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Teses sobre os Conselhos Populares
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Carlos Gomes Vilela Filho
Carlos_Vilela@revistapraxis.cjb.net
Analista de Sistemas, filiado ao Partido dos Trabalhadores - Rio de Janeiro.
As idéias sobre os Conselhos Populares apresentadas nestas teses surgiram no decorrer de um estudo mais amplo que venho realizando já há alguns anos sobre o movimento socialista e as principais experiências de luta pela revolução e pela construção do socialismo. No decorrer deste estudo, tenho firmado a convicção de que os Conselhos podem desempenhar um importante papel no que chamo de luta contra-hegemônica, ou seja, na luta contra a hegemonia burguesa e pela construção de uma nova hegemonia, socialista. Eles aparecem, em particular, como um meio eficaz e prático de contraposição às noções burguesas sobre a democracia e a cidadania. Foi neste contexto, aliás, que mencionei estas idéias pela primeira vez. Os companheiros a quem as expus solicitaram então que escrevesse um texto para subsidiar as discussões sobre o tema, com vistas inclusive a estudar formas de pô-las em prática.
Optei então por abordá-las do ângulo oposto ao de sua gênese, apresentando-as como uma proposta prática de concepção e de organização dos Conselhos, ao invés de partir de uma concepção mais geral de luta pelo socialismo e do papel que nela podem representar os Conselhos, para daí chegar às suas características. Foram dois os motivos que me levaram a esta opção: em primeiro lugar, a outra abordagem exigiria uma fundamentação e a abordagem de uma gama tão ampla de questões que inviabilizaria a produção do texto no tempo e espaços reduzidos de que dispunha; em segundo lugar, a abordagem escolhida permite melhor uma discussão voltada para a prática.
I
Os conselhos populares devem ser entendidos como órgãos de autogoverno das comunidades populares.
II
O termo comunidade é empregado aqui num sentido amplo: trabalhadores de uma empresa urbana ou rural, camponeses de uma fazenda, moradores de um bairro ou edifício, fregueses de um supermercado, professores, funcionários e pais de alunos de uma escola municipal, etc., e mesmo toda uma cidade ou um país ou até ― hoje é possível dizê-lo ― o mundo inteiro.
III
O conceito de autogoverno deve ser entendido de forma radical, como indivíduos que governam a si próprios, com base na participação, colaboração e solidariedade, que não precisam portanto de um organismo especial que os governe e, por isto, se coloque acima deles.
Nas palavras de seus apologistas, a democracia é já o autogoverno do povo ("governo do povo, pelo povo e para o povo"). Na verdade, porém, todo Estado, por mais democrático que seja, é um instrumento de dominação de uma classe (em determinadas condições, de um bloco de classes) sobre o conjunto da sociedade. Isto se expressa em determinadas relações que não podem ser tocadas, nos mecanismos pelo qual a participação é admitida e nas limitações impostas à participação dos indivíduos. Nas sociedades capitalistas, pode-se elencar, rapidamente, a intocabilidade do direito de propriedade, a limitação da participação política de massas à escolha periódica de seus "representantes" por meio do voto e um sistema eleitoral e partidário que, além de induzir os partidos a se restringirem ao jogo eleitoral, sistematicamente favorece os partidos e políticos apoiados pelo chamado "poder econômico". É neste sentido que se pode dizer que todo Estado, por mais democrático que seja, é sempre a ditadura de uma classe. Não é por outra razão que nenhum Estado pode prescindir de um forte aparato de coerção. Isto não significa, porém, que esta dominação se baseie fundamentalmente na força de coerção. Ao contrário. Nenhuma dominação consegue se sustentar muito tempo com base fundamentalmente na coerção. Mesmo as autocracias, como o czarismo, e as ditaduras militares, como a brasileira de 64, se apoiam na hegemonia, no poder ideológico que construíram. A utilização ampla da coerção é em geral usada apenas nos momentos de consolidação do poder recém-conquistado ou em momentos de crise em que a hegemonia é posta em risco. Fora disto, a coerção é restrita e voltada para evitar que a hegemonia seja abalada.
Na verdade, nenhuma comunidade pode se autogovernar integralmente numa sociedade dividida em classes antagônicas, principalmente sendo uma sociedade tão interligada e interdependente como a atual. Nestas condições, o autogoverno dos conselhos é restrito e, fundamentalmente, de luta pela ampliação dos espaços de autogoverno e pela superação da divisão em classes.
IV
Autogoverno implica assim a participação ativa de cada membro da comunidade em todas as decisões. Daí decorre que:
1 - os conselhos populares de base não são organismos de representação; ao contrário, deles devem participar todos os membros aptos da comunidade;
2 - o âmbito de atuação dos conselhos de base não pode ser tão amplo que torne impossível esta participação direta, ou mesmo que apenas a dificulte consideravelmente;
3 - para abranger comunidades maiores, os conselhos devem ser compostos de representantes escolhidos por outros conselhos menos abrangentes;
4 - a participação do conselho de uma comunidade num conselho mais amplo não se limita a escolher seus representantes; deve participar ativamente do processo de decisão discutindo as questões com base nos relatórios dos representantes e decidindo como deve ser a atuação destes;
5 - os representantes de um conselho num conselho mais amplo não são autônomos e seu mandato não tem um período definido: sua atuação é subordinada ao conselho que o elegeu e por este podem ser destituídos a qualquer momento;
Imaginemos que diversos conselhos locais formem um conselho de bairro e que diversos conselhos de bairro formem um conselho municipal. Um conselho local escolhe, com base numa proporcionalidade definida, seus representantes para o conselho do bairro a que pertence; os representantes do conselho de bairro escolhem, por sua vez, seus representantes no conselho municipal. Os debates que se passam no conselho municipal são levados aos conselhos de bairro, que decidem como deve ser neles a participação de seus representantes, podendo inclusive substitui-los caso julgue conveniente. O mesmo processo se repete em direção aos conselhos locais. Todos podem assim acompanhar e participar efetivamente das decisões em todos os níveis. Mudanças de opinião ou de posição nos conselhos locais podem se acumular e se refletir inclusive na composição dos conselhos mais amplos à medida em que elas acontecem, sem ter que esperar por datas definidas de eleições ou congressos.
6 - a sucessão de conselhos, participando por meio de representantes em conselhos mais amplos, não deve ser vista como uma pirâmide hierárquica mas como uma forma organizacional de possibilitar a participação efetiva dos indivíduos em comunidades grandes;
7 - um indivíduo pode participar de diversos conselhos de natureza diferente, bem como um mesmo conselho pode ter representantes em diversos conselhos de comunidades mais amplas de natureza diferente, refletindo o fato de que tanto indivíduos são membros de diversas comunidades como comunidades menores também podem ser parte de diversas outras comunidades maiores.
Imaginemos que seja formado um conselho da comunidade dos pais de alunos, professores e funcionários de uma escola pública. Os membros desta comunidade são também membros das comunidades onde moram e podem participar dos conselhos respectivos, e assim por diante. Analogamente, um conselho de bairro pode ter representantes, além do conselho municipal, no conselho de um grande hospital que atende aquele bairro.
V
A concepção radical de autogoverno implica também a participação ativa da comunidade na efetivação prática das decisões tomadas. Isto implica que:
1 - os recursos necessários à manutenção das atividades regulares dos conselhos devem provir da própria comunidade;
2 - os conselhos populares não são organismos reivindicatórios, porque não se limitam a solicitar que outros solucionem os problemas da comunidade; a ênfase, ao contrário, é posta na solução dos problemas da comunidade por ela mesma;
3 - a direção, a divisão e a organização do trabalho é responsabilidade conjunta do coletivo; cada indivíduo é responsável por sua tarefa específica, seja ela de execução, supervisão, controle etc.; o coletivo, na atribuição destas responsabilidades, deve levar em conta as necessidades técnicas do trabalho, as aptidões específicas e até mesmo o gosto de cada um.
É extremamente amplo o campo de atuação dos conselhos populares, que depende de sua natureza e dos problemas enfrentados pela comunidade. Num bairro, por exemplo, o conselho pode tratar de educação, saúde, urbanização, lazer etc. Outro tipo de atuação volta-se mais para o desenvolvimento da solidariedade entre os membros da comunidade, como a assistência aos desempregados e a suas famílias ou mutirões para construção ou ampliação das casas etc. Também múltiplas são as formas que podem ser usadas: educação e mobilização da comunidade para manter as ruas limpas, cotização para complementar o material faltante em uma escola ou posto de saúde que atende à comunidade etc.
As atividades do conselho podem ser divididas em dois tipos básicos: as permanentes ou rotineiras, por um lado, e os projetos, por outro. Permanentes ou rotineiras são aquelas que se repetem sempre, como por exemplo reuniões, recolhimento de contribuições, centralização do lixo etc. Projetos são atividades que têm um começo e um fim definidos, como a instalação de uma rede de água, a reforma de um posto de saúde ou da casa de um morador etc.
VI
Autogoverno implica o respeito à liberdade e às diferenças individuais dos membros da comunidade e a compreensão de que, mesmo que, por tratar-se de comunidades populares, os antagonismos possam e devam ser evitados, é normal o surgimento de conflitos no interior da comunidade; a garantia da liberdade e a solução destes conflitos deve ser vista como uma das funções dos conselhos.
Os conselhos podem desempenhar o papel de árbitros para dirimir disputas no interior da comunidade. Podem assim, dentro de certos limites, suprir a inoperância do judiciário, que é na prática um instrumento inacessível aos pobres (a não ser quando são perseguidos por algum crime ou suspeita) e, no Brasil, ineficaz e moroso até para os ricos.
VII
Ser autogoverno implica ainda que a eficácia prática das decisões do conselho deve se basear na autoridade moral do coletivo sobre os indivíduos que compõem a comunidade. Isto implica que:
1 - as decisões devem levar em conta o nível de autoridade moral já adquirido pelo conselho perante os indivíduos;
2 - as decisões devem sempre contribuir para elevar o nível desta autoridade e jamais deve ser tomada uma decisão que o diminua ou prejudique;
3 - as decisões devem sempre ser tomadas com sabedoria e respeito à liberdade e às diferenças individuais;
4 - decisões que necessitem do recurso a outras formas de coerção devem ser excepcionais e, além de respeitar os dois critérios anteriores, devem sempre estar firme e explicitamente respaldadas por aquela autoridade moral.
VIII
O autogoverno das comunidades é uma possibilidade, e também uma necessidade, do século XXI. Seu sucesso depende da eficácia e da qualidade do trabalho desenvolvido por elas, que desempenham um grande papel no reforço de sua autoridade moral. Daí que:
1 - os conselhos devem sempre, tanto na execução como na direção e administração do trabalho, procurar fazer uso das melhores técnicas que for possível e sempre visar o seu aperfeiçoamento; em particular, devem combater as tendências à exaltação do amadorismo e do estilo artesanal;
2 - sempre que necessário e possível, não se pode temer o recurso, mesmo que pago, a especialistas (seja em bases permanentes ou para projetos específicos) ou até mesmo a contratação de empresas para realizar determinados serviços;
3 - é aceitável a obtenção de financiamento ou contribuição técnica de organismos ou pessoas de fora da comunidade, e até mesmo do Estado, para viabilizar projetos específicos, desde que o conselho não se torne dependente desta ajuda (por isto é que esta ajuda só é admissível para projetos específicos, e não para a atividade regular do conselho).
Qualquer atividade é melhor realizada quando se domina sua técnica, e há atividades que só podem ser realizadas com sucesso se sua técnica específica for respeitada. A fixação do montante da contribuição para se manter uma caixa de auxílio nos moldes de um seguro, por exemplo, depende do conhecimento de uma ciência chamada cálculo atuarial, sem o que ou as contribuições serão excessivamente altas ou, o que é mais provável, cedo ou tarde se verá sem recursos para cumprir suas obrigações. Usar as melhores técnicas, assim, faz parte do respeito que se deve ter com a própria comunidade. Isso nada tem a ver com a ideologia de mistificação da técnica difundida pelas classes dominantes para melhor submeter os dominados. Ao contrário, é conhecendo e familiarizando-se com as técnicas ― e delas fazendo uso ― que se pode melhor desmistificá-las.
IX
Nos dias atuais, em que o capitalismo já se estende até aos mais longínquos recantos do mundo, nenhuma comunidade é independente: todas elas estabelecem uma multitude de relações, muitas das quais potencial ou efetivamente conflitivas ou mesmo antagônicas. O autogoverno não pode, assim, ser concebido como voltado apenas para o interior da comunidade, restrito em torno de si mesmo. Uma comunidade que se autogoverna, ao contrário, não somente procura dar uma direção consciente às suas relações com o mundo como busca cada vez mais ampliar o horizonte destas relações.
X
O Estado é sempre um organismo que, por mais democrático que seja, coloca-se acima da sociedade e a governa. Neste sentido, os conselhos populares a ele se contrapõem diretamente. Dependendo da direção política do Estado em cada momento, esta contraposição genérica pode inclusive se tornar conflito aberto. Mas o Estado existe e, queira-se ou não, pelo menos por um bom tempo vai ter uma influência fundamental sobre a vida de qualquer comunidade. Por isto, tentar ignorá-lo e, a pretexto de não reconhecê-lo, querer não se relacionar com ele, embora possa parecer radical, significa portanto, de fato, renunciar ao próprio autogoverno. Criar condições para que a comunidade participe efetivamente das lutas políticas que se travam nas instituições do Estado, mantendo-as informadas, tomando posição, e colocando nestas instituições pessoas que se comprometam com estas posições, é portanto uma tarefa indeclinável dos conselhos.
Contraditoriamente, os conselhos têm um aspecto de "colaboração" com o Estado. À medida em que as comunidades se autogovernam, elas "liberam" o Estado de algumas de suas obrigações em relação a elas. Se, por exemplo, uma determinada comunidade, frente à deficiência do "serviço público", toma para si a tarefa de manter as ruas limpas, ela está de certa forma renunciando a um direito, pelo qual inclusive ela paga impostos e taxas. Isto representa, sem dúvida, uma sobrecarga para esta comunidade. O que pode justificar a aceitação desta sobrecarga, a opção pela solução dos problemas por seus próprios meios, ao invés de exigir o exercício de um direito? Pode-se certamente dizer que, de outra forma, estes direitos, ou pelo menos grande parte deles, não seriam mesmo respeitados. Mas o principal é que, ao assumirem por si próprias a solução de seus problemas, as comunidades estão tomando do Estado sucessivas esferas de atuação e função, estão avançando sucessivamente na proclamação da dispensabilidade do Estado, da dispensabilidade da necessidade de um organismo especial que as governe. É verdade que a luta por um direito, neste caso, proclama também a incompetência ou a discriminação do Estado, mas isto aparece como a proclamação da incompetência ou discriminação de um governo em particular, e ao mesmo tempo proclama a necessidade do Estado e sua dependência a ele. O autogoverno é radical, vai ao fundo da questão do poder de Estado, coloca em questão sua própria função social.
XI
Para os proprietários de empresas, eles têm o direito inato de dirigir seus "negócios" como bem entendem. Renunciar a esse despotismo é o mesmo que renunciar ao direito de propriedade. A constituição de conselhos de trabalhadores sofrerá assim uma oposição ferrenha das direções das empresas. As dificuldades serão imensas, tanto mais que a legitimidade deste despotismo é em geral reconhecida pelos próprios trabalhadores. Mas, por isto mesmo, esta é uma luta de fundamental importância, pois não haverá realmente autogoverno das comunidades enquanto esta não puder atingir a atividade na qual se baseia a própria sobrevivência das pessoas e da sociedade. E é uma luta na qual se pode obter vitórias, como o demonstra a conquista do direito de participar da gestão das empresas por operários de diversas partes do mundo, principalmente na Europa.
Da mesma forma como acontece com relação ao Estado, o autogoverno dos trabalhadores numa empresa tem, também, contraditoriamente, um aspecto, muito mais perturbador, de "colaboração" com a direção da empresa. Não haverá verdadeiramente autogoverno se os conselhos mantiverem com esta uma relação meramente reivindicatória, limitando-se a exigir coisas como melhores condições de trabalho e segurança etc. Terão que se envolver (ou pelo menos lutar por fazê-lo) na direção do próprio processo do trabalho. Isto em geral deverá acarretar um aumento da produtividade, e portanto da mais-valia, que será apropriado, na melhor das hipóteses em grande parte, pelos proprietários. Isto tudo é tanto mais perturbador que a atual crise do capitalismo o leva a experiências como o Controle de Qualidade Total, movimento de origem patronal que ganha grande repercussão mundial e é considerado responsável pelo grande impulso de economias como a japonesa, cujo centro é justamente a busca da participação ativa dos trabalhadores no processo de produção, com base numa ideologia de colaboração de classes, evidentemente preservando o despotismo da propriedade. Mas aqui também, como no caso do Estado, o que está fundamentalmente em jogo é uma relação de poder. Só que, neste caso, como não podia deixar de ser uma vez que o campo de batalha é o terreno das relações de produção, a base real de todas as relações sociais, o conflito é ainda mais profundo e mais radical. Não é apenas a relação de poder delegada que é colocada em questão, mas a própria relação delegante, a de propriedade.
XII
A relação dos conselhos com outras formas de organização populares deve ser de cooperação e complementaridade. No entanto, a incompreensão do caráter do conselho e destas organizações pode muito facilmente levar à concorrência e aos conflitos, principalmente quando estiverem envolvidas diferenças políticas.
1 - as associações de moradores são organizações basicamente reivindicatórias, que representam sua base fundamentalmente perante o chamado poder público; são assim de caráter essencialmente diferente dos conselhos; ambas não somente podem como devem coordenar suas respectivas atuações reivindicatórias e de autogoverno;
2 - os sindicatos são organizações que representam os trabalhadores (estamos falando de organizações populares) de uma categoria profissional perante os patrões ou o Estado, quando se trata de normas legais ou políticas de governo. Tratam fundamentalmente das condições em que os trabalhadores que representam vendem sua força de trabalho e as condições em que os compradores podem fazer uso dela ― ou deixar de fazê-lo, como é o caso das demissões. Os sindicatos, a não ser no que diz respeito às condições estabelecidas para o uso da força de trabalho, não se envolvem na gestão das empresas, o que justamente é o que os conselhos procuram fazer. Estes, por sua vez, não se envolvem no estabelecimento das condições de venda da força de trabalho e, no que diz respeito ao seu uso, naturalmente atuam no mesmo sentido das organizações sindicais. É além disto evidente que trabalhadores que conseguem se auto-organizar em conselhos denotam um elevado nível de consciência, que implica elevado nível de sindicalização; assim, sindicato e conselho tendem a se reforçar mutuamente.
XIII
Sendo autogoverno, os conselhos são governo. São, portanto, essencialmente políticos. A participação nos conselhos tende assim a elevar o grau de consciência política e, portanto, a partidarização dos seus membros. Isto não significa que o próprio conselho seja partidarizado, no sentido de se vincular a um único partido. Ao contrário, o normal e desejável é que os participantes dos conselhos se organizem no interior do próprio conselho conforme suas convicções e filiações partidárias. É natural, por outro lado, até pelo maior grau de consciência política que os participantes dos conselhos tendem a alcançar, que apenas os partidos que representam os interesses populares alcancem presenças significativas nos conselhos.
Se os conselhos populares se difundirem, multiplicarem-se e conquistarem grande autoridade moral, eles passarão a ter uma influência política que não será possível deixar de levar em conta. É o mesmo fenômeno que acontece com os sindicatos, mas numa escala muito maior, dado seu caráter diretamente político. Mesmo que eles não apoiem diretamente nenhum candidato ― e em certos casos poderá haver um consenso suficiente para que eles o façam ― é evidente que aqueles candidatos que se comprometerem em manter os conselhos informados do que ocorre e, mais ainda, que se comprometerem a seguir as decisões dos conselhos em sua atuação, poderão com facilidade conquistar votos decisivos para sua eleição. Além do peso político geral, os conselhos terão assim, especificamente, forte peso eleitoral. Isto, por um lado, aumentará ainda mais sua força política. E, de outro lado, proporcionará uma participação muito mais efetiva das comunidades na chamada política institucional. Será possível até que, por exemplo, eleja-se um candidato a prefeito que aceite governar de acordo com um conselho municipal ― há partidos no Brasil que aceitariam um compromisso deste tipo. Isto constituiria uma experiência de autogoverno popular de um alcance inestimável, cujas conseqüências dificilmente podem ser previstas, mas que certamente reforçariam ainda mais a influência política dos conselhos.
Há, também, o outro lado da moeda. O sucesso dos conselhos inevitavelmente excitará a cobiça e a oposição daqueles que querem perpetuar seus privilégios. Uns tentarão penetrar nos conselhos e desvirtuá-los, de instrumentos de liberdade transformá-los em instrumentos de dominação. Outros procurarão combatê-los e destrui-los. Já foi mostrado como os conselhos se contrapõem ao Estado; não se pode esperar que este assista passivamente a esta contraposição. Isto não significa porém que eles estão fadados ao fracasso. Longe disto. Sua criação e difusão não deixará de liberar energias que muito provavelmente acharão meios de enfrentar com sucesso os ataques. E que assim não seja, a tentativa não deixará de valer a pena, pois acumulará forças e experiências que permitirão sem dúvida o seu renascimento ainda mais fortes.
Não faltará quem rotule estas idéias de utópicas ou mesmo de delirantes. Uns as considerarão até boas, mas dirão que faltam condições para experimentá-las. Estes, será preciso que o provem, que digam quais as condições necessárias. Muitos as rejeitarão pelo mero medo do novo. Não são porém tão novas. Muitas experiências de luta tiveram o sentido dos conselhos e do autogoverno. Das amplamente conhecidas, a mais antiga de nossa época foi a da Comuna de Paris e a de maior repercussão foram os Soviets que desempenharam um papel fundamental na Revolução Russa de 1917. Mais recentemente, as revoltas de 68 na Europa registraram muitas experiências deste tipo. O Solidariedade na Polônia também merece registro. Com denominações diferentes, com abordagens diferentes, algumas recusando o caráter político, outras com perspectivas políticas imprecisas, mas todas expressando a vontade e a aspiração pela liberdade e pelo auto-governo. No Brasil, também tivemos ― e temos ― experiências com este sentido. Um exemplo, foram os camponeses do Maranhão liderados por Manoel da Conceição, durante a ditadura. Outro exemplo, este atual, é o do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, que apresenta muitas características de auto-governo. Experiências riquíssimas, mas que muito pouco estudo mereceram, denotando o quanto estamos presos aos velhos e surrados métodos tradicionais de luta.
Haverá, por certo, os que, concordando ou discordando no geral, farão objeções e procurarão apresentar alternativas mais ou menos abrangentes, mas visando achar soluções e novos caminhos. Estas teses terão então cumprido parte de seu papel, pois terão aberto um debate que considero importantíssimo. Mas é preciso que não se fique apenas no debate das idéias. Só a experiência prática é que mostrará com toda a clareza os problemas que terão que ser enfrentados e darão oportunidade de serem achadas as soluções reais.
O povo brasileiro vive uma crise que já dura quase duas décadas, tem sofrido duras decepções e está cada vez mais descrente da possibilidade de soluções, mas ainda continua lutando e ansiando por novos caminhos e alternativas. Não é o momento para tibiezas e conservadorismo. É de ousadia e espírito inovador que precisamos.
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Índice
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Caro Leitor, esperamos que a leitura deste artigo, pertencente à Revista Práxis número 2, editada em Setembro de 1994, tenha sido proveitosa e agradável.
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