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Resenha:

DEL ROIO, Marcos

O Império Universal e seus Antípodas

A Ocidentalização do Mundo

São Paulo, Ed. Ícone, 1998, 352 págs.

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Lincoln Secco
Lincoln_Secco@revistapraxis.cjb.net

Membro da Editoria da Revista Práxis.


No grande romance de Thomas Mann, A Montanha Mágica, o maçom italiano Setembrini, repositório da tradição carbonária italiana, dizia haver dois princípios a governar o mundo: o asiático, como sinônimo de força, tirania, estagnação e superstição; e o europeu, como sinônimo de movimento, progresso, liberdade, democracia. Essa dicotomia entre o princípio oriental e o ocidental, base ideológica da trajetória européia desde a Antigüidade, foi estudada pelo historiador Marcos Del Roio em seu mais recente livro: O Império Universal e seus Antípodas. Trata-se de uma tese de doutorado apresentada ao Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo.

A primeira característica do livro que chama a atenção é a escolha da longa duração. Parecerá ousadia demasiada estender o olhar por nove séculos de história! Mas Del Roio não se propôs a construir uma história total desses séculos, mas sim traçá-los a partir de um fio de Ariadne que o conduziu pelos meandros de uma evolução ideológica labiríntica, plena de contradições. É o Ocidente e suas repercussões no plano da história das idéias que interessam ao Autor. Entretanto, tal opção pela longa duração propõe um problema que, embora os resultados obtidos pelo Autor o resolvam a contento, não aparece explicitado numa apresentação metodológica que, certamente, fez falta àqueles que, historiadores profissionais, interessam-se pelo desenvolvimento metodológico de seu campo de saber.

O problema concerne à possibilidade de encontrar-se uma história lenta, quase fora do tempo (para lembrar Braudel), no plano das idéias políticas. É sabido que o tempo longo da Escola dos Annales foi observado na geo-história, na civilização material, nas estruturas econômicas ou de parentesco e, particularmente, nas mentalidades. A política foi inicialmente relegada à história de curta duração. Parece que uma história intelectual não devassa a intimidade das crendices, do folclore e de todos os elementos de diversas temporalidades históricas cristalizados naquilo que Gramsci chamou de "senso comum". O fato é que o senso comum, ao contrário do que pensam alguns adeptos mais apressados daquilo que pensam ser a nova história francesa, não é apenas produto autônomo e separado da atividade das classes subalternas, como se ficasse numa esfera estanque, dissociada da cultura dominante. O senso comum é a leitura menos sistematizada, incoerente, da filosofia gestada pelos de cima. Por isso faz sentido estudar, por exemplo, a trajetória das idéias liberais (como o faz Del Roio) e de suas antíteses, posto que essas idéias conseguiram adquirir capilaridade social, tornar-se orgânicas, vinculadas às classes fundamentais da sociedade.

O Império universal... traça um panorama do processo de ocidentalização do mundo a partir da consolidação do modo de produção feudal, por volta do século XI, em plena Alta Idade Média. A escolha desse momento histórico não poderia ser mais acertada, pois é a culminância do processo de cristianização dos reis e senhores feudais e de formulação da teoria política do poder papal, que começou com a teoria dos dois gládios de Gelásio I (492-496), ou se quisermos ir além, desde que o cristianismo tornou-se uma religião de Estado (por obra do imperador Teodósio) e o bispo de Roma assumiu autoridade sobre os demais. O papa Nicolau II (1058-1061) deu consistência política à teoria da supremacia do poder espiritual sobre o temporal, concentrado poder e riqueza na alta hierarquia eclesiástica, quando restringiu a escolha de seus sucessores a um controlado colégio cardinalício (p. 20). O clímax desse desenvolvimento ocorreu em 1075 quando, para combater a simonia (comércio de bens sagrados) e o nicolaísmo (casamento sacerdotal), o papa Gregório VII preparou o Dictatus Papæ, pelo qual o poder espiritual se sobrepunha ao poder temporal, causando a famosa querela das investiduras com o imperador do Sacro Império Romano Germânico, Henrique IV. Foi com sua excomunhão e, depois, humilhação de Canossa, onde descalço e em trapos, suplicou o perdão papal e foi absolvido (1077), que se estabeleu os contornos políticos da Respublica Christiana. O universalismo eclesiástico na Europa Ocidental foi definido com a concordata de Worms (1122), entre o papa Calixto II e o imperador Henrique V.

Qual a importância desses fatos para a tese central de Del Roio? É a partir daí que se constitui o propósito de construir um imperium mundi do Ocidente cristão. Para criar e reforçar a própria imagem dessa pretensão imperial, são definidos os "outros", os infiéis a serem combatidos e dominados, que podiam ser a mulher, a natureza, o herege, a feiticeira, o diabo, o judeu (o povo deicida) etc.. Essa relação assimétrica de dominação assumiu diferentes formas durante a Idade Média e a Idade Moderna. No século XII, a ordem de Cister propôs a submissão da natureza e a da mulher. Paralelamente, Bernardo de Clairvaux (1090-1153) defendeu a idéia de império universal do Ocidente. A inferiorização do feminino foi realizada através do combate aos cultos celtas da fertilidade. A partir do século XII, é o diabo que aparece como o inimigo, com a finalidade de mobilizar a sociedade para a manutenção da coesão social. Por fim, a própria formação da identidade ocidental foi feita pela invenção de um outro negativo interno (Bizâncio) e um outro negativo externo (mundo mulçumano).

O que há de notável na análise do Autor é que, embora faça uma história de longa duração, em que deve pela própria natureza do objeto dar ênfase mais às continuidades que às rupturas, sua perspectiva teórica marxista o leva a relevar as contínuas ameaças de ruptura da Ordem. O desenvolvimento histórico não aparece como uma linearidade, mas como produto de contradições. Metodologicamente há uma similitude entre o desenvolvimento histórico em geral e o desenvolvimento capitalista em particular, pois assim como o movimento automático de valorização do capital reproduz a força de trabalho simultaneamente como seu elemento estrutural e antagônico, é a própria constituição progressiva do Ocidente que gera os seus rebentos indesejáveis, que o Autor denomina os "antípodas". Eles não são apenas uma invenção dos poderosos, mas realidades tangíveis à medida que as pessoas acreditam neles, tornando-se "universais subjetivos" (Gramsci).

Com o fim da Idade Média, Del Roio acompanha a evolução da sociedade ocidental durante a modernidade, na qual o modo de produção do capital emerge dos interstícios da economia feudal, assim como a burguesia acelera sua marcha rumo à hegemonia. O mundo passa a ser visto como algo dissociado do sujeito, como externalidade que pode ser controlado e dominado. A Inglaterra, pioneira nesse desenvolvimento, efetuou sua revolução burguesa no século XVII, com Cromwell e, depois, com a Revolução gloriosa (1688). Del Roio lança nova luz a esse processo, ao dar importância a fenômenos muitas vezes lidos de forma desconectada da revolução. Tanto quanto a derrota dos realistas em Naseby ou a supressão dos Levellers em Burford, a subalternização da Irlanda cumpriu papel decisivo na criação de um "outro negativo" (p.61). Uma vez limpo o terreno por obra de Cromwell – para falar com Marx –, Locke suplantou Habacuc. Marcos Del Roio vê em Locke a associação de liberdade, igualdade jurídica, propriedade e racionalidade (p.72). Eis o paradigma do liberalismo. Passando pela constituição dos Estados nacionais, chega-se ao próprio percurso da idéia de Ocidente.

As célebres visões do Oriente, tidas por estudiosos e escritores europeus desde o século XVIII, já encaravam o "princípio asiático" como sinônimo de estagnação, onde o governo deveria sempre ser despótico, como dizia Montesquieu. O tema do despotismo "oriental" apareceu em Maquiavel, em relação à servidão turca, e particularmente em Hegel, como antônimo da sociedade ocidental em que vigoravam o progresso e a liberdade.

No século XIX, face à limitada democratização política do liberalismo, surgiu a crítica socialista, que encontrou em Marx seu mais genial formulador. Não vale a pena repisar a análise que Del Roio faz de sua obra, mas certamente é, do ponto de vista teórico, a parte mais forte do livro. A mais polêmica, contudo, é a que abrange o século XX.

A crise do Ocidente, expressa na guerra dos trinta anos do século XX (1914-1945), teve reflexos na involução da democracia liberal e na crise cultural do liberalismo enquanto teoria política (capítulo 4: "A crise do Ocidente e o liberalismo da crise"). De um lado, o fascismo, de outro, a alternativa socialista. Esta é analisada no capítulo 5 ("A refundação da crítica socialista e as revoluções passivas do século XX"). O imperialismo, a teoria revolucionária de Lênin, as críticas de Rosa Luxemburgo ao fechamento da Assembléia Constituinte na Rússia e a natureza da Internacional Comunista (IC) estão neste capítulo convenientemente apresentados, mas a interpretação dos mesmos parece insuficiente.

Como é sabido, os bolcheviques fecharam a Assembléia Constituinte logo depois da Revolução de Outubro. Isso acarretou o seu isolamento político, posto que tal atitude jogou para o campo da oposição extra-legal todas as classes e frações de classes que podiam ser a favor da democracia política, mas não do bolchevismo. A coexistência da ditadura do proletariado exercida pelos soviets com a democracia política, enquanto instrumento de representação de toda a sociedade (e não só dos trabalhadores) não era uma hipótese extemporânea, e nem é um anacronismo da parte dos historiadores, que têm a imensa vantagem face aos contemporâneos de Lênin porque sabem o que aconteceu depois. Entre a condenação total da ditadura do proletariado (Kautski) e sua defesa intransigente (Lênin), houve a proposta dos austromarxistas, notadamente Max Adler.

O resultado foi que o fechamento da Assembléia Constuinte engrossou as fileiras da contra-revolução, naturalmente restrita aos czaristas empedernidos. A guerra civil causou a militarização dos soviets e o esgotamento de sua democracia interna, além disso eliminou fisicamente grande parte da vanguarda operária. Embora o Autor mostre a crítica de Rosa Luxemburgo, não parece dar ao fato uma grande importância.

Quanto à IC, as palavras bastam para mostrar que Del Roio a idealiza: "A IC, menos como forma institucional do movimento de refundação e mais como representação ideológica revolucionária, ao convocar todos os oprimidos da terra contra a dominação das classes dominantes do Ocidente, expressa um humanismo de uma universalidade inaudita na modernidade, englobando e unificando todo o gênero humano num mesmo projeto de emancipação" (p. 261). Ora, aquilo que, retrospectivamente, parece ser um erro, é transformado numa virtude. A IC não nasceu para unificar os "antípodas", mas de uma cisão em seu seio. As famigeradas "21 condições" excluíram aqueles que não concordavam com a política do Partido Comunista (bolchevique). Se concordássemos com a afirmação de Del Roio, onde ficariam os comunistas dos conselhos, os austromarxistas, os sociais-democratas? A conferência das três internacionais (a II Internacional, a Internacional dois e meio e a IC), realizada em Berlim (1922), demonstrou o suficiente o sectarismo dos representantes da IC, mesmo durante a política de Frente Única. É óbvio que devemos tentar compreender a atmosfera da época. A tarefa fundamental dos bolcheviques, depois de fracassada a revolução alemã, era nacional. A construção do socialismo num só país, mais que desvirtuamento monstruoso da teoria marxista, foi um imperativo do momento, que levou, como sabemos, ao desastre. Mas isso não nos permite que sejamos complacentes com os erros dos bolcheviques.

A política de Frente Única, adotada nos anos vinte, tentou recolocar a luta socialista contra o reformismo no terreno da democracia liberal (p. 267). Seguiram-na o sectarismo e, em meados dos anos trinta, a Frente Única Antifascista, propugnada por Dimitrov. O pós-guerra assistiu aos trinta anos gloriosos, aos quais seguiu-se a crise econômica que colocou em cheque o mundo que nos foi legado pelo século XX. O declínio da política social-democrata, o fim da União Soviética e o vigoroso ascenso do neoliberalismo são expressões desse final de século. Para Del Roio, a alternativa socialista se viu prisioneira de um "reformismo social sem reformas substantivas" e de "uma oposição comunista incapaz de gestar uma subjetividade antagônica à revolução passiva no Ocidente e no Oriente" (p. 322).

Sintoma da fragilidade socialista foi a vitória neoliberal que, levada ao paroxismo, rompe com a própria carapaça democrática que foi sua marca no final do século XIX. "Em extraordinária medida adequada à ordem do capital e à alta cultura burguesa, o movimento operário e socialista não consegue mais do que propor débeis variantes de reformismo social-democrata, ou então manter-se recolhido numa situação de impotente resistência" (p. 332). O Autor não adentra a questão de como reconstituir o movimento socialista a partir do aprendizado da quebra de sua primeira onda histórica (1917-1989). Concordaremos com a idéia de que os comunistas, como dizia Karl Marx, não formam um partido à parte da classe operária e de que a luta de classes nasce instintivamente das condições da produção capitalista? Ou pensaremos, como Lênin e Lukács, trabalhando com a consciência atribuída da classe operária, supostamente expressa na sua vanguarda comunista? Ou ainda criaremos algo de totalmente inovador? Muitas perguntas sem respostas.

O que é certo para Marcos Del Roio é que só os antípodas gerados pela trajetória do Ocidente rumo à realização suprema da utopia do império liberal universal, mais próxima agora com a des-territorialização do capital e o avanço do individualismo proprietário na forma de um consumo individualizado e de massa ao mesmo tempo, podem dissolver o imperium mundi. O seu livro, malgrado as críticas que podemos endereçar-lhe, é um empreendimento ousado, e por isso mesmo mais sujeito a erros e admoestações do que as obras menores. Não é sempre que os historiadores enfrentam o desafio dos grandes temas, muito menos freqüente é fazê-lo com rigor. Del Roio conseguiu, e seu trabalho, embora produzido no interior da universidade, é uma contribuição para o resgate à crítica socialista ao capitalismo e para armar aqueles que se dispuserem ao difícil papel de antípodas do capital.


Caro Leitor, esperamos que a leitura deste artigo, pertencente à Revista Práxis número 11, de Julho de 1998, tenha sido proveitosa e agradável.

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