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Trabalho dos Bancários no Mundo da Eletrônica e do Dinheiro 1

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Nise Jinkings
Nise_Jinkings@revistapraxis.cjb.net

Socióloga, doutora em Ciências Sociais pela Universidade de Campinas, UNICAMP, autora do livro O Mister de Fazer Dinheiro: Automatização e Subjetividade no Trabalho Bancário, Boitempo Editorial.


Os trabalhadores bancários experimentam peculiaridades nas suas condições de existência, decorrentes do caráter particular de seu objeto de trabalho: a forma dinheiro da mercadoria. Realizam, na sua atividade cotidiana, uma série de operações de registro e controle dos movimentos do capital financeiro, transferindo e redistribuindo os valores excedentes criados durante o processo capitalista de produção. É dessa maneira que viabilizam, com sua força de trabalho, a transformação da mercadoria-dinheiro em capital produtor de juros, num processo fetichizado que toma a aparência de dinheiro criando mais dinheiro.

Com efeito, embora o capital se realize como valor que se acresceu no processo imediato de produção, no fluxo do capital produtor de juros o movimento de valorização do capital-dinheiro aparece dissociado dos processos de produção e circulação do capital, como "fonte misteriosa, autogeradora do juro". Essa, segundo Marx, é "a forma mais reificada, mais fetichista" da relação capitalista porque, nela, as relações sociais de produção ficam totalmente mistificadas e o capital toma a aparência de "dinheiro que gera mais dinheiro", ou seja, valor que se valoriza a si mesmo sem a mediação do trabalho:

"No capital produtor de juros está perfeita e acabada a representação fetichista do capital, a idéia que atribui ao produto acumulado do trabalho e por cima configurado em dinheiro, a força de produzir automaticamente mais-valia em progressão geométrica em virtude de qualidade inata e oculta"2.

Esse processo dominado pela representação fetichista do capital exprime de modo agudo a separação entre o homem e seu trabalho, constitutiva do modo de produção regulado com base na propriedade privada. Marx desenvolveria sua concepção dos significados dessa separação para a vida humana através da noção de trabalho estranhado, sistematizada nos seus Manuscritos Econômicos e Filosóficos de 1844. Contrapõe a atividade produtiva humana em seu sentido mais genérico - relacionamento ativo do homem com a natureza, comum a todas as formas sociais da vida humana - à particularidade do trabalho na sociedade capitalista, cuja finalidade direta e imediata é gerar mais-valor. Partindo do fato contemporâneo de que "o trabalho não produz apenas mercadorias: produz-se a si mesmo e produz o trabalhador como uma mercadoria; e o faz na medida em que produz mercadorias em geral", Marx analisa as manifestações do estranhamento do homem em relação à natureza e à sua atividade, e as conseqüências dessa cisão na relação do homem com os outros homens e com a humanidade em geral.3

Contemporaneamente, as formas através das quais o capital assegura a sua reprodução aprofundam os mecanismos de exploração da força de trabalho, aguçando as relações de dominação e de estranhamento que fundam o capitalismo e opõem o trabalhador assalariado ao capitalista. Formas produtivas apoiadas na revolução informática e em inovações organizacionais que tendem a uma violenta racionalização do trabalho, procuram reproduzir em novas bases as condições do domínio do capital sobre o trabalho, como assinala Francisco Teixeira4. A luta política entre a classe proprietária e a trabalhadora pelo controle do processo produtivo se expressa, nos dias de hoje, muitas vezes, como resistência dos trabalhadores às novas formas de produção de mais-valia postas pelas transformações do trabalho.

A força de trabalho bancária, cujo objeto de trabalho é a mercadoria-dinheiro, lida com a forma mais abstrata e vazia do mundo das mercadorias, que Marx des-mistificou como aquela "que realmente dissimula o caráter social dos trabalhos privados e, em conseqüência, as relações sociais entre os produtores particulares, ao invés de pô-las em evidência"5. Essa especificidade da atividade bancária torna manifesta a estranheza do trabalho e a reificação das relações sociais, mediadas pelo valor de troca ou sua forma autônoma - o dinheiro -, convertida em nexo social básico na sociedade capitalista contemporânea. De fato, ao lidar com o valor na sua forma acabada, num contexto de trabalho controlado e organizado de acordo com as exigências da acumulação do capital, os trabalhadores bancários se defrontam com a fetichização que envolve a produção de mercadorias, na sua expressão extrema.

Os processos de mudança tecnológica e organizacional do trabalho bancário, que se desencadeiam com intensidade nas últimas décadas, agudizam, no setor financeiro, as relações antagônicas e estranhadas constitutivas do modo capitalista de produção. Com efeito, os modernos padrões de racionalização do trabalho implementados nos bancos se revelam, não somente nas suas dimensões econômicas de reorganização do processo de trabalho para maior valorização do capital, mas também nos seus elementos políticos, expressos tanto nos mecanismos ideológicos criados pelo capital para debilitar a resistência dos trabalhadores, como nas lutas sindicais frente às inovações tecnológicas e organizacionais. Assim, os desdobramentos e as particularidades desse movimento contraditório, que integra fatores objetivos e subjetivos, dependerão sempre da luta política entre classes (ou frações de classes) sociais que se defrontam antagonicamente.

A automatização do trabalho bancário se iniciou no Brasil com a criação dos grandes Centros de Processamento de Dados (CPDs), em meados dos anos sessenta, difundindo-se com extrema rapidez no conjunto do sistema financeiro. Impulsionadas pelo movimento da concorrência entre capitais, as novas tecnologias de base micro-eletrônica se generalizam no setor como instrumento de elevação da força produtiva do trabalho e dos lucros das empresas.

Hoje, assiste-se a uma grande disseminação dos serviços de auto-atendimento, através dos quais os clientes dos bancos operam diretamente os terminais de computador com seus cartões magnéticos nos chamados caixas eletrônicos. Desenvolvem-se os sistemas eletrônicos de comunicação com a difusão dos processos on line - que interconectam instantaneamente as agências bancárias - e dos sistemas homebanking, que permitem a realização de operações financeiras mediante a conexão entre o computador do cliente e o do banco. O uso de cartões eletrônicos tende a substituir cada vez mais cheques ou dinheiro em notas como moeda corrente.6

Simultaneamente, imensas redes de informática vão constituindo-se em escala mundial, interconectando instituições bancárias e grandes empresas multinacionais, bem como mobilizando altíssimas somas que circulam velozmente no mercado financeiro internacional. Baseadas no desenvolvimento de sofisticados sistemas tecnológicos de informatização e comunicação, essas redes permitem aos agentes financeiros um controle imediato dos movimentos de seus ativos. Cria-se, então, um mercado de dinheiro dominado pelos grandes conglomerados financeiros privados, que atuam como "criadores de dinheiro", segundo a expressão de Michel Chossudovsky7, num movimento de mundialização dos fluxos financeiros livre da ação dos governos nacionais.

Ao analisar a mecanização do trabalho humano no século XVIII, Marx já assinalava a conversão da ciência em força produtiva do capital e instrumento de sua autovalorização. No que concerne aos trabalhadores fabris, o desenvolvimento científico e tecnológico, em nome do capital, reduzia-os à condição de "complementos vivos de um mecanismo morto" que adquiria existência independente.8

Nos dias de hoje, a mudança tecnológica, que segue regida pela propriedade privada e pela concorrência, capacita o capital a elevar cada vez mais suas taxas de mais-valia, aumentando a exploração do trabalho assalariado. Realizando-se numa forma social que subordina o homem ao capital, o avanço científico e tecnológico submete o trabalhador assalariado às exigências da acumulação capitalista e da maximização do lucro. Ao invés da criação de um tempo disponível para o livre florescimento das capacidades e aptidões dos indivíduos fora do espaço produtivo, a mudança tecnológica sob o capitalismo conduz a um aprofundamento das relações sociais de dominação.9

O saber científico e técnico que inova os ambientes de trabalho no setor bancário torna a grande maioria dos assalariados bancários cada vez mais alheia às finalidades e ao sentido de sua atividade. Com a automatização do seu trabalho, os bancários manipulam símbolos de valor ainda mais voláteis e fantasmagóricos na sua atividade cotidiana: a tradicional matéria prima do seu trabalho, o papel, vai sendo rapidamente substituída por impulsos eletrônicos derivados das memórias dos computadores. E o produto da sua atividade se disfarça, agora, nos dados computadorizados que representam as cifras e os valores da mercadoria-dinheiro em circulação.

A brutal potencialidade produtiva da automação e da micro-eletrônica não se traduz em melhores condições de trabalho para o conjunto dos bancários. As transformações tecnológicas, acopladas às modalidades contemporâneas de organização e controle do trabalho, intensificam e tensionam os ritmos de trabalho nos bancos, produzindo novos problemas de saúde e contribuindo para o aumento dos níveis de desemprego e subemprego no setor. Ao mesmo tempo, tornam-se mais agudas as fragmentações que separam os bancários quanto à qualificação, salário e carreira profissional, fragilizando suas ações de resistência.

Esse processo complexo e contraditório de transformações do trabalho bancário procura adequar as instituições do setor às exigências do movimento contemporâneo de acumulação capitalista, impulsionado pelas políticas liberais de des-regulamentação da economia e pela expansão dos mercados financeiros internacionais. Sob o discurso da necessidade de sua sobrevivência num cenário de intensa concorrência mundial, vão sendo assimilados e praticados nos bancos alguns princípios de racionalização do trabalho inspirados nas experiências japonesas de organização produtiva.

Benjamin Coriat10 sustenta a tese de que a via japonesa de racionalização do trabalho - ou o que ele considera seu núcleo central, o "sistema Toyota" - constitui um conjunto de inovações que incidem, dinamicamente, tanto na organização do trabalho como nas políticas de recursos humanos. Portanto, ao lado de mutações estritamente organizacionais, marcadas pela introdução de processos e mercados de trabalho flexíveis e versáteis - dotados de mobilidade para ajustar a produção e a força de trabalho às exigências do mercado -, o sistema japonês se caracteriza pela criação de formas sofisticadas de controle sobre a força de trabalho que perseguem sua máxima disciplina e eficácia através da interiorização, em cada trabalhador, da ideologia empresarial.11

Objetivando controlar as ações de resistência da classe trabalhadora e obter sua adesão ao projeto contemporâneo de valorização do capital, as empresas modernas desenvolvem um conjunto de estratégias de poder que tornam muitas vezes invisíveis a disciplina e a exploração do trabalho. Para tanto, são construídas relações de trabalho que tentam obscurecer ao máximo a determinação antagônica que funda a apropriação do trabalho pelo capital no decorrer do processo capitalista de produção. Como observa Emílio Gennari:

"O capital tende (...) a construir uma aparente identidade de interesses com o trabalhador coletivo. Identidade através da qual, de um lado, busca ganhar o seu consentimento às duras mudanças que se fazem necessárias para garantir a acumulação e, de outro, oculta a contradição central do sistema entre a socialização da produção, que transforma o trabalho da humanidade num trabalho objetivamente cooperador, e a forma privada de apropriação do valor produzido."12

Nicole Aubert e Vincent de Gaulejac13 assinalam que as novas formas de controle do trabalho engendradas se baseiam na busca da mobilização absoluta do trabalhador nas estratégias mercadológicas das empresas, que se convertem em centros de "canalização energética" para o capital. Segundo os autores, "é a mobilização total do indivíduo que se deseja obter; é não somente sua energia física e afetiva, mas também sua energia psíquica que se procura captar".

Um dos atuais mecanismos concebidos para alcançar a docilidade e a mobilização dos assalariados nos planos autovalorativos do capital é a criação de grupos nos locais de trabalho - dos quais os Círculos de Controle de Qualidade (CCQs) são a forma mais conhecida - com a suposta finalidade de estimular um processo de participação dos trabalhadores nas decisões da empresa. Ao promover a discussão de formas mais racionais de trabalho, esses grupos cumprem uma dupla função: por um lado, possibilitam uma maior apropriação, pelo capital, do saber prático acumulado pelo empregado ao longo de sua atividade laborativa; por outro, devem substituir ou enfraquecer as organizações dos trabalhadores por local de trabalho, tentando credenciar-se como instrumento mais adequado às suas manifestações e reivindicações relativas ao cotidiano produtivo.

Nos bancos, as formas contemporâneas de estruturação e organização dos processos de trabalho, baseadas no modelo japonês, traduzem-se num considerável aumento do controle exercido sobre a força de trabalho. Apoiadas na revolução tecnológica suscitada pelos computadores, vão firmando-se práticas do poder organizacional fundadas em estratégias de dominação que mascaram ao máximo os mecanismos coercitivos das empresas. Algumas dessas estratégias de poder utilizadas se efetivam através do deslocamento, para fora do banco, da origem de pressões e tensões nos ambientes de trabalho bancários. Assim, seriam as exigências da clientela e os movimentos da concorrência entre os conglomerados financeiros que forçariam um aumento de produtividade do trabalho mediante a intensificação do seu ritmo.

Uma série de procedimentos administrativos atua, diariamente, para que a dominação seja introjetada, de forma que o trabalhador passe a exigir de si próprio e dos seus colegas de trabalho uma produtividade máxima. Através de uma retórica de valorização do trabalho e de democratização das políticas de recursos humanos, vão sendo instituídos artifícios para motivação dos funcionários para uma produtividade sempre crescente. A concessão de prêmios de produtividade aos bancários que superarem as metas de produção estabelecidas, o desenvolvimento de um eficiente e sofisticado sistema de comunicação empresa-trabalhador - através de jornais, revistas ou vídeos de ampla circulação nos ambientes de trabalho -, a criação de grupos de "integração funcional" e a generalização do trabalho em equipe14, são alguns dos mecanismos que perseguem o apoio e o envolvimento incondicionais dos trabalhadores nas inovações do setor.

Esses novos modos de controle do trabalho e suas instrumentações de dominação têm significado mudanças nas exigências das instituições bancárias quanto à qualificação - profissional e comportamental - da força de trabalho empregada no setor. Cursos e treinamentos vêm sendo promovidos com freqüência pelos empregadores, destinados a alcançar a "excelência" do atendimento à clientela. Através deles, o trabalhador é compelido a incorporar a concepção de que é da sua eficiência e da satisfação do cliente que dependem os resultados mercadológicos do banco e a segurança do seu emprego.

Note-se que os conglomerados financeiros têm promovido uma série de ajustes em sua estrutura organizativa desde meados dos anos oitenta, quando se sucederam no País diversos programas de estabilização monetária, que atingiam parcialmente os mecanismos de lucratividade dos bancos. Isso porque uma relação necessária de causalidade vinha estabelecendo-se entre índices inflacionários e rentabilidade bancária, em especial nos anos setenta e início dos oitenta, configurando-se um movimento de especulação que se convencionou chamar de ciranda financeira. Nesse sentido, a implantação progressiva do chamado Plano Real, a partir de 1993, tem implicado numa radicalização dos procedimentos de ajustes dos custos operacionais dos conglomerados financeiros.

Ao perseguir a elevação de seus níveis de lucratividade e competitividade num cenário de relativa estabilização monetária, as instituições financeiras adotam amplamente os pressupostos japoneses de que produzir com qualidade significa produzir com maior produtividade, a custos reduzidos. A partir dessa diretriz, os dirigentes do setor sugerem uma redefinição do perfil operacional dos bancos - priorizando o atendimento a clientes potencialmente investidores e a venda de produtos financeiros -, além de uma drástica redução de seu quadro funcional15. Nessa perspectiva, os procedimentos que reorganizam o sistema financeiro nacional restringem crescentemente os serviços e produtos bancários mais sofisticados às camadas sociais de rendas elevadas, considerados clientes preferenciais dos bancos16.

Paralelamente a essa tendência de elitização do atendimento bancário, assiste-se ao aprofundamento dos processos de centralização e concentração de capital no setor. Isso em face de um intensivo movimento de fusões e incorporações entre empresas, que favorece a constituição e o predomínio de grandes conglomerados financeiros privados. Aos poucos, vai adquirindo visibilidade o modelo de sistema bancário concebido pela organização de classe dos banqueiros - Febraban - e concretizado pelas políticas nacionais de inspiração neoliberal que aqui tomam impulso nesta década.

Com efeito, o governo brasileiro tem adotado políticas liberais de abertura econômica e de privatização em setores fundamentais da economia, em consonância com os movimentos expansivos do neoliberalismo em nível mundial. Conforme os interesses do grande capital transnacional, promove uma reordenação produtiva que conduz à desarticulação da estrutura industrial do País e ao predomínio do capital financeiro e de suas estruturas oligopólicas sobre a esfera produtiva. Assim, fomentando ajustes produtivos e processos de fusões e incorporações entre empresas, privatizando instituições estatais, o governo brasileiro segue os preceitos neoliberais para a dinamização do desenvolvimento capitalista. São essas as políticas que têm pautado a constituição de um sistema bancário caracterizado por uma densa concentração do capital privado, altamente informatizado e com uma parca estrutura funcional, além de claramente seletivo na oferta de serviços à população.

Esse movimento contraditório e intenso de transformações, que atinge todas as esferas da vida social, muda em profundidade as condições de existência dos trabalhadores bancários e repercute sobre seus traços constitutivos como categoria profissional. De fato, modifica-se rapidamente o perfil da força de trabalho empregada no setor diante das mutações tecnológicas e organizacionais dos conglomerados financeiros. Nas medidas adotadas para reestruturar o sistema financeiro nacional, vão sendo demitidos, prioritariamente, os trabalhadores menos qualificados e aqueles que resistem à efetiva incorporação do ideário patronal. Ao mesmo tempo, cresce a demanda por profissionais com capacidade de gerenciamento e de compreensão dos movimentos do mercado financeiro, aptos a um atendimento personalizado aos clientes preferenciais dos bancos.

As mais recentes pesquisas sobre o perfil da categoria bancária17 têm assinalado mudanças significativas que apontam para a constituição de uma força de trabalho mais qualificada e propensa a aderir às finalidades lucrativas dos bancos, nos anos noventa. Têm diminuído visivelmente a quantidade de escriturários, caixas e chefias intermediárias - a massa de trabalhadores vinculada aos serviços operacionais e administrativos -, enquanto aumentado, em termos relativos, o número de técnicos e de gerentes especializados em mercado financeiro.

Acopladas às modificações na estrutura funcional das instituições financeiras, delineiam-se mudanças significativas nas características individuais e na forma de ser dos trabalhadores. Conforme pesquisa realizada no final dos anos setenta pelo Dieese18, a categoria bancária do Estado de São Paulo era predominantemente solteira (66%) e se situava numa posição de relativa dependência econômica na família, tinha uma idade média de 26 anos, 64% de trabalhadores do sexo masculino e um nível de escolaridade razoavelmente alto, com 81% possuindo no mínimo o segundo grau e 13% o superior completo.

Já a pesquisa elaborada em 1996 pelo Instituto Datafolha19, que abrangeu todas as regiões do País, apresenta um perfil bastante distinto de trabalhador. Mesmo levando-se em consideração as especificidades locais do setor, que dificultam a comparação entre os resultados das duas pesquisas - uma restrita ao Estado de São Paulo, outra de dimensão nacional -, as conclusões dos estudos permitem apontar algumas tendências gerais de mudança nas características pessoais dos bancários. A força de trabalho empregada atualmente nos bancos, conforme a pesquisa Datafolha, tem uma idade média de 32 anos e 59% de pessoas do sexo masculino, é majoritariamente casada (60%) e principal responsável pelas despesas da família (57%). Possui um nível de escolaridade extremamente alto, já que 66% têm formação universitária e 3% cursaram pós-graduação.

Não seria demasiado afirmar que as agudas diferenças de perfil observadas recentemente vêm delineando-se desde os anos oitenta, quando se intensificaram as inovações tecnológicas, organizacionais e financeiras no setor. No decurso de aproximadamente quinze anos, a categoria bancária foi metamorfoseando-se em uma força de trabalho com maior grau de instrução, idade média mais alta, casada e principal responsável pelas despesas da casa, em sua ampla maioria. Ao mesmo tempo, enquanto que em 1979 mais da metade dos bancários não possuía sequer quatro anos na profissão, em 1996 eles trabalham em média há onze anos no setor e 66% têm intenção de seguir carreira no banco ao qual está vinculado20.

Quanto à divisão sexual do trabalho, é interessante notar que a categoria bancária veio seguindo um movimento de feminização, à medida que se desenvolviam os processos de mudança tecnológica e organizacional do trabalho bancário. Esse fenômeno ocorreu no Brasil em relativa concomitância com o que se observava no sistema financeiro mundial nas últimas décadas, quando aumentou crescentemente a participação das mulheres na força de trabalho bancária.

Todavia, o incremento do trabalho feminino não tem significado uma igualdade de condições de carreira e salário entre homens e mulheres nos bancos, como analisa Liliana Segnini21. Segundo a autora, uma série de mecanismos sociais de discriminação - reproduzidos e intensificados nos ambientes de trabalho - estabelecem relações de dominação e de exploração mais intensas sobre o trabalho feminino, que se traduzem em desigualdades e segmentações entre gêneros.

As mulheres representavam cerca de 36% da força de trabalho bancária no Estado de São Paulo, em 1979, com uma nítida concentração nas faixas inferiores de salário22. A participação feminina no trabalho dos bancos cresceu rapidamente no decorrer da década de oitenta e em 1992 chegava a 46,8% em São Paulo, de acordo com dados do Iades23. No entanto, as pesquisas posteriores de perfil da categoria (Seade/Dieese, 1994; Datafolha, 1996) têm assinalado uma tendência de redução na quantidade de mulheres trabalhadoras nos bancos. Elas representam, agora, cerca de 41% dos bancários do País, conforme o levantamento do Datafolha.

Os movimentos de automatização e de reorganização produtiva incidem agudamente sobre os níveis de emprego no setor bancário. As agências tendem a transformar-se em grandes caixas eletrônicos, tornando descartável uma significativa parcela dos trabalhadores. Favorecidos pelo desenvolvimento tecnológico, os programas de ajustes operacionais reduzem ao máximo a estrutura administrativa e os quadros funcionais das instituições financeiras. Fechamento de agências, de centrais de processamento de dados, de serviços e de compensação, além da extinção de setores inteiros no interior das empresas, significam demissões em massa no setor. Tal movimento de expulsão de enormes contingentes da força de trabalho bancária vai se agravando com as fusões e incorporações entre empresas, além das ameaças ou processos de privatização nos bancos estatais. Enquanto crescem em poderio econômico os grandes conglomerados financeiros privados24, o emprego nos bancos vem apresentando taxas negativas na última década e a quantidade de assalariados do setor diminuiu de 824.316 em 1989 para 532 mil em junho de 1996 25.

À problemática do desemprego se soma a do subemprego, que atinge cada vez maiores contingentes de trabalhadores nos bancos. Isso diante da utilização rotineira de práticas flexíveis de contratação da força de trabalho nas empresas financeiras, sempre inspiradas no modelo japonês. Seja na forma de subcontratação, trabalho por tarefas ou em tempo parcial, esse novo padrão de relação salarial significa precariedade do emprego e do salário, des-regulamentação das condições de trabalho e perda de direitos sociais para os empregados sob tal regime. Do ponto de vista do capital, todavia, tais formas de contratação se adaptam perfeitamente aos seus objetivos auto-expansivos, na medida em que permitem às empresas ganhos enormes de produtividade e de extração de mais-valia. Ao mesmo tempo, atingem fortemente a capacidade de resistência da classe trabalhadora, fragmentando-a violentamente e dificultando sua organização sindical.

Nos bancos, a cisão entre a força de trabalho regularmente contratada e aquela empregada pelos métodos flexíveis adquire concretude quando se observa suas diferentes condições de trabalho. Recebendo salários abaixo dos níveis médios da categoria e em geral trabalhando em condições diversas quanto à jornada e ritmo das atividades, os subempregados não desfrutam de direitos conquistados pelos bancários no decorrer de suas lutas sindicais.

Estudando a especificidade dessas modernas formas de contratação no setor financeiro, Manoel Blanco26 apontou como mecanismos mais comumente utilizados nos bancos para redução de custos relativos à força de trabalho: a contratação temporária de trabalhadores vinculados a empresas prestadoras de serviços, a transferência de funcionários do banco para empresas participantes do seu conglomerado, a contratação de estagiários, além da terceirização de atividades consideradas não-estratégicas para a lucratividade da empresa.

O trabalho bancário sempre foi fonte de graves doenças profissionais. Na primeira metade do século, os problemas de saúde mais freqüentemente diagnosticados entre os trabalhadores eram a tuberculose e a chamada "psiconeurose bancária", como informa Letícia Canêdo. Segundo a autora, 23% dos bancários de São Paulo eram portadores de tuberculose em 1938, enquanto que a "psiconeurose bancária" foi diagnosticada em 259 bancários do Rio de Janeiro em 1942, tendo seus sintomas assim descritos na época: "(...) afeta as funções do cérebro, dando fraqueza, dificuldade de concentrar a atenção, dor de cabeça e irritabilidade. Surgem insônias e fobias de várias espécies. (...) O sintoma que domina é a angustia ou excesso de escrúpulo"27.

O processo de racionalização e automatização do trabalho, que se desenvolve intensamente desde os anos sessenta, produziria novos riscos para a saúde do trabalhador bancário. O ritmo intenso de trabalho, a pressão por produtividade e as formas de controle exercidas, a grande carga de responsabilidade (em razão da manipulação de valores alheios, direta ou indiretamente), a exigência dos clientes em caso de atendimento ao público, foram algumas das causas de desgaste físico e mental no trabalho bancário apontadas em pesquisa coordenada por Edith Seligmann-Silva nos anos oitenta28. Paralelamente, assiste-se a um aumento sem precedentes na incidência das chamadas LERs - Lesões por Esforços Repetitivos, dentre as quais se destaca a tenossinovite - entre caixas, digitadores, operadores de telex, funcionários da compensação e outros que realizam movimentos repetitivos no seu cotidiano laboral.

A automatização na produção capitalista tende a produzir um aprofundamento do descontrole do trabalhador sobre sua atividade. Não somente seu ritmo e fluxo são muitas vezes controlados e determinados pelos computadores, como o próprio conhecimento do significado e das fases do processo de trabalho na cadeia produtiva torna-se mais distante do trabalhador. Nos bancos, os equipamentos vão sendo programados para suprir necessidades diversas, regulamentadas por um grande número de normas externas ao seu ambiente de trabalho, que o bancário deve memorizar. A propósito, assinala João Silva Filho:

"Computadores ou painéis automatizados exigem níveis elevados de atenção concentrada e continuada. As exigências de tipo cognitivo (atenção, memória, raciocínio etc.) constituem sobrecarga mental e, nas tarefas menos qualificadas, são escassas ou nulas as possibilidades de sintonia entre o trabalho e os interesses e potenciais psíquicos individuais"29.

Nessa década, a violência dos processos de reestruturação produtiva torna mais dramáticas as condições de vida da classe trabalhadora e seu sofrimento físico e mental. A automatização acelerada e os métodos flexíveis de acumulação de capital, que mudam radicalmente a organização e o conteúdo das atividades e precarizam empregos e salários, traduzem-se em novas estratégias de exploração no mundo do trabalho, que incrementam os agravos à saúde do trabalhador. Seligmann-Silva30 assinala, por exemplo, que doenças cardiovasculares, distúrbios mentais, taxas de suicídio e homicídio tendem a aumentar entre os trabalhadores em períodos de crise econômica e social ou de transformações intensas nos seus ambientes laborais.

Altíssimos níveis de ansiedade e depressão têm se verificado nos locais de trabalho bancários, diante dos programas de reorganização produtiva que disseminam o medo da demissão entre os trabalhadores e a tensão nas relações de trabalho. Nos bancos estatais, as políticas governamentais privatizantes impõem ajustes operacionais que promovem demissões e transferências arbitrárias de funcionários, arrocho salarial e forte pressão por produtividade sobre os que permanecem empregados. As repercussões desse processo sobre a saúde e a vida psicossocial dos bancários se evidenciam no alto índice de suicídios entre a força de trabalho empregada no Banco do Brasil, com mais de vinte ocorrências desde o início de 199531.

A capacidade de organização política e sindical da classe trabalhadora tem sido atingida duramente pelas transformações que movimentam o mundo produtivo. Como assinala Ricardo Antunes32, esse processo engendrou uma classe trabalhadora mais fragmentada e complexificada, cindida entre trabalhadores estáveis e precariamente contratados no mercado informal. Essas segmentações, ao lado da ampla difusão das políticas neoliberais de privatização acelerada e de ajustes econômicos, com seu saldo de desemprego e subemprego, têm contribuído decisivamente para um significativo enfraquecimento da ação sindical, em termos mundiais.

Nos locais de trabalho, a organização dos trabalhadores tem se constituído, historicamente, em um meio de resistência fundamental no enfrentamento aos mecanismos cotidianos da exploração capitalista. Contemporaneamente, as fragmentações e cisões, agudizadas pelas formas atuais da divisão técnica e sexual do trabalho e pelas novas maneiras de contratação, dificultam a articulação e as lutas dos trabalhadores nos seus ambientes de trabalho. A ameaça de desemprego, que ronda os assalariados quando da implementação dos ajustes produtivos, tem sido outro fator de enfraquecimento da resistência nos locais de trabalho.

Paralelamente, as novas estratégias patronais de controle da força de trabalho obscurecem os antagonismos inerentes às relações de produção capitalistas e potenciam o desenvolvimento de obstáculos ao avanço da consciência social dos trabalhadores. Os programas de "qualidade total" e suas estratégias de dominação induzem parte dos assalariados a uma incorporação prática e teórica do ideário empresarial.

Analisando os efeitos dos atuais métodos de racionalização do trabalho sobre a resistência da classe trabalhadora, Francisco Teixeira ressalta:

"(...) as modernas formas de contratação (subcontratação, trabalho domiciliar, trabalho por tarefas, trabalho em tempo parcial etc.) e de gerenciamento (trabalho de equipes, just-in-time, círculos de controle de qualidade etc.) da força de trabalho criam novas condições extremamente favoráveis para um maior domínio e controle do trabalho pelo capital. Com efeito, como essas formas de organização do processo de trabalho só funcionam se os trabalhadores estiverem dispostos a participar das atividades de grupo e a assumir a responsabilidade pelo seu próprio trabalho, elas são, na verdade, mediações criadas pelo capital para quebrar a resistência da classe trabalhadora e, assim, ganhar a confiança dos trabalhadores"33.

Inseridos nessa conjuntura crítica, os trabalhadores bancários praticam novos mecanismos de resistência que se mesclam, muitas vezes, com manifestações de subordinação ou resignação aos interesses do capital nos locais de trabalho.

As direções sindicais bancárias têm buscado intervir na dinâmica tecnológica e organizacional que transforma o trabalho nos bancos. Particularmente no decorrer da última década, multiplicaram-se cursos, seminários e reuniões sindicais por todo o país, com o objetivo de discutir os significados das transformações produtivas e seus efeitos sobre os trabalhadores bancários. Os órgãos da imprensa sindical têm denunciado sistematicamente contradições e antagonismos, nas relações de trabalho, acirrados pelos processos de automatização e de flexibilização. Destaca-se a esse respeito a Folha Bancária Diária, periódico do Sindicato dos Bancários de São Paulo, que se converteu em um importante retrato do movimento cotidiano de resistência dos trabalhadores, registrando protestos e lutas dos bancários nos seus confrontos diários com os banqueiros.

As minutas de reivindicação das convenções coletivas anuais dos bancários passaram a conter cláusulas sobre as inovações tecnológicas e organizacionais a partir de 1982. Surgiam desde questões genéricas relativas a emprego, qualificação, saúde e ganhos de produtividade, até reivindicações mais precisas referentes a gratificações de função e condições especiais de trabalho para digitadores, compensadores, caixas e outros funcionários sujeitos a lesões por esforços repetitivos. A participação dos trabalhadores no processo decisório de introdução das novas tecnologias aparece como reivindicação de destaque desde o final dos anos oitenta. Todavia, nada que signifique um efetivo controle dos bancários e seus dirigentes sindicais sobre as transformações produtivas foi conquistado nas suas negociações salariais anuais com os banqueiros.

Os mecanismos de resistência dos bancários nos seus locais de trabalho não têm sido capazes de impedir o desencadeamento de situações nefastas aos trabalhadores, criadas (ou agravadas) pelas mutações tecnológicas e organizacionais. Defrontando-se com os novos métodos de divisão e racionalização do trabalho, que fragmentam fortemente a categoria e produzem altos níveis de desemprego e subemprego, os bancários têm tido sua capacidade organizativa e mobilizadora nitidamente reduzida.

Nas agências bancárias, os caixas e escriturários vão sendo substituídos rapidamente por gerentes e técnicos em mercado financeiro, tradicionalmente distanciados das lutas sindicais. Os terminais de auto-atendimento e as plataformas de negócios passam a ocupar privilegiadamente os espaços das agências, cada vez mais reduzidos. Por seu lado, os locais que concentravam grandes contingentes de trabalhadores - como centrais de processamento de dados, de serviços e de compensação - vêm sendo sistematicamente esvaziados ou extintos, seja pela menor quantidade de funcionários requerida em face do aprofundamento da automação, seja pelos mecanismos de terceirização do trabalho ali adotados.

Entraves significativos à efetividade dos movimentos grevistas são colocados diante desse cenário de tantas e complexas transformações. Tendo se constituído em forma de pressão fundamental dos trabalhadores bancários ao longo das suas lutas por melhores condições de vida e trabalho, as greves possibilitaram avanços organizativos e no plano de sua consciência sindical. Agora, o desenvolvimento intenso da automação, as mudanças de perfil da força de trabalho, as novas formas de gerenciamento e contratação e o medo da demissão obstaculizam a deflagração de movimentos de massa com ampla participação e adesão dos trabalhadores bancários.

As modernas políticas empresariais e suas táticas de poder, concebidas para mascarar a exploração capitalista do trabalho, vêm produzindo resultados favoráveis ao capital, ao menos parcialmente. No universo bancário, parcela significativa da categoria aspira seguir carreira no banco, alegando, principalmente, gostar da profissão e ter expectativa de crescimento profissional. Essa avaliação é predominante nos bancos privados, onde as práticas da chamada "gestão participativa" são mais intensas. Ali, cerca de 53% dos trabalhadores consideram muito criativa a atividade que desenvolvem e 72% desejam permanecer na profissão, mesmo considerando muito competitivos os ambientes de trabalho34.

É importante notar que diversidades nas relações e condições de trabalho dos empregados nos bancos privados e nos estatais produziram experiências de luta e de organização sindical diferenciadas, convertendo-se em barreiras ao desenvolvimento de uma identidade de classe entre esses trabalhadores. Com efeito, a ausência de critérios claramente estabelecidos nos processos de seleção, promoção e demissão nos bancos privados gerou altos índices de rotatividade e a predominância de baixos salários ali. Nos bancos estatais, a conquista de ingresso via concurso público e os quadros de carreira que sempre orientaram decisões relativas à promoção, conduziram a melhores condições de trabalho e salariais. Essas polarizações implicariam na constituição de perfis profissionais diferentes entre os bancários de bancos privados e de estatais e em práticas sindicais muitas vezes distintas, cindindo econômica e politicamente a categoria35.

As desigualdades apontadas entre as condições de trabalho e de organização sindical nos bancos privados e estatais têm diminuído de importância nos últimos anos. De fato, os programas de "ajustes estruturais" implementados nos bancos estatais têm significado, para os trabalhadores, a perda de direitos ou situações de trabalho conquistados ao longo de muitos anos de lutas sindicais. As relações de trabalho ali estabelecidas, tradicionalmente fundadas na estabilidade e na ascensão profissional segundo critérios regulamentados, vão dando lugar às situações de arbitrariedade características do cotidiano laboral das instituições privadas36. Quanto à capacidade organizativa dos bancários de instituições estatais, que têm exercido papel relevante nas lutas sindicais do conjunto dos trabalhadores do setor, vai sendo fortemente atingida à medida que avança tal processo.

Assim, o movimento de efetivo desmonte das instituições estatais do setor bancário encerra um significado duplo do ponto de vista de seus impactos sobre as ações de resistência dos trabalhadores. De um lado, esta recente proximidade de condições de trabalho facilita ações sindicais conjuntas dos trabalhadores de bancos privados e de estatais, criando maiores possibilidades para o desenvolvimento de sua consciência social. De outro, as repercussões deste movimento sobre a organização sindical dos seus trabalhadores assalariados afeta negativamente a capacidade de resistência de toda a categoria, fragilizando ainda mais o sindicalismo bancário desta década.

Essas são dimensões da ação dos trabalhadores bancários na realidade contemporânea de agudas mudanças nas formas através das quais o capital assegura sua própria reprodução, lesivas à classe trabalhadora e ao seu movimento sindical no conjunto dos países capitalistas. O sindicalismo bancário, centrado nas questões mais imediatas de regulamentação do preço da força de trabalho e das condições de emprego, preso a práticas defensivas que não questionam os fundamentos do domínio capitalista sobre o trabalho, não têm conseguido intervir firmemente no processo de reestruturação tecnológica e organizacional que se desencadeia sob a lógica excludente do capital.

Enquanto se mundializam e intensificam os circuitos do capital monetário, os grandes conglomerados financeiros privados, que os dominam, atuam em função de suas aspirações setoriais de riqueza e poder. A força de trabalho bancária, viabilizando na sua atividade cotidiana esse movimento especulativo que aprofunda a concentração da renda, enfrenta dificuldades crescentes para organizar-se e mobilizar-se em direção a seus interesses de classe.

Inseridos num processo de trabalho cuja finalidade é a metamorfose da mercadoria-dinheiro em capital produtor de juros, os bancários vivem diariamente a representação fetichizada através da qual dinheiro parece gerar mais dinheiro. Ao mesmo tempo, confrontam-se com obstáculos maiores à apreensão do significado de sua atividade e das relações sociais que a envolvem, face ao avassalador movimento de transformações do mundo produtivo. Agora, o produto do seu trabalho se disfarça nos dados computadorizados e impulsos eletrônicos que representam os valores do capital-dinheiro em circulação no mercado financeiro mundializado.

São essas as particularidades do estranhamento do trabalho no ambiente bancário. As relações sociais fetichizadas, que aí se agudizam, potencializam a construção de representações fragmentadas da realidade, que se limitam a expressar o que é de imediato manifesto na vida cotidiana. Por outro lado, no seu confronto diário com o capital, a força de trabalho bancária engendra mecanismos de rebeldia que se expressam na luta sindical e emergem, muitas vezes, espontânea e silenciosamente nos locais de trabalho. Em seu modo de ser contraditório, no interior das relações capitalistas de antagonismo e de dominação, a consciência do trabalho se manifesta, entre os bancários, numa mesclagem de ações de resistência e de subordinação ao capital.


1 - Este trabalho retoma idéias que desenvolvemos no livro O Mister de Fazer Dinheiro: Automatização e Subjetividade no Trabalho Bancário; São Paulo, Boitempo Editorial, 1995.

2 - MARX, Karl. O Capital - Crítica da Economia Política, Livro III, vol. 5, 4a edição. São Paulo, Ed. Difel, 1985, p. 459.

3 - Idem. Manuscritos Econômicos e Filosóficos. Lisboa, Edições 70, 1989.

4 - TEIXEIRA, F.. "Modernidade e Crise: Reestruturação Capitalista ou Fim do Capitalismo?". In: TEIXEIRA, F. e OLIVEIRA, M. (org.); Neoliberalismo e Reestruturação Produtiva: As Novas Determinações do Mundo do Trabalho; São Paulo/ Fortaleza, Ed. Cortez/ Universidade Estadual do Ceará, 1996.

5 - MARX, Karl. O Capital - Crítica da Economia Política, Livro I, vol. 1, 13a ed., Rio de Janeiro, Ed. Bertrand Brasil, 1989, p. 84.

6 - ACCORSI, A.; Automação: Bancos e Bancários (Tese de Mestrado, Faculdade de Economia e Administração da USP, 1990). LARANGEIRA, S.; As Novas Tecnologias e a Ação Sindical no Setor Bancário: As Experiências Britânica e Brasileira; In: ANPOCS - ST05: Perspectivas do Sindicalismo nos Anos 90, Caxambú, 1993 (mimeo.).

7 - CHOSSUDOVSKY, M.. "A Globalização da Pobreza". In: Princípios: Revista Teórica, Política e de Informação, ago/set/out., no 38, São Paulo, Editora Anita, 1995.

8 - MARX, Karl. O Capital - Crítica da Economia Política, livro I, vol. I, 13a ed.. Rio de Janeiro, Editora Bertrand Brasil, 1989.

9 - MANDEL, E.. "Marx, La Crise Actuelle et L'Avenir du Travail Humain". In: Quatrième Internationale, nO 20, maio 1986.

10 - CORIAT, B.. Pensar pelo Avesso: O Modelo Japonês de Trabalho e Organização. Rio de Janeiro, Ed. Revan/ UFRJ Editora, 1994.

11 - A propósito do significado do modelo japonês de racionalização do trabalho, inclusive quanto à sua potencialidade expansiva no mundo ocidental, consultar ainda: HIRATA, H. (org.), Sobre o Modelo Japonês, São Paulo, Edusp, 1993; OLIVER, N. e WILKINSON, B., The Japanisation of British Industry, Oxford, Ed. Blackwell, 1988; GOUNET, T., "Penser à L'Envers Le Capitalisme", in: Dossier Toyotisme, Etudes Marxistes, no 14, Bélgica, maio/1992.

12 - GENNARI, E. "Qualidade Total, As Novas Máscaras do Velho Capital". In: Revista Debate Sindical. São Paulo, Centro de Estudos Sindicais (CES), ano 10, no 24, fev/mar/abril 1997, pp. 34-35.

13 - AUBERT, N. et GAULEJAC, V. de. Le Coût de L'Excellence. Paris, Éditions du Seuil, 1991. Uma cuidadosa análise crítica sobre as formas contemporâneas de organização do trabalho e suas estratégias de dominação e exploração se encontra ainda em SELIGMANN-SILVA, E.; Desgaste Mental no Trabalho Dominado; Rio de Janeiro/São Paulo, Editora UFRJ/ Ed. Cortez, 1994.

14 - Cerca de 85% dos bancários trabalham em equipe, segundo os dados da pesquisa do Instituto DATAFOLHA Perfil do Bancário; São Paulo, 1996 (mimeografado).

15 - DIEESE - Linha Bancários. Os Programas de Qualidade Total e o Setor Bancário. Espírito Santo, 1994 (mimeo.). Esse texto analisa o documento "Qualidade em Atendimento", elaborado pela Comissão de Organização e Métodos da FEBRABAN em 1993, que propõe um novo modelo de sistema bancário para o País.

16 - Note-se, por exemplo, que os últimos requintes da automação bancária - os sistemas homebanking, que permitem transações financeiras através do computador - são usufruídos por apenas 2% da população brasileira. A maioria dos correntistas dos bancos permanece utilizando os caixas tradicionais das agências bancárias, com acesso aos serviços e produtos mais simplificados (Instituto de Pesquisa DATAFOLHA: Avaliação do Atendimento Bancário pela População, op. cit.).

17 - IADES - Instituto de Análise sobre o Desenvolvimento Econômico Social; Perfil da Categoria: Bancários de São Paulo; São Paulo, 1992 (mimeo.). SEADE-DIEESE; "Pesquisa de Emprego e Desemprego"; in: Estudo Especial (SPG-Convênio, Suplemento do Boletim da PED, n- 114); São Paulo, 1994. Instituto de Pesquisa DATAFOLHA; Perfil do Bancário; São Paulo, 1996 (mimeo.). A esse respeito, ver ainda FEBRABAN (Federação Brasileira dos Bancos); Balanço Social dos Bancos - 1994, São Paulo, 1995.

18 - DIEESE - Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos. Profissão: Bancário - Perfil da Categoria. São Paulo, 1980.

19 - Instituto de Pesquisa DATAFOLHA, op. cit..

20 - JINKINGS, N.. "Automação e Subjetividade: A Experiência dos Trabalhadores Bancários". II Congresso Latino-Americano de Sociologia do Trabalho. Águas de Lindóia, 1996 (mimeo.).

21 - SEGNINI, L.. Mulher em Tempo Novo: Mudanças Tecnológicas nas Relações de Trabalho. Tese de Livre-Docência, Faculdade de Educação, Unicamp, 1995.

22 - DIEESE. Profissão: Bancário, Perfil da Categoria, cit..

23 - IADES. Perfil da Categoria: Bancários de São Paulo, cit..

24 - Mesmo perdendo as receitas advindas da "ciranda financeira" em contexto de economia inflacionária, os conglomerados financeiros, em especial os privados, têm mantido seus altos níveis de rentabilidade. Segundo levantamento da consultoria Austin Asis em 210 bancos brasileiros, as instituições obtiveram um lucro líquido de R$ 2,309 bilhões em 1994, R$ 2,196 em 1995 e R$ 2,426 no primeiro semestre de 1996. ("Bancos Mantém a Rentabilidade de 1995". In: Folha de São Paulo, 20/10/96, 2-6).

25 - Folha Bancária Diária, no 3.668, de 04/09/96, Sindicato dos Bancários de São Paulo.

26 - BLANCO, M.. "O Processo de Terceirização nos Bancos". In: SOUZA MARTINS, H. e RAMALHO, J. R.. Terceirização: Diversidade e Negociação no Mundo do Trabalho. São Paulo, Hucitec, 1994.

27 - CANÊDO, L.. O Sindicalismo Bancário em São Paulo. São Paulo, Edições Símbolo, 1978, p. 43.

28 - SELIGMANN-SILVA, E. et al.. Trabalho e Saúde Mental dos Bancários. São Paulo, DIESAT, 1985 (mimeo.).

29 - SILVA FILHO, J. F.. "Subjetividade; Sofrimento Psíquico e Trabalho Bancário". In: A Saúde no Trabalho Bancário. São Paulo, INST, CNB, CUT, 1993, p. 86.

30 - SELIGMANN-SILVA, E.. Desgaste Mental..., cit.

31 - JINKINGS, N.. "Reestruturação Produtiva e Qualidade de Vida". In: O Espelho (Informativo da Comissão de Empresa dos Funcionários do Banco do Brasil), nov/dez/96, n- 157/ jan/97, n- 158.

32 - ANTUNES, R.. Adeus ao Trabalho? - Ensaio sobre as Metamorfoses e a Centralidade do Mundo do Trabalho. São Paulo, Cortez/ Editora da Unicamp, 1995.

33 - TEIXEIRA, F., op. cit., p. 65.

34 - Instituto de Pesquisa DATAFOLHA, op. cit..

35 - Note-se que, ao realizar suas negociações coletivas anuais por banco, desde 1985, os trabalhadores dos bancos estatais organizam suas lutas, no decorrer das campanhas salariais, separadamente do restante da categoria bancária. Tal prática, que resulta muitas vezes em acordos salariais diferenciados para bancários de bancos privados e de estatais, ocasiona um agravamento das desigualdades que fragmentam a categoria. Todavia, estimulou o desenvolvimento de organizações sindicais por banco e por locais de trabalho nos bancos estatais, com repercussões positivas para a capacidade de luta do conjunto dos trabalhadores bancários.

36 - Situações denunciadas com assiduidade na imprensa sindical como típicas dos ambientes dos bancos privados - desrespeito à jornada de trabalho, sobrecarga de tarefas, demissões e transferências arbitrárias etc. - ocorrem agora cotidianamente nos bancos estatais. A propósito, é esclarecedora a constatação do Instituto DATAFOLHA (op. cit.) de que os trabalhadores de bancos federais, sobretudo do Banco do Brasil, são, atualmente, os que realizam horas extras não-remuneradas com maior freqüência.


Caro Leitor, esperamos que a leitura deste artigo, pertencente à Revista Práxis número 11, saida do prelo em Julho de 1998, tenha sido proveitosa e agradável. 1999 é o quinto ano de existência da revista.

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