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Impostos e Subdesenvolvimento

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José Martins
Jose_Martins@revistapraxis.cjb.net

Professor de Economia Internacional da Fundação Getúlio Vargas (SP) e autor de 'A Riqueza do Capital e a Miséria das Nações', Ed. Scritta.


De vez em quando, a idéia de reforma tributária volta ao noticiário e às preocupações das classes dominantes brasileiras. De quem cobrar, quanto cobrar, para quem cobrar impostos no Brasil? As respostas a essas perguntas definem os parâmetros de uma possível reforma tributária. Mas como se trata de uma reforma, deve-se responder primeiro o que se quer reformar, qual é a estrutura tributária que existe no Brasil?

A filosofia de uma estrutura tributária é mais importante do que o próprio montante dos impostos. A filosofia se define a partir de quem paga mais e de quem paga menos. Os trabalhadores ou as classes proprietárias? De uma maneira mais genérica, a esfera produtiva ou a esfera improdutiva da economia?

A tributação é progressiva quando as classes proprietárias pagam relativamente mais do que os trabalhadores assalariados. Ao contrário, quando os trabalhadores pagam relativamente mais do que as classes proprietárias, a tributação é regressiva.

Saber se a tributação é progressiva ou regressiva não é importante apenas para caracterizar uma maior ou menor justiça social. O mais importante é que essa distribuição define se um sistema econômico é dominante ou dominado na arena internacional.

Na OCDE, que reúne as principais economias do mundo aquelas que concentram os movimentos do capital financeiro internacional, os centros de desenvolvimento científico e tecnológico, a produção industrial de ponta, o grosso do comércio internacional e as moedas fortes do sistema monetário internacional, os impostos diretos, que recaem sobre a renda, os lucros e a propriedade, representam aproximadamente 70% do total de impostos arrecadados. Os impostos indiretos representam a diferença de 30%.No Brasil, uma economia dominada nas relações internacionais, os impostos diretos representam aproximadamente 36% do total de impostos arrecadados. Os impostos indiretos, que recaem principalmente sobre o consumo, e atingem diretamente as classes trabalhadoras, representam aproximadamente 64% do total arrecadado. É quase que exatamente o oposto da OCDE.

Uma reforma tributária no Brasil, que se preocupasse com um verdadeiro desenvolvimento econômico nacional, deveria reverter essa situação característica de um país dominado e subdesenvolvido.

Outra característica fundamental de uma estrutura tributária é o montante de impostos arrecadados em relação ao PIB (Produto Interno Bruto). Um Estado nacional é tão mais forte quanto maior parcela do PIB se converte em impostos arrecadados. E é tão mais fraco quanto menor essa parcela.

Na OCDE, os impostos arrecadados representam quase 40% do PIB. No Brasil, aproximadamente 25%. Quanto maior essa conversão da produção em impostos, maior a força de regulação e de organização de uma economia nacional frente às demais concorrentes no mercado internacional. Maior a capacidade de adaptação e inserção nas mutantes condições de produção e de comércio da acumulação mundial. Enquanto essa estrutura de conversão da produção em impostos permanecer, os países da OCDE continuarão dominantes e o Brasil continuará dominado. Os países da OCDE terão condições de se adaptarem ativamente às novas condições econômicas internacionais e o Brasil terá que se conformar com uma adaptação passiva e descontrolada.

I - Taxas Históricas

Na velha economia, quando o processo de acumulação capitalista ainda corria à margem da produção social, o Estado existia muito mais para garantir a propriedade privada e a posse de uma determinada extensão territorial. A riqueza das nações consistia principalmente na acumulação de propriedades territoriais e imobiliárias. Dependia principalmente de um Estado absoluto capaz de defender o território e, se possível, ampliar os seus limites pela guerra e anexações de outros territórios. Os impostos existiam, para que? Para manter e reforçar uma burocracia estatal, armada ou não, capaz de organizar e conservar o poder derivado da propriedade territorial.Na economia moderna, os elementos característicos da velha tributação não desapareceram. Eles apenas mudaram de forma e, principalmente, de comando. A propriedade territorial é travestida de propriedade capitalista. O poder deriva principalmente da propriedade dos meios de produção de capital e não mais da propriedade meramente territorial ou imobiliária. A extensão territorial se subordina à extensão do mercado. A competição e o poder político se subordinam à competição econômica e ao poder de mercado. A riqueza das nações consiste na riqueza do capital. E a riqueza do capital determina o poder da nova propriedade privada.

Darci Ribeiro dizia que o Brasil é os Estados Unidos em que o sul ganhou a guerra. A velha propriedade privada foi um entrave crucial à plena reforma do Estado capitalista no Brasil, como de resto para as demais áreas do Terceiro Mundo em que o sul ganhou a guerra. Até hoje, o pleno desenvolvimento do mercado é entravado pela propriedade meramente imobiliária, pelo latifúndio improdutivo, pela usura monetária e, para o que nos interessa aqui, pela estrutura tributária regressiva em que os setores improdutivos representados pela velha propriedade capitalista não são atingidos pelo fisco e pela baixa tributação em relação ao produto nacional.

Cobra-se mal e se arrecada pouco em impostos no Brasil. Essa é, finalmente, a forma tributária que corresponde a uma economia dependente, dominada na arena capitalista mundial. Internamente, a velha propriedade territorial e rentista travestida de moderna economia dominada comanda a política e a burocracia estatal. Externamente, o capital financeiro e industrial internacional comanda a economia.

Uma moderna reforma tributária no Brasil seria necessária para que? Para implantar no país um ambiente econômico propício ao pleno desenvolvimento do mercado e das forças produtivas nacionais. Mas isso só poderia ter sido feito na segunda metade do século passado, quando se forjava a irreversível divisão internacional do trabalho. Uma divisão que se forjou no século passado e se consolidou na primeira metade do século atual. Nos desdobramentos da modernização capitalista deste final de século,o que as classes dominantes nacionais chamam de reforma tributária não passa de uma readaptação, de uma recauchutagem para as velhas estruturas continuarem existindo com os novos ventos do chamado neoliberalismo.

II - Removendo Obstáculos

Não se deve esquecer, quando se fala em impostos, que isso só existe em uma sociedade de classes. No regime capitalista, o problema dos impostos diz respeito a uma maior ou menor intensidade da produção de capital. As classes transformam esse problema em um problema político, na medida em que são atingidas por aquela determinada intensidade de produção. Daí se pode localizar com maior clareza o que significa Estado. A economia se transforma em economia política, como o definiu Marx há muito tempo.

A intensidade da produção de capital, embora seja determinada pela totalidade do sistema, não se realiza de forma homogênea nas diversas áreas e Estados nacionais. O grau maior ou menor da acumulação de capital se distribui desigualmente, combinando-se com a divisão internacional do trabalho e com as características de cada Estado nacional.

Uma economia nacional é dominante quando as classes sociais organizam o seu Estado para uma intensificação da produção de capital. Isso significa a construção de uma base econômica caracterizada pela extração de mais-valia relativa, por uma valorização de capital em que prepondera o aumento mais livre da produtividade da força de trabalho e, conseqüentemente, por um rápido desenvolvimento das forças produtivas. Esse trabalho histórico é recompensado no sistema capitalista global. O controle do desenvolvimento científico e tecnológico, a concentração do sistema monetário e financeiro, a maior competitividade e preponderância no comércio internacional, a estabilidade e a força das moedas nacionais, a hegemonia geopolítica etc. são instrumentos de dominação desses Estados nacionais sobre o resto do sistema.

O resto do sistema, composto pela maioria dos Estados nacionais que se espalham pela maior parte do território econômico mundial, é construído historicamente sobre uma base econômica caracterizada pela extração da mais-valia absoluta, por uma valorização do capital em que prepondera uma propriedade privada que entrava o livre desenvolvimento da produtividade da força de trabalho e destrói permanentemente as forças produtivas sociais. Salários pagos abaixo do valor da força de trabalho, dependência científica e tecnológica, produção insuficiente de alimentos para uma razoável reprodução populacional, dificuldades estruturais de subordinar o sistema monetário e financeiro às necessidades da valorização do capital produtivo, mercado de capitais em que predominam os altos e baixos da especulação, baixa competitividade dos mercados de produtos de ponta do comércio internacional, vulnerabilidade às decisões geopolíticas globais etc. são elementos estruturais de subordinação desses Estados nacionais às economias dominantes. São os sócios menores, sem direito a voto, atores coadjuvantes da peça que se desenrola no enorme palco da economia mundial.

A tributação, a estrutura de impostos que caracteriza a organização de um Estado nacional, é o aspecto político mais importante do desenvolvimento econômico. Quando a existência do capital impõe uma intensificação da sua própria valorização, em escala mundial, os Estados nacionais dominantes e dominados precisam ser reformados. A passagem da acumulação do capital para patamares superiores de exploração da força de trabalho certamente enfraquece ainda mais os aspectos territoriais nacionais da propriedade privada. As fronteiras nacionais, se não forem devidamente adaptadas às renovadas exigências da valorização do capital global, transformam-se em obstáculos inaceitáveis à expansão dos mercados. O capital só necessita das classes e, conseqüentemente, da propriedade privada, porque ele se baseia na destruição e desumanização crescentes das condições de existência na terra, dos meios de produção e do trabalho. Nesse aspecto, ele necessita de uma certa organização, de uma certa conformação de classes sociais em que parcela crescentemente menor de proprietários capitalistas submete uma parte relativamente maior de deserdados da propriedade, do emprego na produção social e do acesso aos meios de reprodução fundamentais da população.

Muitos ideólogos da mais recente expansão do mercado mundial tornam essa imposição de valorização como o fim das fronteiras nacionais e do próprio Estado. Essa percepção não é, nem um pouco, nova. Muito menos é original. Ela tem aparecido em períodos mais ou menos longos, sempre que as necessidades de intensificação da exploração capitalista se impõem à consciência das classes sociais. A primeira reação das classes dominantes é obedecer a esse ritmo de enfraquecimento dos Estados nacionais. Abre-se um processo de afastamento dos controles mais abertamente políticos sobre a sociedade, substituindo-se temporariamente o voluntarismo político das classes sociais pela ditadura pura e simples do mercado. Temporariamente, enquanto se expande e se instala uma nova condição produtiva e de valorização do capital mundial. Essa condição se apresenta, em um primeiro momento, como um grande reforço à velha estrutura de propriedade e de classes. É o momento de uma certa euforia dos proprietários capitalistas, e de seus ideólogos, com um novo fôlego para a sobrevivência da velha sociedade de classes.

Mas, na medida em que avança a instalação dessas novas condições produtivas e tecnológicas, avançam também as potencialidades de uma enorme destruição subseqüente das forças produtivas da sociedade humana.

Os limites do capital se encontram nele mesmo, como também dizia o velho Marx. A eliminação das barreiras nacionais de valorização e, nesse movimento, das intervenções políticas do Estado, aceitas pelas classes proprietárias, defronta-se com períodos mais curtos de valorização e desvalorização do capital. Defronta-se com choques cíclicos da acumulação capitalista mais freqüentes e mais fortes. As estáveis estruturas de controle social e político da propriedade privada são substituídas pelo descontrole das expansões e contrações, por manifestações mais visíveis de superprodução do capital.

Nesse momento, vive-se no Brasil o ambiente eufórico de mais uma grande expansão cíclica do capital mundial e de considerações liberais que aceitam as determinações globais de desregulamentação, de enfraquecimento das fronteiras nacionais e de desenvolvimento econômico mais profundamente subordinado à intensificação da produção nos Estados nacionais dominantes. Para tanto, aqui se oferece para a imolação do Deus-capital uma maior parte das forças produtivas e da população. Para tanto, há necessidade daquilo que se fala em todos os cantos, de algo a que poucos se arriscam antepor, a saber, de uma reforma tributária.

III - Qualidade e Quantidade

A estrutura tributária brasileira não se caracteriza por um número muito grande de impostos. Mesmo acrescentando aí as contribuições sociais, chega-se a uma quantidade de impostos e contribuições igual ou menor do que muitos países desenvolvidos da Europa.Não é correta, portanto, a avaliação corrente, entre a classes dominantes brasileiras e seus ideólogos neoliberais, de que "é preciso reduzir o número de impostos". O que eles querem dizer, na verdade, é que "precisamos pagar menos impostos".

A qualidade dos diferentes impostos é muito importante. A qualidade dos impostos diz respeito às diferentes funções e papéis das inúmeras classes sociais que lutam por seus interesses econômicos particulares. Por isso, é necessária também uma certa quantidade de impostos, além de diferentes alíquotas dentro de um mesmo imposto, para que se possa regular para um lado ou para outro o ritmo e a intensidade do desenvolvimento econômico.

Os diversos impostos devem incidir adequada e diferentemente sobre as atividades produtivas. Outros, sobre atividades comerciais, financeiras, grande propriedade fundiária urbana e rural, renda territorial, aluguéis, lucro, salários etc. Só quem procura esconder as diferenças produtivas e improdutivas das diferentes classes e propriedades do sistema capitalista propõe uma indistinta e indiscriminada redução do número de impostos. Isso faz parte da dinâmica da economia política e, portanto, da luta de classes. Mas, no que diz respeito ao desenvolvimento econômico de um país, acaba determinando o seu lugar na divisão internacional do trabalho e, por extensão, a própria natureza política do Estado nacional.

O que está em jogo, quando se discute uma ou outra estrutura tributária, é o maior ou menor desenvolvimento das forças produtivas sociais. O meio mais importante para se atingir um estágio avançado de desenvolvimento econômico e social, no regime capitalista, é o estabelecimento de uma sistemática de impostos, alíquotas e normas que estimule o trabalho e as atividades produtivas da economia, ao mesmo tempo em que diminui progressivamente aquela parte do produto líquido que antes era direcionado para as classes e propriedades improdutivas e ociosas.

Essa sistemática de impostos promoveria uma revolução produtiva, tecnológica e de poder de consumo para as grandes massas, de elevação das condições de saúde, educação, habitação e transporte de toda a população.

Não se deve entender essa discussão, portanto, apenas como uma luta distributiva, de tirar dos ricos para dar aos pobres. Trata-se, antes, de uma fundamental definição política de qual é a melhor conformação produtiva e de consumo para a sociedade, de que posição e papel essa sociedade deve ocupar no pesado jogo das relações econômicas internacionais. Tudo isso é discutido a partir de categorias, regras e formulações teóricas da economia política, capazes de justificarem ações e interesses particulares que se desenrolam concretamente, antecipadamente, no embate quotidiano das classes sociais.

TABELA 1: Estrut. Tribut. e Detalham. da Arrec., Br./1993
Tipos de Impostos e Contribuições
Valor/US $ milhões
% PIB
I - Arrecadados pela União
71.570,40
15,19
I.1 - Impostos
30.793,20
6,58
Comércio Exterior
1.797,00
0,38
Produtos Industrializados
9.826,80
2,10
Renda
15.593,30
3,33
Operações Financeiras
3.252,20
3,22
Territorial Rural
27,30
0,01
Movimentação Financeira
296,30
0,29
Outras Rec. Trib. e Cont. Econom.
572,50
0,12
I.2 - Contrib. Sociais
40.237,60
8,59
Empregado
7.506,20
1,60
Empregador
13.503,20
2,88
Cofins
5.385,60
1,15
PIS/PASEP
4.581,90
0,98
Lucro Líquido
3.098,90
0,66
Seguridade do Servidor
2,70
0
FGTS
5.057,00
1,08
Outras Contribuições Sociais
1.102,30
0,24
II - Arrecadados pelos Estados
25.319,40
5,41
ICMS
24.599,50
5,25
IPVA
522,50
0,11
ITBI (Causa Mortis)
75,30
0,02
Adicional do Imposto de Renda
122,10
0,03
III - Arrecadados pelos Municípios
4.260,40
0,91
ISSQN
2.075,50
0,44
IPTU
1.055,30
0,23
ITBI (inter- vivos)
252,10
0,05
IVVC
42,10
0,01
Contribuição de melhoria
45,80
0,01
Outras Receitas Tributárias
789,60
0,17
TOTAL
101 150,20
21,61

Fonte: Sec. Receita Federal.

No Brasil, as coisas estão de ponta-cabeça. Os impostos que incidem de forma indireta sobre a produção e o consumo (IPI, ICMS, ISS etc.), assim como diretamente sobre os salários, representaram 72% do total arrecadado em 1993. Os impostos que incidem sobre a propriedade territorial da cidade e do campo como o Imposto Territorial Rural (ITR), o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e o Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) referentes à herança (causa mortis) e compras e vendas de imóveis (inter-vivos), assim como os impostos sobre operações financeiras etc., representaram, em 1993, apenas 28% do total arrecadado.

Deveria ser o contrário. Na perspectiva de um maior desenvolvimento das forças produtivas sociais, evidentemente. Os impostos indiretos, onde todos pagam a mesma alíquota de imposto, deveriam ser seletivamente discriminados: as alíquotas incidentes sobre bens de consumo assalariado e sobre instrumentos de produção (máquinas, insumos produtivos etc.) deveriam ser progressivamente reduzidas e, no médio prazo, eliminadas. As alíquotas dos impostos indiretos incidentes sobre os bens de luxo, de uso individual das classes proprietárias, deveriam ser progressivamente elevadas.

Os impostos diretos incidentes sobre a renda, a propriedade e as operações financeiras que não se relacionam diretamente com investimentos produtivos deveriam ser progressivamente elevados. As pequenas rendas e salários, as poucas ou pequenas propriedades, as operações financeiras corriqueiras e não especulativas, e as transferências e heranças de pequeno porte etc., não precisariam ser tributadas. Do mesmo modo, os impostos e contribuições sociais que hoje são suportados pela micro e pequenas empresas deveriam ser progressivamente rebaixados e mesmo eliminados.

IV - Parasitologia

Do modo como estão hoje, as grandes propriedades territoriais e as operações financeiras que não têm nada a ver com a produção, as classes sociais que vivem exclusivamente de elevadas fontes de aluguéis, rendas e juros, são as que menos pagam imposto no Brasil. Algumas dessas classes e propriedades praticamente não pagam nada. Pelos dados dos impostos arrecadados em 1993, pode-se verificar que a soma da arrecadação oriunda do Imposto Territorial Rural (ITR) e do Imposto sobre Transferência de Bens Imóveis (ITBI) é de US$ 327,4 milhões. Representa apenas 0,58% do total arrecadado de impostos em 1993. Esse exemplo seria suficiente para ilustrar o caráter parasitário e regressivo da estrutura tributária brasileira atual. Mostra que grande parte do produto líquido produzido pela sociedade é drenada para a acumulação de latifúndios improdutivos, mansões, consumo ostensivo de iates, jatos particulares, jóias, obras de arte, cavalos de raça, viagens internacionais, festas, fabricação de políticos, presidentes, governadores, prefeitos, juizes, grande imprensa, sociólogos, advogados, economistas e ideólogos do subdesenvolvimento e dependência em geral. Por tudo isso, pode-se entender porque as coisas estão de ponta-cabeça no Estado brasileiro.

A sonegação de impostos é outro tabu para os capitalistas brasileiros. Se as classes proprietárias não são atingidas pela atual estrutura tributária, as classes capitalistas da indústria, do comércio e do sistema financeiro reduzem por conta própria sua carga tributária. Os grandes contribuintes são também os grandes sonegadores.

Sobre a carga tributária de quase 90% da arrecadação da União, para cada R$1,00 recolhido, sonega-se R$0,70. Alega-se que a redução das tarifas atuais eliminaria a sonegação. Não é bem assim. Na maioria dos impostos da tabela II, os impostos e contribuições são declarados mas não recolhidos. Se você toma uma cerveja, você paga o IPI, por exemplo, mas esse imposto não é recolhido pelo dono da fábrica da cerveja. O sonegador é um tesouro público informal, paralelo.

Os grandes contribuintes não sonegam porque não podem pagar, como acontece com os pequenos contribuintes, mas porque a sonegação para eles é um grande negócio. Um grande número de empresas transforma a sonegação de impostos na sua principal fonte de lucros. Os bancos nacionais são os maiores beneficiados pela "indústria da sonegação".

A burocracia estatal organiza as condições para a sonegação. Em primeiro lugar, por uma total desestruturação da máquina arrecadadora. Poucos fiscais, baixa remuneração, falta de perspectivas de melhora na carreira, desaparelhamento de recursos de informática, são alguns aspectos administrativos que impedem a punição dos grandes sonegadores.

Um agente fiscal recebe hoje uma remuneração média mensal de R$1.700,00, sem qualquer estímulo para au-mentar as ações fiscais e a punição aos sonegadores. Ao contrário, a atual organização administrativa de salários e de carreira fomenta a corrupção da máquina fiscalizadora e a montagem da indústria da sonegação.Tanto na União quanto nos Estados e Municípios há uma resistência absoluta a qualquer plano de informatização dos órgãos arrecadadores. É o que ocorre no principal desses órgãos, a Secretaria da Receita Federal: a maior parte dos serviços de processamento de dados é efetuada pelo Serviço Federal de Processamento de Dados (SERPRO) e o processamento próprio da Receita Federal se serve apenas de microcomputadores que não seguem nenhum padrão, quer de equipamento, quer de software. A falta de investigações, treinamento e aparelhamentos é tal que parte das declarações de renda de pessoas jurídicas do exercício de 1992, ano base de 1991, ainda não tinha sido processada no segundo semestre de 1994.

TABELA 2: 30.000 Maiores Contrib., Br./94
TRIBUTOS
R$ não recolh. p/cada R$ recolh.
Particip. do Trib. no Total Arrec.
IR- Demais
0,60
14,30
IR- Pessoa Jurídica
1,40
12,90
COFINS
1,15
12,20
IR- Fonte de Trabalho
0,42
12
PIS/PASEP- Demais Empresas
0,30
9,30
Contrib. Social sobre o Lucro
0,61
8,20
IOF-FAF
0,24
5,50
IPI-Fumo
0,05
4
IPI-Cigarros
0,05
4
IPI-Automóveis
0,09
1,60
IPI-Cervejas
0,88
1,50
IR-Fonte Capital
1,50
1,40
PIS/PASEP- Setor Financeiro
4,41
0,70
IPI-(perf., bebidas dest., refrig.)
2
0,40
IOF-Seguros
0,11
0,40
TOTAL
0,70
88,40

Fonte: FONSECA, J. A. da; "Evasão Fiscal dos Grandes Contribuintes no Brasil"; in: Trib. Em Revista, an. 2, no 7.

A certeza de impunidade sustenta a ação dos grandes sonegadores. Para tanto, além da obsoleta máquina fiscalizadora da receita, eles contam também com o emaranhado de leis, normas, portarias etc. que, somadas à simpatia dos juizes e à morosidade da justiça, são verdadeiras barreiras à autuação fiscal. Os grandes contribuintes, mesmo quando autuados, entram com recursos administrativos, com recursos protelatórios, pois sabem que pela falta de estrutura do órgão arrecadador, esses recursos podem ficar até dez anos para serem julgados, restando depois outra instância. Mesmo após a decisão judicial definitiva, a inscrição na dívida ativa e a cobrança judicial podem até nem ocorrer, devido ao desaparelhamento da burocracia estatal e, novamente, à morosidade do poder judiciário.

Outro grande e importante instrumento de sonegação é o chamado sigilo bancário. Os bancos se negam a fornecer informações ao fisco, alegando sigilo bancário e obrigando a autoridade fiscal a recorrer à justiça para ter acesso às informações do sonegador. Começa de novo um longo processo, que nunca termina.

Alguém acredita que a reforma tributária dos neoliberais vai se preocupar com os verdadeiros problemas fiscais que conformam o atual subdesenvolvimento do Estado brasileiro? Não apostem nisso. As novas determinações imperialistas, as novas condições produtivas, comerciais e financeiras da chamada globalização econômica mundial não dependem de uma elevação das forças produtivas aqui instaladas. Ao contrário. Precisam exatamente de um maior enfraquecimento do que ainda subsiste de autonomia nacional, de controle da moeda, de política industrial, de regulamentações sobre as atividades improdutivas do comércio e dos bancos, de uma estrutura federativa, de regulamentações compensatórias sobre a grande matança provocada pelos baixos salários e pelo desemprego característicos de uma economia atrasada e dependente como a brasileira.

Os parasitas que ainda hoje se beneficiam de uma carga tributária praticamente nula, aliados a seus parceiros de classe que posam de empresários mas que sonegam e lucram com uma estrutura fiscalizadora desmantelada propositadamente para que não sejam obrigados a trabalhar, são os agentes perfeitos para comandar no Brasil a anunciada reforma tributária, fiscal e providenciaria, adequada aos tempos de neoliberalismo.

Uma reforma que só vai aprofundar a regressão dos impostos cobrados e recolhidos. Uma reforma que pretende eliminar as contribuições sociais, hoje representando 40% do total da arrecadação fiscal. Uma reforma que vai eliminar a cobrança daquela parte dos impostos que já não é de fato recolhida, daquela parte que é sonegada. Finalmente, uma reforma que transferirá para o sacrossanto mercado, mais globalizado que nunca, a tarefa de taxar e regular a parte do produto social correspondente à massa de mais-valia extraída dos trabalhadores.


Caro Leitor, esperamos que a leitura deste artigo, pertencente à Revista Práxis número 3, Março de 1995, tenha sido proveitosa e agradável.

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