicação do imperador, em 1831, foi resultado de uma ampla mobilização popular contra os resquícios da hegemonia portuguesa. Virtualmente deposto, o imperador abdica e volta para Portugal. Contudo, a manobra não deu certo, pelo menos num primeiro momento, e o movimento popular avançou: a Cabanagem, a Balaiada, a Sabinada, são exemplos de uma situação política de grande efervescência e demandas populares. Reflete e consagra esse momento o Ato Adicional à Constituição de 1824, que, em 1834, introduz elementos descentralizadores e democratizantes. O Ato Adicional foi o resultado das grandes mobilizações do período regencial, expressão dos anseios de liberdade e autonomia de um País que desejava mais que a independência formal.
Derrotadas pelo avanço do movimento popular as elites brasileiras, sua reação virá com a repressão violenta comandada por Caxias e, em 1840, com as manobras da Lei de Interpretação do Ato Adicional e com o golpe da maioridade. A Lei de Interpretação é, na verdade, uma interdição absoluta dos dispositivos democratizantes do Ato Adicional, significando o reforço do poder das elites e do imperador.
Hoje, de novo, o mesmo quadro está posto. De um lado está uma Constituição, a de 1988, que ainda que limitada e excludente, consagrou certos direitos sociais conquistados pela ampla mobilização democrático-popular que marcou o final dos anos setenta e derrotou a ditadura militar. De outro lado, setores e interesses que, vendo alguns dos seus privilégios serem limitados, buscam, na reforma constitucional, bloquear as conquistas obtidas pela luta social.
Esta é a questão de fundo, isto é o que efetivamente está em jogo no processo da reforma constitucional: a tentativa, mediante manobras parlamentares, mediante propaganda maciça, mediante fisiologismo e corrupção, de derrotar o interesse das grandes maiorias. Neste sentido, a proposta de reforma constitucional do governo é, na verdade, a contra-reforma neoliberal, que busca interditar as reformas democrático-populares.
A Contra-Reforma Neoliberal
São dois os objetivos do governo com a reforma constitucional. No capítulo da ordem social, trata-se, sobretudo, de romper unilateralmente um contrato, negando direitos conquistados pelos trabalhadores no que concerne à Previdência Social. No capítulo da ordem econômica, trata-se de permitir a desnacionalização integral da economia e a transferência, lesiva aos interesses populares, do patrimônio estatal para o grande capital.
No caso da Previdência Social, o governo tem levantado três argumentos básicos. O primeiro, de ordem demográfica, diz respeito à queda das taxas de natalidade e de fecundidade pós-1970, o que determinaria uma modificação na pirâmide etária que acarretaria a inconsistência financeira do sistema previdenciário brasileiro baseado na regra da repartição. Quanto a isto, deve-se responder que qualquer sistema previdenciário está sujeito a alterações no comportamento reprodutivo de seus segurados e que a solução para tal problema é tanto o acompanhamento sistemático das variáveis demográficas, quanto a constituição de fundos de capitalização que complementem os recursos advindos da arrecadação corrente.
O segundo argumento do governo é que a Previdência está falida: não teria recursos e nem patrimônio capazes de garantirem os seus segurados a médio e longo prazos. Aqui é preciso registrar que só o governo deve, segundo cálculos conservadores, cerca de 25 bilhões de dólares à Previdência. Ora, esta dívida não pode ser simplesmente cancelada, até porque não seria isonômico. Este governo, como os anteriores, é cioso no pagamento tanto da dívida externa quanto da dívida interna. Porque não ter a mesma atitude com relação à dívida social, porque não a honrar? O pagamento da dívida que o governo tem para com a Previdência, a cobrança de outras dívidas, a fiscalização e o fim da sonegação, garantiriam um aporte significativo de recursos capazes de permitirem o cumprimento do contrato que milhões de trabalhadores fizeram com a Previdência e que agora está na iminência de ser miseravelmente rompido pela incúria, corrupção e apropriação indébita por parte dos seus gestores.
O terceiro argumento do governo é comparativo. Nenhum país, diz ele, garante aposentadoria por tempo de serviço. Ora, se a questão for comparar, é possível lembrar que quase todos os países tratam suas populações melhor que os brasileiros são tratados por suas elites. Se é para comparar, que se o faça: ficará patente a enorme desigualdade das situações. Nos países mais desenvolvidos em que não há aposentadoria por tempo de serviço, também não há o trabalho infantil vil e infamante, há garantia universal de escola até o 2º grau em tempo integral, há distribuição primária da renda e da riqueza.
A conclusão necessária, neste caso, é afirmar que a reforma da Previdência proposta pelo governo é eticamente condenável, politicamente autoritária, economicamente injustificável e socialmente injusta.
No referente ao capítulo da ordem econômica, o governo pretende duas coisas. A primeira é permitir a total desnacionalização da economia ao redefinir o conceito de empresa nacional. O outro objetivo é a transferência do patrimônio estatal para o grande capital mediante a privatização.
Os que são contra a desnacionalização da economia brasileira têm sido chamados de nacionalistas retrógrados, presos à velha ideologia dos anos cinqüenta. De saída, é preciso dizer que não haveria qualquer problema em assumir uma ideologia dos anos cinqüenta, que, por sinal, teve aspectos muito interessantes no caso brasileiro. Na verdade, as ideologias não deveriam ser consideradas como modas condenadas a atender às exigências do último notável de plantão, cuja fama costuma ser tão efêmera quanto fútil vide Fukuyama.
Contudo, a razão básica para a defesa da economia nacional é que não é possível projeto nacional de desenvolvimento, que leve em conta suas especificidades setoriais e regionais, sem autonomia e controle nacional de suas decisões fundamentais. Isto não significa fechar o País à interação internacional, senão que afirmar que o lugar e o papel do capital estrangeiro, a forma de inserção da economia brasileira à economia internacional, devem ser resultados de uma decisão tomada no âmbito de um projeto nacional de desenvolvimento a partir da ampla participação nacional-popular.
A proposta do governo, no referente ao conceito de empresa nacional, interdita qualquer possibilidade de um projeto de reformas econômicas democrático-populares ao entregar a economia brasileira ao grande capital internacional, se ele o quiser.
O outro tópico das reformas propostas pelo governo é a transferência do patrimônio estatal via privatização. Aqui é possível questionar inicialmente os procedimentos espúrios nas privatizações ocorridas até agora, que exigem auditoria. Também é possível questionar a admissibilidade das "moedas podres" nas privatizações etc..
Contudo, o que interessa discutir, neste artigo, são os argumentos centrais do governo para justificar o seu modelo de privatização. Os argumentos centrais do governo são: o setor público é ineficiente na gestão empresarial; não existem recursos para investimentos mesmo naquelas empresas superavitárias; o Estado, ao privatizar, reduz suas dívidas interna e externa e, com isto, garante a estabilização da economia via redução de juros e do déficit público; as funções precípuas da atuação do Estado são as referentes às políticas sociais.
O primeiro argumento do governo, quanto à ineficiência do Estado, é amplamente difundida e passa por ser verdade absoluta. Contudo, quando se examina a questão, para além da mistificação privatista, a situação se revela bastante diferente. Na verdade, grande parte dos déficits contraídos pelo setor público estatal, desde os anos setenta até hoje, explicam-se pela combinação de duas políticas sistematicamente praticadas contra tais setores pelos sucessivos governos: a imposição de endividamento para cumprir objetivos de equilíbrio da balança de pagamentos e sistemáticas defasagens tarifárias para cumprir objetivos anti-inflacionários e subsidiadores do grande capital.
Não se trata de negar que, quase sempre, as empresas estatais estiveram longe de atender o interesse social, senão que afirmar que elas só serão capazes de atender a esses objetivos quando forem radicalmente democratizadas e inseridas num projeto nacional de desenvolvimento democrático-popular.
De resto, dados apresentados em seminário realizado na CEMIG, abril de 1994, pela Empresa de Consultoria Internacional Booz-Allen, responsável pela privatização de várias empresas no mundo inteiro nos dão conta de que, comparando-se empresas estatais e privadas, no mundo inteiro, nos ramos de energia elétrica e abastecimento d'água, não há qualquer evidência de eficiência maior das empresas privadas em relação às estatais.
Finalmente, lembre-se que o setor de energia elétrica argentino, inteiramente privatizado, foi comprado pela estatal espanhola de energia elétrica, o que é, no mínimo, uma ironia que não pode ser ignorada.
O segundo argumento do governo, o que afirma inexistirem recursos para investimentos, tem uma resposta simples. Os grandes setores estatais da economia brasileira mineração (Companhia Vale do Rio Doce CVRD), petróleo (Petrobrás) e telecomunicações (Telebrás) têm todas as condições de capitalização e investimento sem necessidade de recursos do tesouro.
O terceiro argumento, o que fala da privatização como instrumento de redução das dívidas interna e externa, é simplesmente falacioso Basta lembrar a presença mesmo das "moedas podres" e das sub-avaliações patrimoniais, o que significa dizer que o aporte real de recursos efetivos tem sido muito pequeno.
O quarto argumento aponta uma incompatibilidade entre fazer políticas sociais e manter um setor produtivo estatal. Este é o argumento que parece calar mais fundo em certa parte da opinião pública. É preciso dizer o seguinte: num país como o Brasil, o processo de superação das enormes desigualdades regionais, das enormes desigualdades de renda e riqueza, depende, essencialmente, da capacidade de o Estado mobilizar um conjunto de políticas em variados campos, ou seja, o Estado tem que dispor, a um só tempo, de instrumentos de política econômica, de políticas industrial e agrícola, de políticas de importação e exportação, até mesmo, e sobretudo, para realizar as políticas sociais. Vale dizer que dispor de um setor produtivo estatal eficiente e sintonizado com os interesses democrático-populares é a garantia da construção da nação, da incorporação de milhões de excluídos à cidadania, da preparação do País para os desafios colocados pelas novas tecnologias.
As Reformas Democrático-Populares
As reformas democrático-populares se contrapõem radicalmente à contra-reforma neoliberal comandada pelo atual governo. Opõem-se firmemente à tentativa de negar direitos sociais conquistados, à desnacionalização da economia brasileira e à transferência do patrimônio estatal para o grande capital. Nesta perspectiva, postulam:
1 - reforma agrária, bem como políticas agrícola e de segurança alimentar;
2 - reforma urbana, com políticas de saneamento, habitação, transporte e meio-ambiente;
3 - reforma tributária com justiça tributária, isto é, progressiva e atingindo as grandes fortunas, os grandes patrimônios e as altas rendas;
4 - reforma previdenciária que garanta o atendimento e a ampliação dos direitos dos beneficiários mediante a sua capitalização, a sua transparência, a sua efetiva democratização;
5 - reforma do Estado, visando a sua democratização e o seu reaparelhamento mediante uma política de profissionalização, treinamento e qualificação de seus funcionários;
6 - reforma dos sistemas de educação e saúde no sentido da melhoria e da universalização de sua abrangência;
7 - programa de geração de empregos, treinamento e qualificação do trabalho;
8 - programa de desenvolvimento regional;
9 - programa de desenvolvimento científico e tecnológico;
10 - reforma do sistema financeiro, com o enfrentamento, à luz do interesse democrático-popular, às dívidas interna e externa, inclusive uma auditoria global das dívidas como ponto de partida do processo;
11 - democratização das relações de trabalho;
12 - democratização dos meios de comunicação;
13 - reforma do Legislativo e do Judiciário, visando a maior transparência e o controle social sobre esses poderes;
A Força da Ideologia e a Ideologia da Força
Tendo atrás de si um imenso aparato propagandístico, os ideólogos neoliberais usam e abusam de sua força. Todos os dias, submetem-nos à artilharia pesada dos jornais, revistas, TV, telenovelas, programas esportivos, entrevistas, propagandas, reprodutores do mesmo discurso: o Estado que precisa ser desmontado; a modernidade que virá com a integração à globalização; os inimigos do progresso, os que são contra a reforma da Constituição e por isto seriam defensores de privilégios, do coorporativismo, do atraso; os coveiros do Plano Real, os que querem a inflação de volta; e assim por diante.
Desde logo, a acusação de que os adversários deste governo e de suas políticas querem a inflação de volta é uma infâmia grotesca. O que sempre dissemos é que uma estratégia de esquerda no combate à inflação, definitivamente, não sacrificará os trabalhadores e, que, sobretudo, estará combinada, mais amplamente, a uma estratégia de reestruturação produtiva e retomada do desenvolvimento. Esta é a única maneira efetiva de garantir a queda da inflação sem a geração de tensões sobre o Balanço de Pagamentos, como nas políticas baseadas em âncoras cambiais (vide México), ou geradoras/aprofundadoras de processos recessivos (vide a atual política econômica brasileira pós-falência mexicana).
O Plano Real não oferece à economia brasileira senão duas opções problemáticas: o seu sucesso, que significa o aprofundamento da inserção neoliberal, com todas as conseqüências já discutidas, ou o seu fracasso, com a volta da inflação e da estagnação.
Outro tema recorrente da propaganda neoliberal é o que associa os adversários da reforma constitucional do governo ao atraso, à defesa de privilégios e das corporações.
Em primeiro lugar, diga-se, é comum encontrar-se entre os neoliberais entre aqueles que acusam de corporativistas os que se opõem à privatização e ao desmonte do Estado e da Previdência , muitos defensores de grandes corporações nacionais e internacionais, ideológicos ou a soldo. Isto certamente coloca a questão em outro patamar. Não se trata, neste sentido, da disputa entre corporativistas e não-corporativistas, mas entre projetos radicalmente distintos para o Brasil.
Na verdade o que é preciso discutir as natureza e conseqüências do projeto de reformas democrático-popular, tal como formulado aqui, vis-à-vis o projeto neoliberal em curso nas políticas do atual governo.
Neste sentido, é preciso dizer que defender a aposentadoria por tempo de serviço no Brasil é manter uma conquista de milhões de brasileiros, obrigados a trabalhar desde a infância porque pobres, porque sem acesso à educação básica completa. Que defender este direito fundamental nada tem a ver com apoiar aposentadorias privilegiadas como a dos parlamentares, que devem ser revistas. Que também não significa colocar na vala comum dos privilégios a aposentadoria integral do funcionalismo público do Poder Executivo, na medida em que este direito é a contrapartida das perdas sistemáticas que os servidores tiveram ao longo de suas vidas funcionais, com salários sempre mantidos inferiores aos do mercado. Que a defesa da estabilidade do funcionalismo público não é a defesa de privilégios corporativistas, mas, ao contrário, o reconhecimento da especificidade das funções estatais, a necessidade de suas permanência e continuidade. Também não significa sancionar o atual estágio de funcionamento da máquina pública: há, com certeza, distorções, desequilíbrios regionais e setoriais de pessoal, desmotivação e desqualificação funcionais. Contudo, a solução para isto não é o fim da estabilidade, mas uma efetiva política de profissionalização, qualificação e treinamento de pessoal, que no Brasil nunca existiu efetivamente: o DASP e os seus sucessores não funcionaram senão como departamentos de registro de pessoal sem informações e identidade.
É preciso dizer que a defesa dos monopólios estatais não é uma aposta no atraso, a defesa das corporações. Um setor produtivo estatal transformado em setor produtivo estatal com controle social é a pré-condição para a superação dos desequilíbrios regionais e setoriais no Brasil, para a construção de uma economia voltada à consolidação de um mercado interno de consumo de massas, à distribuição da renda, riqueza, poder e informação. Enfim, não há economia forte sem empresas fortes, mas não há qualquer razão para que estas empresas, em vez de atenderem ao interesse da exploração e da opressão, atendam aos interesses democrático-populares.
Finalmente, a defesa dos interesses nacionais, inclusive a luta contra a desnacionalização da economia brasileira, não é resquício de um nacionalismo anacrônico, não significa a defesa do fechamento e da autarquização. Somos internacionalistas, acreditamos na solidariedade e partilhamos as grandes conquistas da humanidade. Contudo, só há uma maneira efetivamente justa de relacionamento internacional. É quando se dá a partir da autonomia e soberania dos países, quando é resultado de acordos e consensos produzidos pela discussão livre e informada e não imposto como um ditado de potências que controlam as finanças, as instituições, a tecnologia e o poder militar. A forma de inserção da economia brasileira à economia internacional tem que estar subordinada ao projeto de desenvolvimento nacional: é ele que definirá o lugar e as condições da participação estrangeira.
Tais são as questões em disputa. É preciso, é urgente escolher.
Caro Leitor, esperamos que a leitura deste artigo, pertencente à Revista Práxis número 4, Julho de 1995, tenha sido proveitosa e agradável.
São permitidas a reprodução, distribuição e impressão deste texto com a devida e inalienável citação da sua origem. Direitos Reservados ©.
Retornar ao início da página
Clique aqui para acessar a Primeira Página da Revista Práxis na Internet.
Clique aqui para conhecer as Características da Revista Práxis na Internet.
Clique aqui para acessar o Conteúdo por Tomos da Revista Práxis na Internet.
Clique aqui para acessar o Conteúdo do Tomo 4 da Revista Práxis na Internet.
Clique aqui para acessar a Lista de Autores publicados pela Revista Práxis na Internet.
Clique aqui para acessar a Lista de Artigos e Ensaios publicados na Revista Práxis na Internet.
Clique aqui para acessar o Conteúdo por Assuntos da Revista Práxis na Internet.
Para contatar a Revista Práxis mande um e-mail para rvpraxis@gold.com.br
ou leia a Página de Endereços para Contatos.
Para contatar o WebMaster da Revista Práxis na Internet mande um e-mail para: wmpraxis@horizontes.net
|
|
Néliton Azevedo, Editor, WebMaster.
© Projeto Joaquim de Oliveira, 1998. All rights reserved.