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| Resenha:BADIOU, ALAIN Para Uma Nova Teoria do SujeitoRio de Janeiro, Ed. Relume-Dumará, 1994.
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Ronald Rocha
Ronald_Rocha@revistapraxis.cjb.net
Sociólogo, membro da Editoria da Revista Práxis.
No segundo semestre de 1993, Alain Badiou ― ex-membro do PCF(a), professor da Universidade de Vincennes-St. Denis e do Collège International de Philosophie, atual responsável pela coleção L'Ordre Philosophique das Éditions du Seuil ― fez um ciclo de onze conferências em várias cidades do Brasil. A Relume-Dumará(b) resolveu editá-las em livro, apresentando um canal de acesso didático e abrangente às idéias contidas em seus últimos trabalhos: L'être et l'Événement, L'éthique e Conditions.
Diz-se que se trata de um "pensamento verdadeiramente único na atualidade". Cabe indagar: onde e até que ponto semelhante afirmativa encontra sustentação? Ao expor a "situação da filosofia no mundo contemporâneo", Badiou descarta o marxismo e a psicanálise sob o argumento de que não seriam "verdadeiras tendências filosóficas". Lacan, de fato, já o tinha declarado. Mas como eliminar, em uma frase lacônica ("o marxismo evidentemente esgotou sua capacidade filosófica"), o debate complexo e, para o próprio percurso de Badiou, irrecusável, sobre o conteúdo e o sentido da obra de Marx?
Eis o decreto que permite um novo ponto de partida no que o autor chama de "herança principal": "a de Heidegger, de um lado, e a de Carnap e Quine de outro". O seu esforço caminha na direção de conservar "o que a hermenêutica pôde dizer de admirável sobre o sentido da existência, sobre o tempo ou sobre o poema" e "o que a filosofia analítica pôde dizer de admirável sobre a linguagem, sobre a lógica e sobre a ciência." Mas um projeto intelectual transparece: "É preciso ir além da filosofia hermenêutica e além da analítica." Assim, a intenção de buscar uma novidade percorre os mais diversos campos de pensamento ― estética, poesia, matemática, psicanálise, política ― nos quais os desejos do universal e do risco acabam exigindo uma certa reserva em relação, respectivamente, ao irracionalismo contemporâneo e ao positivismo lógico.
Surge, de início, um problema. Badiou reivindica "que a filosofia seja uma filosofia do evento". Que "toda verdade" dependa "do acaso de um evento", seja "uma espécie de buraco no saber", suscetível de ser pensada mas nunca conhecida, cujo processo apenas "se deixa verdadeiramente pensar [...] com meios poéticos" avessos ao "juízo" e distinto, à maneira de Heidegger, do "conhecimento ou ciência", defina-se como novidade ancorada em um "suplemento" sempre "entregue ao acaso" e portanto "imprevisível", de tal modo que interromperia a repetição. O sujeito seria por definição antiteleológico: algo "que fixa um evento indecidível", isto é, "um enunciado em forma de aposta", que apenas residiria na aventura assumida. Seria, em suma, "o ato local de uma verdade", um "fragmento de acaso" que jamais se "pode saber".
Assim, o âmbito filosófico do autor tem algo a ver com a crítica pós-nietzschiana de Heidegger à metafísica, que na Europa é a referência da esquizo-visão pós-moderna. Existe inclusive uma identidade assumida com Gilles Deleuze e Stanley Cavell no que diz respeito ao pensamento centrado na invenção de quadros conceituais. Contudo, sabe-se que tal postura é, via de regra, hostil à "metafísica". Como então entender a inflexão neoplatônica de Badiou no terreno das matemáticas, que as toma como uma forma de pensamento apenas capaz de tangenciar "o ser nela mesma"? Que nega qualquer "distinção" entre "sujeito cognoscitivo e 'objeto' conhecido", como se fosse desprovida de "pertinência"? Que, no esforço anti-aristotélico, prescreve uma ontologia da repugnância aos parâmetros exteriores ao pensamento, bem como à toda hipótese de continuidade e construtibilidade? Que identifica, de maneira mecânica e absoluta, o pensar e o ser no âmbito de uma primazia inconteste do acaso e do subjetivo?
Vê-se a celebração unilateral e paroxísmica de um dos termos do binômio moderno assinalado por Baudelaire: "o transitório, o fugidio, o contingente". E o que teria sido feito da outra "metade", indescartável? Onde achar "o eterno e o imutável"? Para o autor, apenas na imortalidade advinda de uma excedência do sujeito e na infinitude da verdade inconhecível. Sobra uma hipertrofia intuicionista e formalista que reproduz os contornos da crise cultural contemporânea. Talvez o elo buscado entre Platão e a pós-modernidade tenha encontrado um jeito de se impor nos meandros da concepção de sujeito como "fragmento do acaso", cujo ato "in-diferente" consiste tão somente na "pura escolha entre dois indiscerníveis". Eis onde o subjetivismo se afirma e, ao mesmo tempo, encontra o limite para se admitir finito. É neste momento que o próprio sujeito abdica de ser uma decisão do pensamento e transita para o féretro do Homem real.
A elaboração de Badiou caminha no fio da navalha, entre o diálogo aberto e o ecletismo, mas sempre buscando sínteses altamente reducionistas e portanto esquemáticas. Ademais, guarda um elo com o passado althusseriano ao compartilhar, não a "convicção da existência inelutável da filosofia", mas uma démarche onde as idéias se alimentam e se constróem de si e por si próprias. À proposição de Althusser, que não hesitou em dissolver a verdade no conhecimento do tipo racionalista, o autor indica uma reforma também epistemológica: uma "de-sutura" que prossegue no autismo dos pensamentos infensos à práxis.
As teses políticas de Badiou sugerem uma lógica. Ao recusar os partidos e a participação por princípio nas disputas parlamentares, recoloca o velho medo ― aqui a repetição não se interrompe? ― de ver a política desfalecer na estrutura do Estado. Por via de conseqüência, defende o abstencionismo como dogma. Propõe a indiferença em relação às instituições de poder. Recusa radicalmente a idéia de representação. Prega uma "política sem partido". E critica os direitos humanos como fórmula que considera o Homem como mero animal. Curiosamente, o espontaneísmo se transmuta em retórica voluntarista: "Trata-se de produzir e de organizar no povo rupturas subjetivas. E assim concretizar, aqui e agora, o definhamento do Estado." O leitor poderá fazer um exercício teórico estimulante: como a "filosofia do evento" se articula com o neo-anarquismo?
Notas
(a) - Partido Comunista Francês. (Nota do WebMaster da Revista Práxis na Internet - NW) [ Voltar - Volver - To Return ]
(b) - Editora Relume-Dumará, São Paulo. (NW) [ Voltar - Volver - To Return ]
Caro Leitor, esperamos que a leitura desta resenha, pertencente à Revista Práxis número 2, editada em 1994, tenha sido proveitosa e agradável. São permitidas a reprodução, distribuição e impressão deste texto com a devida e inalienável citação da sua origem. Direitos Reservados ©. ou leia a Página de Endereços para Contatos.
Néliton Azevedo, Editor, WebMaster.
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