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O Plano Real e a Estabilização das Elites

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João Antônio de Paula
Joao_Antonio_de_Paula@revistapraxis.cjb.net

Economista, Professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG, ex-presidente do Partido dos Trabalhadores, Belo Horizonte, Minas Gerais.


I - Os Significados do Plano Real

I1 - Aspectos políticos

O Plano Real é a derradeira manobra das classes dominantes no Brasil para buscar evitar a vitória de Lula e com ela o início das mudanças que porão fim às desigualdades, à exclusão social, ao autoritarismo e aos privilégios que têm sido os marcos permanentes da formação histórica brasileira.

O Plano Real tem evidentes motivações eleitoreiras. Seu cronograma de implementação obedeceu, sobretudo, ao calendário eleitoral. FHC 1 esteve 10 meses à frente do Ministério da Fazenda, período em que a inflação disparou de 25% para 45% ao mês, em que o salário mínimo foi reduzido ao seu mais baixo valor desde a sua implantação em 1940 (64,79 reais), em que houve enorme concentração de renda, em que a cesta básica teve valor médio, entre março e junho de 1994, de 101 URV 2 enquanto o salário mínimo foi mantido congelado em 64,79 URV. A terceira fase do plano, a introdução do Real, só teve sua implantação final efetivada em julho, três meses antes das eleições, tempo suficiente para que se manifestem apenas os efeitos de desinflação do Plano, mas insuficiente para permitir a manifestação de algumas de suas conseqüências perversas – a permanência e mesmo aumento da recessão e do desemprego como resultado dos juros elevados e a não de todo descartada possibilidade de retomada da inflação, pela fragilidade de seus pressupostos (equilíbrio orçamentário), pelo aumento de tensões inflacionárias, pelo recrudescimento da luta distributiva que ele engendra.

Por tudo isto, o Plano Real é um instrumento eleitoreiro, é um instrumento político das classes dominantes brasileiras em sua tentativa de bloquear a vontade de mudanças da grande maioria da população.

FHC insiste em dizer que o Plano é dele, e isto é certo, mas é injusto omitir os outros pais do Plano. O Plano Real é de FHC, mas também de ACM 4 e do PFL 5, é do FMI e da Rede Globo, é o plano do grande capital financeiro internacional, é o plano dos que querem a economia brasileira submetida ao neoliberalismo, ao Consenso de Washington. O Plano Real é de FHC e sua motivação é a vitória eleitoral e com ela a continuidade da concentração de renda, da riqueza e do poder, a continuidade da marginalização e da exclusão da maioria.

Contudo, denunciar o Plano Real, mostrar as suas implicações e conseqüências não significa apostar na inflação, ser complacente com os seus efeitos deletérios sobre os assalariados. A recusa à inflação deve ser radical. Um governo democrático e popular precisa dar centralidade ao combate à inflação. Neste sentido, é mentira, é manobra eleitoral, é oportunismo, dizer que o PT e a Frente Brasil Popular pela Cidadania são contra o fim da inflação, que Lula é o candidato da inflação. Diferentemente de FHC e seus aliados, o que distingue a postura desses partidos é que propõem uma política de combate à inflação que não penalize os trabalhadores, que façam os custos do processo de combate à inflação recair sobre aqueles que têm feito da inflação um instrumento de enriquecimento - o grande capital, especialmente o grande capital financeiro.

I2 - Aspectos Econômicos

Três são os aspectos centrais de nossa crítica às conseqüências econômicas do Plano Real:

  1. em primeiro lugar porque o Plano, apesar das explícitas promessas de neutralidade distributiva, é concentracionista, seja porque sanciona perdas salariais, seja porque estimula e não coíbe aumentos abusivos de preços, seja porque impõe salário mínimo miserável;

  2. outro aspecto que merece nosso repúdio é quanto ao caráter recessivo do Plano: a política de juros praticada até aqui, mais as restrições quantitativas da base monetária previstas, apontam para o aprofundamento da recessão e com ela para a expansão do desemprego;

  3. finalmente, o Plano Real tem implicações sobre o futuro da economia brasileira, ao colocá-la à reboque das políticas neoliberais e assim comprometer as possibilidades de reestruturação de nossa economia a partir dos interesses nacionais e de uma plataforma de mudanças estruturais democrático-populares.

Do ponto de vista de sua lógica interna, o Plano Real tem debilidade significativa. Todos os pressupostos fundamentais do Plano, quais sejam, o equilíbrio orçamentário, a existência de grande volume de reservas internacionais e os preços relativos alinhados, não estão efetiva-estavelmente garantidos. O equilíbrio orçamentário, na verdade o superávit primário, que tem sido conseguido nos últimos meses, deve-se em parte à manobra do governo de protelar o envio do orçamento para o Congresso e em parte à aprovação do Fundo Social de Emergência, que retirou recursos da área social para garantir o equilíbrio orçamentário. São óbvias as implicações dos dois artifícios: um incide sobre o conjunto das atividades do setor público federal, sobretudo no que diz respeito a novos projetos e programas. O Fundo Social de Emergência é, na verdade, um Fundo contra o interesse social num momento dramático da vida brasileira marcada pela fome e pela miséria.

O segundo pressuposto, o elevado volume de reservas, cerca de 40 bilhões de dólares, é resultado da política de juros elevados do Banco Central, que atraiu capitais especulativos, que representam parte importante daquelas reservas. Da mesma forma que entraram, esses capitais poderão sair, comprometendo um dos pilares do Plano.

Finalmente, os preços relativos não estão alinhados, sobretudo porque, ao contrário do que supõe a teoria inercialista, base teórica do Plano, os aumentos de preços não são meras projeções da inflação passada: os aumentos de preços não são mecanismos apenas defensivos, são basicamente instrumentos de luta distributiva, são mecanismos de elevação de margens de lucro. Neste momento, todos os indícios apontam para uma defasagem das tarifas públicas e dos salários vis-à-vis o crescimento dos preços dos produtos oligopolizados. O congelamento das tarifas é uma espécie de bomba de efeito retardado, que obrigará o próximo Governo a um tarifaço para impedir a maior deterioração do setor produtivo estatal.

Também importante fator complicador é a sobrevalorização cambial provocada pelo Plano, que, se tem aspectos positivos sobre a base monetária, via redução dos saldos da balança comercial, tem aspectos negativos sobre o setor exportador e assim amplia a recessão e o desemprego.

Tudo isto aponta para a existência de um quadro de fragilidade e inconsistência dos pressupostos do Plano.

I3 - Aspectos Ideológicos

O Plano Real e a candidatura FHC são as manifestações possíveis no Brasil do neoliberalismo. Quem diz isto é o insuspeito ex-ministro Bresser Pereira, seu defensor-ideólogo de plantão, em artigos de 10 e 18 de julho na Folha de São Paulo - "A candidatura de Fernando Henrique surge no Brasil como uma síntese entre a visão nacional-desenvolvimentista e as idéias neoliberais do Consenso de Washington. Uma síntese social-democrática e pragmática" (FSP 3, 10/7/94. pág. 3).

Pelas implicações e propósitos do Plano Real e pelo disposto no receituário do Consenso de Washington, chega-se à conclusão de que o que há de social-democrata no Plano Real é o que é derivado do Consenso de Washington, isto é, nada. Quanto ao pragmatismo, este parece ser um desconcertante resultado da criatividade tucana: o Fundo Social de Emergência, pressuposto do Plano Real, ao cortar recursos das áreas sociais (educação, saúde) e de infra-estrutura (transportes), contraria um dos pontos centrais do discurso do Consenso de Washington, as Prioridades dos Gastos Públicos – "A reforma política consiste em redirecionar os gastos de áreas politicamente sensíveis, que recebem mais recursos que seu retorno econômico justifica, como a máquina administrativa, defesa, subsídios indiscriminados, elefantes brancos, para áreas negligenciadas com alto retorno econômico e potencial para melhorar a distribuição de renda, como saúde e educação, e infra-estrutura" (WILLIAMSON, John. "Reformas Políticas na América Latina na Década de 80". In: Revista de Economia Política, vol. 12, n°1, jan./março, 1992. pág. 44). O pragmatismo de FHC, neste caso, significou ser mais neoliberal do que os próprios termos do Consenso de Washington recomendam.

FHC, em artigo na Folha de São Paulo do dia 10/07/94, responde aos seus críticos dizendo que não é neoliberal, não é conservador e, mais ainda, que também o seu principal aliado, o PFL, não o é: "...o PFL apoia uma candidatura do PSDB e não o contrário. E por que apoia? Porque os líderes mais lúcidos do partido reconhecem que é preciso (até mesmo para ganhar as eleições) reformar o ideário liberal, e mesmo liberal-social, e estabelecer uma ponte com as realidades do país." (CARDOSO, Fernando Henrique. FSP, 10/7/94. págs. 6-3)

Os líderes mais lúcidos do PFL, entre eles, é certo supor, Marco Maciel, ACM 4, Ricardo Fiúza e outros, nas palavras de FHC, têm como projeto reformular o ideário liberal, e mesmo o liberal-social, que no Brasil foi divulgado por Fernando Collor. Na verdade, estes "líderes mais lúcidos" do PFL, desde a ditadura, da qual foram os líderes civis, têm como único projeto a perpetuação dos privilégios e da corrupção, a negação de direitos sociais. Mas FHC reivindica que não se o rotule, relembra seu passado de sociólogo, exige que se respeite a sua inteligência e a dos seus aliados, pede "pelo amor de Deus" que o façamos.

Para atender ao apelo de FHC, deixemos o passado e o presente de seus aliados e consideremos as suas idéias. No artigo já citado, diz ele: "o grande calcanhar de Aquiles ou o grande desafio da presente situação brasileira é precisamente este: a inserção do Brasil no sistema produtivo internacional, para servir aos interesses nacionais e populares, requer um Estado reformado, capaz de abrir-se eficazmente às pressões e aos interesses da população, especialmente da maioria de pobres que vivem uma cidadania incompleta"

A reforma do Estado é então a grande meta de seu programa. Mas o que significa, para FHC, a Reforma do Estado? Em todo o seu longo artigo, FHC só aponta um responsável pelas mazelas do Estado brasileiro – o corporativismo, os sindicatos de empresas estatais, do funcionalismo público. Estes, na visão de FHC, os vilões, os responsáveis pelo atraso e pela miséria. Em todo o longo artigo de FHC, nenhuma crítica ao grande capital, que se locupleta da dívida interna e externa, nenhuma crítica aos privilégios – isenções, sonegações, incentivos – que sempre foram dados ao grande capital e às oligarquias no Brasil.

FHC e seus aliados, o neoliberalismo, substituíram no Brasil contemporâneo a praga responsável por todos os males nacionais. Antes foi a saúva, hoje é o funcionalismo público. Para FHC, é o funcionalismo que "cria uma nova barreira à melhoria das condições gerais de vida do povo e ao avanço da economia para tornar possível aumentar e distribuir a riqueza".

Para FHC, são os "interesses corporativos das empresas" e dos segmentos "cutizados" da burocracia os responsáveis pela incompetência do Estado. Nenhuma palavra sobre a destruição do aparelho do Estado produzido pelo governo Collor.

A posição de FHC, representante do vagalhão neoliberal sobrevivente à derrota de Collor, insiste em denunciar como ilegítimas todas as ações do movimento sindical combativo, auto-atribui-se a prerrogativa de dizer o que é legítimo e ilegítimo no movimento sindical. Ao mesmo tempo, não há no artigo de FHC nenhuma proposta quanto à efetiva democratização do Estado, nenhuma iniciativa visando o efetivo controle popular sobre o Estado.

A Frente Brasil Popular pela Cidadania tem um absoluto compromisso com a Reforma do Estado. O Estado brasileiro, que tem sido historicamente instrumento do poder das classes dominantes, precisa ser profundamente reformado, e o centro da reforma deve ser a sua radical democratização, o Estado colocado a serviço dos interesses populares, o Estado comprometido e instrumento da distribuição da renda, da riqueza e do poder.

O Plano Real propõe uma reforma institucional que traz importantes conseqüências ao substituir a composição e as atribuições do Conselho Monetário Nacional 6. A estrutura corporativa do CMN reminiscência da ditadura varguista, é substituída por um triunvirato do governo. Substitui-se o corporativismo pela ultra-centralização tecnocrática. A isto se contrapõe a idéia fundamental do controle democrático-popular sobre todas as instâncias do Estado.

Há um outro aspecto em que o caráter neoliberal do Plano Real se manifesta muito acentuadamente. Trata-se de sua crença absoluta nos mecanismos de mercado, em sua recusa em admitir qualquer interferência naqueles sacrossantos mecanismos. Este discurso sobre as virtudes absolutas do mercado acaba sendo contraditório com o disposto no próprio Plano Real, que acaba por ter interferência desigual sobre os preços da economia. Enquanto as tarifas e os salários são congelados na prática, os juros são mantidos altos para atender a objetivos de política e o câmbio mantido fixo também por motivação política, os outros preços foram deixados livres, configurando uma situação em que o discurso sobre as virtudes do mercado, sobre a sua inviolabilidade, é apenas ideologia, isto é, defesa de um projeto de mundo baseado na desigualdade e na interdição de direitos da maioria. Quanto a isto talvez fosse oportuno lembrar aos neoliberais formuladores do Plano Real o que disse um neoliberal insuspeito – von Mises – "a desigualdade de riqueza e renda é uma característica essencial da economia de mercado" (MISES, Ludwig von. O Mercado. Rio de Janeiro, Ed. José Olympio, 1987. I L, p. 72). O mercado tanto pressupõe a desigualdade quanto a amplifica, como se vê pelas conseqüências da implantação da URV e do Real, que resultaram em maior concentração de renda e perdas salariais. No Brasil, a vitória do mercado e suas conseqüências, a ampliação da desigualdade, têm a dimensão da tragédia.

O Plano Real é a mais engenhosa tentativa de perpetuação de uma ideologia e de uma prática, o neoliberalismo, depois da derrota de Collor e da tibieza de Itamar. O Plano Real fala ao sentimento legítimo dos milhões de brasileiros que sofrem com a inflação, que querem pôr fim ao perverso mecanismo de concentração de renda que a inflação impulsiona. Contudo, é essencial que se diga, que se saiba dizer à sociedade brasileira, sobretudo aos trabalhadores e demais setores populares:

  1. que não há apenas uma maneira de acabar com a inflação;

  2. que a maneira escolhida pelo Plano Real penaliza os trabalhadores e poupa os grandes sócios da inflação, o grande capital;

  3. que é necessário um programa que combata a inflação não só enfrentando os seus determinantes, as suas causas, os seus fatores propagadores e sancionadores, como tenha uma dimensão distributiva e esteja inserido num contexto de reestruturação da economia brasileira e de reformas profundas – Reforma Agrária, Reforma Urbana, Reforma do Estado e da Previdência, Reforma dos Sistemas de Educação e Saúde, Investimentos em Ciência, Tecnologia, Qualificação da Mão de Obra e geração de empregos.

É fundamental denunciar o Plano Real sobretudo porque, ao baixar a inflação, ele o fará impondo custo social, enorme e desnecessário.

II - As Conseqüências Econômicas do Real

II1 - Salários

A introdução da URV, em março de 1994, cristalizou perdas salariais em virtude da conversão dos salários pela média dos quatro meses anteriores. A implantação do Real, em julho de 1994, poderá impor ainda maiores perdas pela ocorrência dos seguintes fenômenos, apontados pelo DIEESE em 30/06/94:

  1. "aceleração inflacionária entre os meses de março a junho que não for incorporada aos salários.

  2. provável ocorrência de inflação em Real após 01/07 e nos meses subseqüentes, que só será incorporada aos salários na próxima data base."

Sobretudo pela aceleração da inflação nos últimos 15 dias de junho, houve significativa perda salarial. Medido pela cesta básica, o salário mínimo perdeu cerca de 17,6% entre a implantação da URV e a implantação do Real.

O caráter concentrador de renda, penalizador dos salários, do Plano Real é manifesto quando se compara o valor da cesta básica, que teve um valor médio de 85 URV entre novembro de 93 e março de 94, e que passou a custar l0l URV em média entre março e junho de 94. Ou seja, o salário mínimo passou a comprar apenas cerca de 65% da cesta básica, quando comprava 76% desta cesta básica antes da implantação da URV, considerando-se, em ambos os casos, que os trabalhadores utilizam todo o salário no dia do recebimento. Como isto não é o que ocorre, na verdade a perda salarial é maior, isto é, os salários recebidos serão corroídos pela inflação dos dias subseqüentes ao recebimento do salário.

Neste ano de Copa e tetra 6, também FHC conseguiu recordes. Seu plano e sua gestão à frente do Ministério da Fazenda resultaram em dois recordes –

  1. o valor mais alto da cesta básica desde que ela começou a ser calculada, em 1990, utilizando-se o dólar como deflator, 106 dólares;

  2. o mais baixo valor do salário mínimo desde que ele foi implantado, em l940, 64,79 dólares. Eis os recordes de FHC e seu plano.

II2 - Câmbio e Tarifas

A fixação da taxa de câmbio e o congelamento das tarifas são dois ingredientes essenciais do Plano Real. Na capacidade de manter estes dois objetivos repousa grande parte do sucesso do Plano Real quanto à redução da inflação. Várias questões se colocam aqui:

  1. quanto tempo é possível manter o câmbio fixo, ou variando nas faixas estreitas, sem criar distorções de preços relativos e sem penalizar o setor exportador?;

  2. quais as conseqüências disto?;

  3. o congelamento das tarifas deu-se em patamar adequado?;

  4. quais as conseqüências do congelamento de tarifas defasadas sobre o desempenho do setor produtivo estatal?;

  5. quais as conseqüências de um congelamento de tarifas e fixação de câmbio sobre a inflação futura?

Parte das respostas a estas questões pode ser antecipada examinando-se o caso argentino, o Plano Cavallo, que também fixou o câmbio. Três anos depois já é possível concluir que o Plano Cavallo foi exitoso na redução da inflação, mas que a fixação da taxa de câmbio e a privatização descabelada levaram a Argentina para uma situação que muito se assemelha à paz dos cemitérios: inflação baixíssima, déficits enormes na Balança Comercial, destruição da estrutura industrial, aumento da pobreza.

Será este o caminho proposto pelo Plano Real? Tudo indica que sim. Admitir a flexibilização do câmbio, corrigir as defasagens tarifárias, são pontos incompatíveis com a lógica do Plano Real. De resto, há um outro objetivo no congelamento das tarifas: precipitar o sucateamento do setor produtivo estatal, justificando assim a sua privatização.

Não há qualquer razão para acreditar que o congelamento das tarifas tenha se dado em um patamar adequado, sobretudo por causa da aceleração dos preços de junho, pela presença da inflação em Real e sobretudo porque categorias do setor produtivo estatal (petroleiros, por exemplo) têm suas datas-base no segundo semestre.

De outro lado, a fixação do câmbio e a sua apreciação resultantes de ações do governo, têm um impacto negativo importante sobre o setor exportador. A redução dos megasuperavits na Balança Comercial tem um impacto considerável sobre a Base Monetária, diminuindo a necessidade de monetização, mas tem um lado complicador sobre um setor que, bem ou mal, sustentou o que houve de desempenho positivo da economia brasileira na década de 80.

Tudo isto aponta para uma constatação fundamental: a consistência e a possibilidade de êxito sustentável de uma política de combate à inflação dependem da articulação de políticas em todos os planos da vida econômica – nos planos fiscal e monetário, nos planos industrial e agrícola, nos planos externo e interno, no plano de uma política de rendas e patrimonial, nos planos da reforma agrária, da distribuição de renda, da Democratização do Estado e das Relações de Trabalho.

II3 - Recessão e desemprego: a política de juros

A manutenção de juros altos é um dos aspectos centrais do Plano Real. Ainda que haja margem de redução dos atuais níveis, a lógica do Plano e a sua eficácia dependem dos juros altos, seja como fator inibidor da expansão da demanda, seja como elemento de retenção de capitais especulativos internacionais que estão engrossando as reservas.

Neste sentido, o sucesso do Plano, a redução da inflação, trará como conseqüências a recessão e o desemprego, o que certamente poderá induzir um crente a rezar – Salvai-nos Senhor, tanto da doença quanto do remédio...

Os formuladores do Plano Real têm medo da bolha de consumo, que, segundo eles, foi um dos fatores do desastre do Plano Cruzado. Na verdade, entre o Cruzado e o Real não há grandes diferenças, sobretudo porque o Cruzado, de fato, resultou no aumento da massa de salários, enquanto que o Real, ao contrário, tem conseqüências concentradoras.

Na verdade o Plano Real fracassará por se limitar a ser um plano de combate à inflação sem alterar a estrutura da economia brasileira, por não significar, de fato, a ampliação do mercado interno, por não propiciar as condições para as reformas estruturais, por não buscar uma inserção soberana da economia brasileira no contexto internacional.

O Plano Real é uma estratégia de combate à inflação que produzirá efeitos durante um certo tempo, isto é, que reduzirá a inflação durante alguns meses, após o que a economia brasileira estará tão excludente, dependente e sem perspectiva como agora, e possivelmente com um novo surto inflacionário.

O Plano Real tem pernas curtas como a mentira; não há qualquer garantia de que a inflação continuará reduzida, justamente porque o Plano Real é uma aposta neoliberal, isto é, uma aposta na continuidade da exclusão.

II4 - Privatização

Também neste particular o Plano Real manifesta os seus fortes vínculos com o neoliberalismo. Há, no Plano Real, a criação de um Fundo de Amortização da Dívida Pública que autoriza a venda sumária de ações de empresas estatais, sem qualquer controle ou critério que não a vontade do governo. O infame processo de privatização de Collor ganha assim um concorrente à altura.

As conseqüências disto de novo podem ser antevistas pela análise da situação argentina, onde foi privatizado literalmente todo o patrimônio estatal. Num caso específico, o do setor de energia elétrica, a privatização assumiu um tom irônico: o sistema de energia elétrica argentino foi comprado pela estatal espanhola de energia elétrica. De qualquer forma, a conseqüência prática da privatização foi a elevação dos preços da energia elétrica, o que, segundo o empresariado argentino, explica em parte a perda de competitividade das exportações argentinas vis-à-vis a brasileira, onde as tarifas de energia elétrica são inferiores às praticadas na Argentina.

Assim, ao lado de todas as razões que já apontamos em outros momentos para rejeitarmos a privatização Collor-Itamar, destaque-se as lições decorrentes da privatização argentina:

  1. os principais setores privatizados são rentáveis o suficiente para mobilizar o interesse inclusive de estatais estrangeiras;

  2. não há qualquer razão para acreditar em melhoria de serviços simplesmente pelo fato de ter havido a privatização;

  3. há evidência de elevação de preços dos serviços após a privatização;

  4. a privatização retira do Estado o controle de setores estratégicos e dinâmicos para o desenvolvimento de países periféricos;

  5. a privatização reforça a concentração da renda, da propriedade e do capital.

Finalmente, a privatização do patrimônio estatal brasileiro retira uma possibilidade fundamental de inversão do uso deste patrimônio, que até aqui só tem beneficiado o grande capital. A privatização, tal como tem sido feita e que é reforçada pelo Plano Real, tem uma inequívoca pretensão de transferir para o grande capital um patrimônio que, nas nossas mãos de um governo democrático e popular, será um instrumento de redução das desigualdades sociais, de retomada do desenvolvimento com base nas distribuições de renda e da riqueza, do resgate da imensa dívida social que as classes dominantes brasileiras contraíram com a grande maioria da população.

III - O que está em Jogo?

O Plano Real é um instrumento eleitoreiro. Sua função básica é levar FHC ao segundo turno. Não há qualquer razão para acreditar na sustentabilidade do Plano. Mais ainda, o sucesso do Plano, a redução da inflação a partir dos seus mecanismos de atuação – juros altos, taxa de câmbio fixa, restrição da base monetária, congelamento de tarifas e salários, liberdade de preços e privatização descabelada – significará recessão, desemprego, concentração da renda e do capital.

É fundamental entender, efetivamente, que o Plano Real é um instrumento que busca garantir a continuidade no governo dos que não tem compromisso com as mudanças profundas que os excluídos reclamam; mais do que isto, o que é preciso denunciar é que a redução da inflação tal como resultante do Plano Real não é a única alternativa de combate à inflação, e sobretudo não é a alternativa que interessa aos trabalhadores e excluídos.

O que está em jogo nestas eleições é a possibilidade real de começar a transformar o Brasil pela vitória de Lula. Nesta luta, é essencial a capacidade de afirmar um projeto de reformas estruturais, que começa por uma política de combate à inflação que não penalize os trabalhadores.

É fundamental que seja mobilizada a base militante, a base orgânica, a inteligência das forças democráticas e populares, para construir um projeto de reformas profundas, o programa de governo. Mas o ponto essencial, hoje, a questão decisiva destas eleições neste momento, é a necessidade de construir uma resposta eficaz e afirmativa ao Plano Real. Esta resposta não é, em hipótese alguma, a convivência com a inflação. A inflação é um mal que sobretudo afeta os trabalhadores. Por isso, é preciso um empenho radical em combatê-la. Contudo, não se deve aceitar os custos sociais e econômicos que o Plano Real impõe; nem as suas implicações e nem, sobretudo, a continuidade da hegemonia política e econômica do grande capital que o Plano Real sanciona.

Deve-se denunciar o Plano Real pelo que ele é: uma estratégia desnacionalizante, um plano do grande capital para perpetuar a sua dominação e que imporá ainda mais sacrifícios aos trabalhadores e excluídos.

O PT e a Frente Brasil Popular pela Cidadania é contra a inflação e não terão no governo qualquer complacência com os seus efeitos e determinantes. Contudo, a sua política de combate à inflação estará comprometida com outros interesses: as reformas estruturais instauradoras da cidadania plena, da distribuição da renda, da riqueza e do poder.

IV - A Superação da Crise e o Projeto Estratégico

A economia brasileira, exitosa por 40 anos em seu modelo expansivo, está, desde 1979, virtualmente estagnada e atravessada por um processo inflacionário persistente a todas as terapias até aqui praticadas. Foram mais de dez planos de estabilização até aqui, desde 1979, variando da mais pura ortodoxia à mais engenhosa heterodoxia, todos eles com o mesmo retumbante fracasso.

À gravidade da crise econômica somam-se hoje outras crises, a crise política, a crise social, tudo isto no contexto de um momento importante no plano internacional, marcado hoje por um processo de reestruturação e disputa de hegemonia, que tornam ainda mais complexas as relações e a inserção do Brasil no conjunto da economia internacional.

À crise econômica se juntam os fatores de inquietação resultantes de seus efeitos sociais: a corrupção, a violência, a degradação sem precedentes das condições de vida, o abandono de nossas crianças e jovens, a ruptura dos laços de solidariedade, o que permite a disseminação na sociedade do ceticismo com a política, do messianismo ou do autoritarismo.

O projeto de reconstrução do país, expressando os interesses dos excluídos de sempre, de luta contra a exclusão social em que vive a grande parte da população, apresenta-se como o único capaz de recuperar a idéia de nação e de vertebrar um Brasil soberano, democrático, economicamente viável e socialmente justo.

Este projeto é uma resposta à crise permanente em que vivem mergulhados o Estado e a sociedade brasileiros, com a sua educação destroçada, a sua defesa comprometida, uma moeda (indexada) para os ricos e outra (podre) para os pobres.

O prolongado período de crise que o país enfrenta e a natureza da mesma indicam que não estamos diante de mais um fenômeno cíclico de recessão, que criaria condições para um novo período de expansão.

Tudo aponta para um fenômeno mais profundo, de esgotamento de um modelo de desenvolvimento – centrado na industrialização substitutiva de importações – que apresentou três grandes momentos: nos anos 30-40, no governo JK 7 e na ditadura militar. Estas três experiências, que contribuíram para o Brasil tornar-se o recordista de crescimento no século XX, foram ao mesmo tempo marcadas por um crescimento excludente, com enorme concentração de renda, acompanhado do reforçamento de um Estado autoritário e privatizado, e pela supressão ou, no mínimo, tutela da democracia. Cada uma dessas experiências se viu confrontada com seus próprios limites, pondo na ordem do dia a questão das reformas estruturais. Em cada uma dessas circunstâncias históricas de crise não houve forças sociais e políticas à altura do desafio das reformas estruturais.

Hoje, talvez pela primeira vez na história republicana, esta força existe. O desafio pode ser enfrentado, ainda que as condições para fazê-lo sejam difíceis.

Estão pois criadas as condições para que os trabalhadores hegemonizem um novo projeto de desenvolvimento, radicalmente distinto dos anteriores.

É fundamental entender que não existem soluções neutras e universais para os problemas econômico-sociais, que cada solução é resultado de uma determinada concepção teórica, de uma determinada escolha social e de uma determinada hegemonia política, que a solução que se der para a crise será também o encaminhamento de tendências e opções de médio e longo prazos.

Significa dizer que o enfrentamento da crise econômica, do ponto de vista dos trabalhadores, deverá ser a explicitação de um novo projeto de desenvolvimento baseado na distribuição da riqueza e do poder e na melhoria da qualidade de vida.

É fundamental que se tenha em conta que a crise econômica atual, expressa na super-inflação resistente à variadas terapias, na expansão do desemprego e na recessão, é a crise de um determinado modelo econômico na medida em que é a crise dos seus principais mecanismos de financiamento: o gasto estatal e o acesso ao capital estrangeiro.

Neste sentido, as soluções que se mobilizem contra a crise ou serão soluções globais, isto é, soluções que tanto enfrentem o dado emergencial, a ameaça de uma hiper-inflação, quanto apontem na direção de um novo modelo de desenvolvimento, ou não estarão à altura do desafio colocado. Trata-se de entender que o combate à inflação não é um objetivo em si mesmo senão que é um momento do processo maior da reestruturação da economia do ponto de vista dos interesses populares.

As Reformas Estruturais são as plataformas para o relançamento do Brasil como país capaz de garantir a democracia e a cidadania plena a todos os brasileiros. Isto se realizará por meio de:

  1. Uma política salarial que eleve o salário real e a participação da massa de salários na renda nacional;

  2. Políticas agrária, agrícola e de segurança alimentar que garantam a terra, o trabalho, a renda e a cidadania dos trabalhadores do campo e a produção de alimentos a preços acessíveis à totalidade da população;

  3. Políticas públicas de saúde, educação, saneamento, transporte, habitação, entre outras, que garantam a ampliação destes direitos e a melhoria da qualidade desses serviços;

  4. Políticas de emprego emergenciais visando minorar os efeitos do aprofundamento da recessão em curso;

  5. Políticas de garantia da cidadania para crianças e adolescentes, hoje condenados à violência da fome.

Estas políticas sociais devem estar integradas de forma tal que o centro da política econômica seja a retomada do crescimento com redistribuição de renda e com a recuperação e preservação do meio ambiente. Isto implica uma nova política industrial e investimentos para o desenvolvimento científico e tecnológico. A política de estabilização deve estar subordinada a este conjunto de reformas estruturais e à desativação das bombas do endividamento externo e interno. Não haverá solução da crise brasileira, do ponto de vista dos trabalhadores, sem uma clara denúncia da Dívidas Externa e Interna, sem a busca de inserção soberana do Brasil na nova ordem econômica internacional.

Um programa alternativo à crise jamais nascerá desconectado de ampla mobilização social. Como projeto, será uma obra consciente de milhões de brasileiros com sede de justiça e igualdade.


1 - Fernando Henrique Cardoso (Nota do WebMaster - N.W.)

2- Unidade Real de Valor (multiplicador utilizado na equiparação das moedas brasileiras Cruzeiro e Real) (N.W.)

3 - Folha de São Paulo (N.W.)

4 - Antônio Carlos Magalhães (N.W.)

5 - Partido da Frente Liberal (N.W.)

6 - Copa do Mundo de Futebol, 1994. Quarta vitória brasileira da competição. (N.W.)

7 - Juscelino Kubitschek, foi Presidente do Brasil de 1955 a 1960. (N.W.)


Caro Leitor, esperamos que a leitura deste artigo, pertencente à Revista Práxis número 2, editada em Setembro de 1994, tenha sido proveitosa e agradável.

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