Néliton Azevedo
Neliton_Azevedo@revistapraxis.cjb.net
Membro da Editoria da Revista Práxis, Webmaster da Revista Práxis na Internet.
Numa carta endereçada ao diretor da revista cubana Revolución, datada de Dezembro de 62, Che Guevara comenta: "Considero que la verdad histórica debe respetarse: fabricada a capricho no conduce a ningún resultado bueno. Por eso me animó a hacerte estas líneas críticas que quierem ser constructivas. Me parece que si hubieras revisado el texto podrían haberse obviado los errores". Seria muito adequado levar essa consideração ao prólogo do livro A Vida Privada do Camarada Mao, de Li Zhisui, médico particular de Mao Tsé Tung. A construção de um personagem histórico é inseparável dos interesses ideológicos de quem o constrói. Tais interesses marcam desde a busca das fontes à sua interpretação. A diferença entre uma construção projetada, voluntária, e uma inconsciente está, muitas vezes, no nível de refino dos detalhes de tal construção. Invertendo o pensamento do Epicuro da Canônica, o Dr. Li Zhisui tenta extrair do observado conclusões concordantes com seus conceitos: sua narrativa é pródiga e farta em detalhes.
Revoluções são reversíveis. As sociais não são exceção. As condições para o retorno ao 'velho regime', modernizado ou não, cristalizam-se quando: - a 'velha ordem' é, em essência, preservada; - a restauração é imposta desde o exterior, em geral pelas potências imperialistas e seus súditos e tarefeiros (revoluções não são exportáveis mas contra-revoluções são; se o 'importador' as aceita ou combate é outra história...); - regenerada desde o interior, quando as estruturas reais de comando se voltam, conscientemente ou não, para esse fim. Nessas condições a estátua do Tzar se refaz. A soma das três partes potencializa o efeito restaurador. As condições objetivas para a manutenção, restauração ou derrota de um regime estão em sua base técnico-material e no nível de organização e poder mobilizante das forças envolvidas em manter, superar ou restaurar tal regime. É importante analisar a evolução dos movimentos sociais da Revolução Peruana de 68, comandada por Velasco Alvarado, e da Revolução dos Cravos, em Portugal, onde os militares, tradicionais agentes da manutenção da ordem burguesa, estiveram empenhados na transformação social.
Quem foi Mao? O 'Maior Marxista do Século', ou um 'revisionista pequeno-burguês'? 'Nenhuma das anteriores'? Se Mao está entre os transformadores ou restauradores, ao longo de cada fase de sua longa vida política, só podemos responder nos debruçando profundamente em sua vida, sua obra, sua influência, enfim com os olhos dialéticos da história. O Dr. Li deve ter muito a dizer-nos sobre tais coisas. Esperamos que o faça, algum dia.
O Dr. Li era, segundo historiadores e memorialistas contemporâneos e seus conterrâneos, "um profissional de competência duvidosa cuja permanência no cargo deveu-se exclusivamente à sua íntima amizade subserviente a Mao". O comentário (veredito?) pode ser muito rigoroso, mas é fato que o Autor manteve-se estável em seu posto por mais de duas décadas, das mais turbulentas de toda a longa história da China. Suas idéias políticas nunca se afinaram com o socialismo.
Com o clima político na China após a morte de Mao, o Dr. Li estava diante de uma encruzilhada: ou defendia seu líder contra as tendências anti-maoistas dos novos líderes ou negava sua própria trajetória. Por opção, esmerou-se em negá-lo. Agradou aos novos mentores. No 'ocidente' sempre existe publicidade para os dissidentes de qualquer perfil. Após a morte de Mao, muitos líderes chineses, vários deles perseguidos, como Deng Shiao Ping, mantiveram o culto ao "Grande Timoneiro", e seguiram com as medidas "pragmáticas", muitas vezes anti-socialistas ("Aprender com o inimigo"; "Estender as mãos ao Ocidente"; "Dois Sistemas, um só País" etc.). Portanto, não havia lugar para ele na China pós-Mao.
O texto insiste em manter-se nos mexericos, assim sua importância é submetida à revelação desses mesmos mexericos. Tem grande importância nos textos memorialistas narrar o que foi vivido, tal como foi sentido e presenciado. É a contribuição de quem viu e ouviu a história para quem pretende analisá-la. As memórias são documentos históricos de mérito.
Talvez o Dr. Zhisui prepare um roteiro para Hollywood. Com muitas cenas eróticas.
Perdeu-se um grande depoimento. Espero que o autor, um dia, escreva um livro contando-nos sua convivência com Mao, em suas dimensões humanas, não demonizadas ou divinizadas.
Caro Leitor, esperamos que a leitura desta resenha, publicada na Revista Práxis número 11, de Julho de 1998, tenha sido proveitosa e agradável.
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Néliton Azevedo, Editor, WebMaster.
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