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A Natureza do Escorpião | ![]() ![]() ![]() ![]() ![]() ![]() ![]() ![]() |
Ivanir Corgozinho
Ivanir_Corgozinho@revistapraxis.cjb.net
Coordenador do Departamento de Comunicação do Sind. dos Bancários de Belo Horizonte e Região, membro do coletivo de sócios da Revista Práxis.
Com a vitória de Fernando Henrique Cardoso (FHC), a questão das reformas estruturais neoliberais emerge como ponto de alta centralidade na agenda político-econômica brasileira dos próximos anos e assunto de primeira grandeza para o movimento sindical. Esses processos de reestruturação econômica e produtiva e de refinanciamento do Estado têm apontado para os direitos e garantias dos trabalhadores como obstáculo maior à modernização econômica. Exemplo disso é o emprego. A precária reestruturação econômica em curso no país nos últimos três anos, aliada à política recessiva, consumiu dois milhões e meio de vagas formais. A indexação salarial é outro exemplo. Foi demonizada pelo discurso neoliberal como incompatível com o combate à inflação. A estrutura de encargos sociais sobre a folha de pagamentos, por sua vez, passou a ser vista como intolerável.
Mas não se trata apenas da retração de direitos e garantias e da expansão dos excluídos. Ao embalo da onda globalizante, das novas tecnologias de gestão, do acirramento da competição internacional e da pressão pela maleabilidade da organização do trabalho, vai formando-se um perfil novo de trabalhadores em muitos sentidos desconhecido das entidades sindicais. Falo, portanto, da destruição em larga escala dos estoques disponíveis de empregos e da liquidação de uma cultura e da geração de outra, da passagem do operário serial fordista ao "eu operário" reorganizado em bases polivalentes.
Na Europa, o efeito da reorganização econômica sobre o movimento sindical foi demolidor. Enrijecidas pela burocracia, aferradas aos benefícios adquiridos no Estado do Bem Estar Social, entorpecidas por práticas neocorporativas, essas entidades se tornaram incapazes de representar a diversidade de interesses da mão-de-obra, mergulhando em taxas decrescentes de sindicalização. É que os signos construídos no período anterior passaram a ter significado apenas para uma comunidade interpretativa cada vez mais restrita, gerando até mesmo conflitos violentos diretos entre sindicalistas e trabalhadores.
A questão que a observação empírica sugere ao movimento sindical brasileiro, principalmente à Central Única dos Trabalhadores (CUT), indaga sobre condições para que essa crise se repita aqui.
De forma óbvia, uma eventual resposta passa pela capacidade reativa do próprio movimento social, o que nos permite certa margem de esperança. Na última década, um dos principais óbices às mudanças pretendidas pela burguesia foi o movimento social, inclusos sindicatos, partidos e outras organizações populares. O sindicalismo, em particular, demonstrou a extraordinária capacidade de pressão oferecida pela cultura corporativa sessentona que, beneficiando-se diretamente da concentração industrial e da monopolização de capitais dos últimos trinta anos, deu um salto organizativo que não encontra termo de comparação na América. Em decorrência, a CUT, maior herdeira dessa cultura, dificilmente poderá ser deixada à margem do processo reestruturante dada sua visibilidade social e concentração em setores nevrálgicos da economia. Na eventualidade da resistência dos trabalhadores, a Central tende a aparecer como canalizadora direta de seus reclames econômicos e sociais e grande articuladora de uma oposição nacional a partir dos centros mais dinâmicos da economia e de setores chaves na administração pública. Um poder de fogo que não deve ser e não é subestimado pelo governo.
I - Entre a Cruz e a Caldeirinha
Entre as mudanças urgentes pretendidas pela "geração dos exilados" está a reorganização sindical, aventando-se o fim da estrutura oficial de sindicatos. Não se trata, como pretendem alguns analistas da questão, de uma incompatibilidade entre as modernas relações produtivas e a velha estrutura sindical corporativa. O corporativismo, como alerta um de seus atuais defensores, Howard Wiarda, é perfeitamente compatível com as formas liberais, democrata-cristãs, sindicalistas, burocrático-autoritárias etc.1, e poderia ser preservado pelo governo FHC, assim como o foi por todos os governos anteriores. A estrutura sindical corporativa se tornou um problema porque passou a ser controlada majoritariamente pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), abrindo permanente fonte de incerteza estratégica2.
No momento da redação deste artigo, ainda não estavam públicas todas as propostas a serem encaminhadas para a área. As informações disponíveis indicavam a maturação de uma divergência clássica liberalizar ou não a organização sindical envolvendo a equipe do presidente eleito e a burocracia da área sindical: o ministério do Trabalho, a Justiça do Trabalho e o peleguismo histórico. Enquanto aqueles ensaiavam a imediata liberalização da organização sindical, pela reforma dos artigos 7, 8 e 114 da CLT, estes defendiam a reforma da CLT com a criação de um novo código de leis trabalhistas que preservaria a unicidade sindical e o poder normativo da Justiça do Trabalho3.
A participação da CUT nesse debate tem sido marcada pelas ressalvas. A entidade defende o contrato coletivo de trabalho e chegou a elaborar uma proposta a respeito. Mais que isso, tem orientado seus sindicatos filiados a ultimarem providências no sentido de se sustentarem sem os poderes facultados pelo Estado4. Mas a CUT não irá com sede ao pote. É o que mostra um artigo cheio de dedos, escrito por Jair Meneguelli, onde se identifica o ovo da serpente5. Meneguelli teme pela integridade da Central, que tende a ser a primeira prejudicada nas negociações seja sobre o contrato coletivo, seja sobre o novo código de leis do então ministro do Trabalho, Marcelo Pimentel.
A pretensão da burocracia sindical é conseguir a flexibilização das leis trabalhistas pelo garroteamento da legislação sindical. O Estado retomaria o controle direto sobre a organização sindical, inconstitucionalizando a CUT, as demais centrais sindicais e as organizações verticais livres estabelecidas nos últimos anos, que formam os pilares de sustentação e as artérias de contato da Central com os sindicatos de trabalhadores6. Já o contrato coletivo, buscando a mesma flexibilização, investe nos pés de barro do movimento corporativo. Retirando os poderes tributários exercidos pelos sindicatos, o poder normativo da Justiça trabalhista e facultando a livre criação de sindicatos por empresa e no mesmo município, assesta um golpe certeiro na inorganicidade da CUT.
II - Um Futuro Imprevisto, ou quase
Decerto, não está dado que o empresariado nacional e o governo conseguirão acelerar a transição de um padrão produtivo marcadamente fordista, de produção serializada e baixa qualificação, para o novo padrão caracterizado pela interpenetração da atividade econômica. Mas também não está dada a possibilidade de um amplo movimento de resistência à flexibilização dos direitos trabalhistas, mobilização decisiva para a preservação dos direitos sindicais.
A consideração dessa segunda hipótese deve levar em conta que, em primeiro lugar, mantida a estabilidade econômica, ainda que em termos precários como vem acontecendo, e tendo por base a estrutura industrial instalada, será possível iniciar um ciclo expansivo altamente integrador. Análises preliminares na região do ABC paulista pós-real apontaram crescimento do nível de emprego na ordem de 3,6% e elevação salarial média de 29,1%, ambos os índices em relação a fevereiro de 19947. Esse resultado pode reproduzir-se em outras zonas industriais devido ao peso e à centralidade da indústria metal-mecânica no produto industrial brasileiro, o que amplia as possibilidades dinâmicas de nossa economia e de nossa indústria.
Em segundo lugar, comparativamente a seus vizinhos onde planos de reestruturação semelhantes foram adotados, o Brasil se encontra em condições francamente mais vantajosas. A posição relativa brasileira, comparada à da Argentina, por exemplo, é melhor quando cotejados os indicadores relativos ao produto industrial, ao produto agrícola, à formação bruta de capitais fixos e à participação no PIB latino-americano8.
Desde essa ótica e em termos objetivos, o Plano Real encontra condições infra-estruturais superiores às encontradas pelo Plano Cavallo para a retomada do crescimento com sentido expansivo e economicamente diversificado.
Confirmada essa hipótese, os impactos da reestruturação neoliberal tendem a ser sentidos, em mais ou menos curto prazo, pelo aumento do desemprego estrutural (como resultado dos processos de racionalização, aumento da composição orgânica de capitais e eliminação da mão-de-obra desqualificada); pelo aumento da miserabilidade dos aposentados e pensionistas; pela alta especialização profissional nos termos de um novo perfil operário, pela recuperação relativa dos estoques de empregos, sobretudo os temporários e terceirizados, e pela alta do poder aquisitivo dos que permanecerem empregados, além da continuidade das pendências em setores considerados secundários na lógica do projeto, como as questões agrária e agrícola.
Resistir a esse quadro geral, tétrico é verdade, mas perfeitamente factível, exigiria da Central alguns requisitos prévios. Listo-os em número de quatro, sem embargo de outros que possam ser lembrados posteriormente. São os que me parecem essenciais.
III - O primeiro carecimento da CUT
A Central deveria contar com forte e ativa presença nos locais de trabalho. Dessa forma, poderia emular a organização por dentro das novas formas gestoras do trabalho, conhecer empiricamente os impactos psicossociais gerados pela reorganização e as novas demandas e signos do novo perfil dos trabalhadores. Não é essa a realidade da Central.
O afastamento da CUT em relação aos locais de trabalho é um dos maiores, senão o maior obstáculo a que os sindicatos interfiram no processo político-prático de implantação das novas gestões. Ao me referir a esse afastamento dos locais de trabalho, não me reporto apenas à notória e reconhecida fragilidade das chamadas OLTs. Reporto-me sobretudo à relação superficial e de exterioridade existente entre os sindicalistas e a massa dos trabalhadores, claramente verificável no fenômeno da liberação de diretores. Uma pesquisa realizada na Região Metropolitana de Belo Horizonte revelou a existência de 458 dirigentes sindicais liberados de suas funções profissionais, para um total de 130 sindicatos existentes9. Trata-se de um caso em que a estatística pouco ajuda devido à distância entre os extremos. O Sindicato dos Bancários de Belo Horizonte e Região, por exemplo, com 48 diretores e 18.000 sindicalizados, tem 43 dirigentes liberados. O Sindicato dos Petroleiros de Minas Gerais, com 932 sindicalizados, contava, em outubro de 1994, com dois diretores liberados.Esse dado é agravado pelas reeleições do dirigente sindical. Levantamento feito pela comissão organizadora do V Congresso da CUT (Concut) registra que 61% dos diretores de sindicatos delegados àquele congresso estavam, pelo menos, em seu segundo mandato. Afastado do local de trabalho por um período superior a três anos, esse dirigente se aliena em relação aos reais processos de trabalho de seus colegas de profissão, passando a conhecê-los, quando isso é possível, apenas pela interpretação de assessores.
Assim, a maioria dos dirigentes sindicais tende a ter uma posição rasa em relação aos Total Quality Control não opinando ou opinando "contra" devido a seus efeitos mais aparentes ("enfraquecimento do sindicato", "redução da categoria", "aumento da exploração"). Resta dizer que a CUT sequer tem uma posição definida sobre o assunto. O V Concut determinou o "aprofundamento" da discussão sobre o tema para que o congresso de 1996 delibere.
IV - O segundo carecimento da CUT
Seria necessária uma combinação criativa de democracia participativa e democracia representativa, de sorte a alimentar o senso associativo, a valorização coletiva do patrimônio jurídico acumulado na luta e a concentração, organização e sintetização deste acúmulo na instituição sindical. Dessa forma seria possível a reorganização da identidade coletiva, superando a heterogenia e a fragmentação de interesses da mão-de-obra e oferecendo sério obstáculo à flexibilização de direitos adquiridos. Mais uma vez, não é essa a realidade.
O quadro de exterioridade das relações dirigente/base sugere o assujeitamento do trabalhador, que apenas se reconhece como objeto nos conflitos negociais entre capital e trabalho. A função de sujeito é realizada rotineiramente pela entidade sindical, na figura de sua diretoria. Nessa ambiência, os diretores lutam para preservar sua representatividade realizando a expectativa da base ou seja, "obtendo resultados". Tarefa difícil e solitária no quadro de desmobilização crescente mas que tem sido resolvida pela ampliação do alcance das negociações.
A interação positiva entre capital e trabalho, com resultados aparentemente benéficos para os trabalhadores, tem se realizado num processo negocial onde a parte sindical aceita ponderar certas necessidades do capital em troca de ganhos compensatórios que aumentem o poder de consumo de sua base.
Um bom exemplo foi fornecido por empresas e sindicatos logo após a vigência do real. Apesar de a legislação só admitir reajustes na data-base, os trabalhadores receberam, dentro ou fora dela, diversos tipos de antecipações salariais, por conta da inflação futura, além de diversas formas indiretas de aumento relativo dos salários nominais, e até mesmo de seus salários reais, a título compensatório, não incorporadas aos pisos e, portanto, sem impacto sobre a folha de pagamento. Entre essas formas compensatórias, as mais praticadas foram as antecipações do 13º salário, os bônus de produtividade, as gratificações espontâneas e os auxílios ao estilo tíquete alimentação. Os bancários, com data-base em primeiro de setembro, tiveram cerca de 40% de aumento em auxílios não tributáveis. Os metalúrgicos de São Paulo, com data base em primeiro de novembro, obtiveram em setembro abonos variáveis na média de 20% sobre os salários de março. Os metalúrgicos do ABC, com data base em abril, obtiveram também em setembro abonos à base de horas trabalhadas10.
Esses ganhos compensatórios resultam da preocupação das empresas com paralisações de produção num momento de aumento de demanda e da precária capacidade mobilizadora dos sindicatos, retratada nas operações "Kinderovo", "Andorinha" e outras formas de paralisação parcial e temporária do trabalho. O que não significa que os auxílios compensatórios sejam coisa recente. Pelos dados de que disponho, os bancários são a categoria profissional que há mais tempo e com maior permanência praticam essa modalidade de negociação (tabela 1).
O resultado prático de longo prazo é a efetiva flexibilização da remuneração em detrimento dos pisos salariais e dos encargos sociais e em favor da estrutura de custos das empresas. Difícil crer que, no futuro, os trabalhadores se recusem a novas flexibilizações já que estão sendo rotineiramente habituados a elas.
V - O terceiro carecimento da CUT
Seria indispensável a existência de uma poderosa solidariedade orgânica entre os sindicatos e a Central e entre esses e os demais movimentos sociais. Essa solidariedade impediria que os resultados médios do movimento sindical fossem determinados pelas estruturas mais frágeis, cercearia o isolamento dos setores de ponta e potencializaria os setores menos articulados.
TABELA 1 Remuneração dos bancários (rede privada) Função: escriturário com menos de um ano de casa Rendimentos Verbas salariais Auxílios Set./89 100% 0% Set./90 86,4% 13,6% Set./91 85,2% 14,8% Set./92 79,8% 20,2% Set./93 80% 20% Set./94 61,4% 38,7% Função: caixa com três anos de casa Set./89 100% 0% Set./90 89,3% 10,7% Set./91 88,3% 11,7% Set./92 84,2% 15,8% Set./93 85,5% 14,5% Set./94 70% 30% Fonte: Convenções Coletivas Bancários e Fenaban.
Novamente, não é o que ocorre. Por trás do discurso oficial e artificial de que a entidade representa dezoito milhões de trabalhadores cuja contabilização só é possível graças ao monopólio de representação outorgado temos uma Central representativa de uma minoria social cada vez menos integrada.
Em primeiro lugar, a taxa média de sindicalização na CUT oscila em torno dos 22%, o que reduz a representação real, ou contratual, para pouco mais de 3,6 milhões de trabalhadores, não mais que 6% dos sessenta milhões de trabalhadores ocupados formal ou informalmente. Em segundo lugar, mesmo esse dado não traduz o tamanho real da entidade. Os dez maiores entre os 2,2 mil sindicatos filiados concentram 622.330 sindicalizados ou 16,6% da base real da entidade! São esses que acabam ditando o ritmo e as principais reivindicações da CUT, determinando, como veremos, uma intensa distorção social (tabela 2).
Finalmente, a análise de perfil das sindicalizações mostra que, pelo menos no caso da Região Metropolitana de Belo Horizonte, quanto maior a base declarada das entidades, menor é a taxa de sindicalização. A explicação mais elementar para esse fenômeno é a facilidade operacional da sindicalização nas áreas de maior concentração. Uma evidência do limite para o esforço de integração do total dos trabalhadores da base à vida associativa. Esse limite, dado pelos interesses mais imediatos dos sindicatos e de seus dirigentes, funciona como inibidor da construção da identidade coletiva com base nos valores mais universais da cultura sindical. De fato, quanto mais próximos nos encontrarmos dos núcleos da estrutura dirigente, "maior será a tensão entre a entidade e outras formas de organização, até mesmo as centrais"11.
TABELA 2 Os dez maiores sindicatos da CUT Entidades Sindicalizados Professores de São Paulo 127.861 Bancários de São Paulo 98.750 Metalúrgicos do ABC 97.253 Educação/MG 57.200 Educação/Bahia 49.408 Rodoviários de SP 44.000 Bancários do Rio de Janeiro 41.000 Previdenciários do Rio de Janeiro 40.512 Metalúrgicos do Rio de Janeiro 33.9l6 Educação do Rio de Janeiro 32.400 Total 622.300 Fonte: Central Única dos Trabalhadores (CUT).
VI - O quarto carecimento da CUT
A atuação da Central no sentido de gerar políticas de grande alcance social tem sido pouco menos que vexatória. Essa capacidade seria vital para a soldagem de alianças sólidas entre os diversos segmentos sociais em torno de plataformas reciprocamente benéficas.
Sua própria definição estrutural, como Central de sindicatos e de sindicalizados soma no sentido de seu isolamento social, afastando-a de setores como os desempregados, trabalhadores informais, aposentados, pensionistas e movimento sem-terra. As poucas tentativas de superação desse limite esbarram no imediatismo supra referido, resultando inúteis. A campanha "SOS Salário Mínimo", promovida pela Central, ilustra bem o problema. Aprovada em setembro de 1991, a campanha deveria recolher, até 01/05/92, 1.160.050 assinaturas para uma emenda popular a ser apresentada à Câmara Federal. No dia 04/06/92 foram contabilizadas 35.889 assinaturas, 3% da meta projetada!12
Esse resultado se explica pelo esforço corporativo que busca soluções particulares para problemas universais. Em verdade, as grandes corporações sindicais e empresariais mantêm pisos acima da média nacional de salários, mantêm planos privados de saúde total ou parcialmente financiados pelas empresas e contam com várias outras possibilidades negociais, conforme visto acima.
Desnuda-se um determinante estrutural da economia relativo à faculdade dos setores monopolistas e oligopolistas de "fazer" e impor preços. Em virtude disso, tornam-se mais "sensíveis" à demanda sindical, já que podem ou repassar seus custos adicionais para os preços ou, na impossibilidade, encontrar fórmulas, como os abonos, que não impactem sua estrutura de tributos sobre a folha. Nesse ambiente, vicejou a mítica de um amadurecimento e modernização das relações entre capital e trabalho, o elogio da negociação e a evitação do conflito. O resultado, certamente indesejado, é a transferência direta de rendas dos setores menos organizados e mais concorrenciais da economia para os mais organizados e menos concorrenciais, realidade que abre um fosso praticamente intransponível entre as grandes corporações e a maioria da população13.
VII - Conclusão
De maneira patente, os quatro carecimentos acima apontados se articulam numa totalidade complexa em prejuízo da CUT e de todos os trabalhadores brasileiros. O debate interno à Central, em anos recentes, fixou a faculdade negociadora como ponto alto de uma prática sindical sintonizada com o dilema moderno. Segundo essa visão, o amadurecimento dessa entidade tornava necessário sobrepor a uma concepção sindical centrada no conflito e nas formas de luta clássicas um conceito sindical novo, fundado na faculdade propositiva e mediadora, que pudesse, inclusive, contemplar as expectativas dos ganhos de capital. O mesmo Meneguelli que hoje se arrepia com as possibilidades da reforma nas legislações trabalhista e sindical, há poucos anos justificava a participação da CUT no "entendimento nacional", condenando a "extrema ideologização" da Central e asseverando que o papel da CUT é obter "conquistas". Não resta dúvida de que essa orientação foi seguida.
Contam que uma rã aceitou a palavra de um escorpião e o ajudou a atravessar um riacho. Chegando ao outro lado, o escorpião a ferrou. Perplexa e agonizante, a rã lhe cobrou a palavra empenhada, ao que ele respondeu: "Fui sincero ao fazer a promessa. Mas matar é da minha natureza e contra ela não posso lutar".
Não digo que a CUT tenha ajudado as elites nacionais a atravessar a crise da última década, pelo menos não deliberadamente. Mas é irrecusável que seu ritmo de docilização foi diretamente proporcional ao ritmo de sua institucionalização, realizando o movimento que, ao que parece, confirma-se como uma lei de ferro do sindicalismo14.
A CUT, de fato, esqueceu-se por assim dizer da natureza de seus dois escorpiões: a estrutura sindical corporativa e as lógicas da ordem capitalista. Confirmadas as hipóteses sugeridas neste artigo, a Central será chamada a um ajuste de contas com ambos e então será chegada a sua hora da verdade.
1 - WIARDA, Howard J.. O modelo corporativo na América Latina e a latino-americanização dos Estados Unidos. Petrópolis, Ed. Vozes, 1983.
2 - Para uma opinião contrária, ver: BOITO JÚNIOR, Armando; O Sindicalismo de Estado no Brasil; SP, 1991.
3 - Ver Jornal do Brasil, 18/11/1994. Uma posição de "meio termo" é sugerida pelo professor José Pastore, em Folha de São Paulo, 08/10/94.
4 - Ver Resolução V Concut.
5 - Ver "Conquistas ameaçadas"; in: Folha de São Paulo, 27/10/1994.
6 - Veja-se, por exemplo, Instrução Normativa no 3, de 12/08/1994, retrocedendo a liberdade de organização sindical aos termos anteriores à Constituição de 1988.
7 - Fonte: Instituto Municipal de Ensino Superior de São Caetano do Sul.
8 - SARTI, Fernando e FURTADO, João. "Competividade e assimetria nos países do Mercosul". In: Revista Indicadores de Qualidade e Produtividade, no 2. IPEA, 1993.
9 - Pesquisa Mapa Sindical relatório. BH, Escola Sindical Sete de Outubro/UFMG, 1993, p. 33.
10 - Fonte: Gazeta Mercantil, 21/11/1994, entre outros.
11 - Pesquisa Mapa Sindical, relatório, cit..
12 - ARAÚJO, José Prata. A construção do sindicalismo livre no Brasil. BH, Ed. ProJeTo, 1993, p. 157.
13 - J.M. CAMARGO, J. M. e AMADEO, Edward. Labour legislation and institutional aspects of the brazilian labour market, TD 252. RJ, Depto. de Economia, PUC, RJ, 1989.
14 - ANDERSON, Perry. "Alcances e limitaciones de la acción sindical". In: Cuadernos Pasado y Presente, no 44. P. 70.
Caro Leitor, esperamos que a leitura deste artigo, pertencente à Revista Práxis número 3, Março de 1995, tenha sido proveitosa e agradável.
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