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| Resenha:ANTUNES, Ricardo (org.) Neoliberalismo, Trabalho e SindicatosReestruturação Produtiva no Brasil e na InglaterraSão Paulo, Ed. Boitempo, 1997. | ![]() ![]() ![]() ![]() ![]() ![]() ![]() ![]() |
Fátima Cabral
Fatima_Cabral@revistapraxis.cjb.net
Departamento de Sociologia e Antropologia da UNESP/ Campus de Marília, São Paulo.
Um novo fantasma ronda a Europa e também outras partes do mundo: a ameaça da redução ou perda do emprego. Já se prognosticou, inclusive, o fim do trabalho e da classe trabalhadora.
Trabalhadores de todos os continentes sofrem os traumas e o desapontamento na busca do "emprego para toda a vida". Em todas as pesquisas de opinião pública, o emprego aparece como prioridade, e não faltam análises, especulações e propostas para enfrentar o desafio de algo que, parece, já está tornando-se uma realidade inquestionável: desemprego estrutural globalizado.
Com a intenção de contribuir para o debate de idéias que dizem respeito, no Brasil e no mundo, aos dilemas, desafios e alternativas no âmbito do mundo do trabalho, a Boitempo Editorial acaba de lançar, pela coleção Mundo do Trabalho, o livro Neoliberalismo Trabalho e Sindicatos; Reestruturação Produtiva no Brasil e na Inglaterra, organizado por Ricardo Antunes.
Na arena de debates entre acadêmicos, sindicalistas, jornalistas e políticos, a tendência majoritária tem sido a de buscar uma "saída conciliatória" entre capital e trabalho, através da chamada flexibilização de contrato. Essa prática tem sido encorajada por especialistas de plantão e, inclusive, por iniciativas governamentais , que enfatizam as "vantagens" para o trabalhador, que pode, através de contratos temporários, experimentar outras carreiras e mercados, reciclar-se, passar mais tempo com a família, etc..
No bojo dessa discussão, porém, Neoliberalismo, Trabalho e Sindicatos... se destaca como diferencial analítico na medida em que não adere, pronta e acríticamente, às análises simplistas que não querem dar-se ao trabalho de construir conceitos e alternativas para a crise no mundo do trabalho, que é, indubitavelmente, a crise no mundo do capital.
A publicação em destaque é, portanto, uma inspiração e um desafio a reflexões mais profundas com o objetivo de procurar enfrentar estratégias ofensivas, ao invés de relações que meramente acomodam por um certo tempo os problemas cotidianos nos limites do capitalismo.
De nítida inspiração marxista, a coleção Mundo do Trabalho se propõe a publicar "estudos que se contrapõem claramente à lógica destrutiva que preside o mundo contemporâneo. Assume um caráter acentuadamente contrário ao capital e faz uma constante denúncia das formas de (des)sociabilização presentes no capitalismo e que atingem imensamente a classe-que-vive-do-trabalho. " (Editorial)
Originalmente, os textos dessa primeira publicação condensam debates realizados em Cambridge, Inglaterra, na III Confer. da BRASA (Brazilian Studies Association), em setembro de 1996.
Seus autores dois ingleses e três brasileiros há muitos anos desenvolvem pesquisas na área Trabalho e Sindicalismo, estando envolvidos, há um ano, num intercâmbio que liga o IFCH/ Unicamp e o International Centre for Labour Studies, da Univ. de Manchester.
O fio condutor dos textos, no seu conjunto, é chamar a atenção do leitor para a fragilidade e a falácia dos argumentos liberais, adotados inclusive por boa parte dos sindicalistas (no Brasil, isso está bastante evidente na Força Sindical e em alguns setores da CUT) que vendem aos trabalhadores a idéia de que a crise é global, sem sujeitos, e que só pode ser enfrentada solidariamente, ou seja, através de negociação entre capital e trabalho. A idéia é que cada parte ceda um pouco: os empresários aceitem diminuir a jornada de trabalho sem diminuir o número de empregados e os trabalhadores aceitem diminuir jornada, salário e direitos duramente conquistados através de séculos de luta.
Fica bastante claro, com a leitura do livro, que se vive uma crise teórica no âmbito da esquerda acadêmica, dos partidos e dos sindicatos, crise essa que revela a incapacidade generalizada desses agentes em articular uma estratégia ofensiva contra tais propostas reformistas que têm, na verdade, contribuído diretamente para o aviltamento ainda maior das condições de trabalho e de vida da maior parte das pessoas.
Cada artigo, em particular, traz dados suficientemente claros para identificar as mudanças que têm ocorrido no processo de trabalho e de produção capitalista, bem como a repercussão material e subjetiva junto aos trabalhadores os traumas, medos e estresse constantes a que tem sido submetido todo aquele que vive do seu trabalho.
Também fica evidente que, especialmente ao longo dos anos oitenta e noventa quando o salto tecnológico impõe novo padrão de produtividade , se perdeu a consciência de que, a despeito de toda e qualquer metamorfose no processo de trabalho ou na forma de controle do capital, esse se define, sempre, em contraposição ao trabalho e ao trabalhador.
Assustados com as mudanças e embalados pela onda liberal, os trabalhadores, individualmente ou na condição de classe, acabaram por assumir, como finalidade de suas vidas, os valores e fins que orientam e expressam a lógica capitalista. É por isso, inclusive, que se pode detectar, em muitos trabalhadores, a disposição em "colaborar" com a empresa nesse momento em que todos, trabalhadores e empresários, "sofrem uma crise que não provocaram", mas que começou a desenvolver-se "naturalmente" em algum canto, sem dar chance de enfrentamento. Trata-se de um fenômeno global, que tem deixado em pânico os trabalhadores e paralizado os conformistas. E, uma vez que tal fenômeno não oferece a menor chance de resistência, dizem esses, tem-se que tomar medidas mais flexíveis em matéria de direitos e benefícios, a fim de conseguir driblar tamanha crise.
Flexibilização, cortes de pessoal, terceirização, trabalho em tempo parcial. Cada uma dessas medidas são analisadas criticamente pelos autores e submetidas à apreciação de trabalhadores que vivenciam a experiência dessa nova economia que, mais enxuta, ainda consegue aumentar sua produtividade. Tal "mágica" é revelada por trabalhadores da British Gas:
"É mudança atrás de mudança. Mas eu não diria que essas mudanças foram realizadas tendo em mente o nosso benefício. Por exemplo, acabaram de instalar essa nova máquina que, se nós a conectarmos ao tubo da caldeira, mede a emissão e nos permite saber se é necessário desmontá-la. Antes, em serviço, nós desmontaríamos cada caldeira. Agora, isso não é mais necessário. Mas não é uma coisa feita para facilitar nosso trabalho. Agora temos de fazer mais coisas em um dia e há menos de nós por aqui." (p. 25).
No setor público, o exemplo fica por conta dos funcionários dos correios. De acordo com Beynon, "Apesar de seu número ter permanecido em torno de 5,2 milhões durante os anos 80, viram seus empregos e acordos de trabalho serem dramaticamente alterados".
As privatizações, como medida de enxugamento do Estado, também têm contribuído para o agravamento da crise do emprego. A primeira atitude do grupo ou empresa adquirente tem sido a de reestruturação, ou seja, de corte de pessoal. Nesse sentido, merece menção a Companhia Vale do Rio Doce: Desde que foi privatizada (maio/97), já demitiu 3.300 funcionários (Folha de São Paulo, 05/01/98, Caderno Negócios, 2,1). Através do Programa de Demissão Voluntária, as grandes empresas vendem aos trabalhadores a idéia de que, com a indenização, esses poderão montar seu próprio negócio, terceirizar-se, reforçando assim a "ideologia da domesticidade", denunciada por Ramalho em seu artigo: "a utilização extensiva da terceirização/ subcontratação conduz a um agravamento das condições de trabalho e a um aumento do grau de informalidade no mercado de trabalho" (p.88).
Nessa nova economia, surge aquilo que Beynon chama "trabalhadores hifenizados". São os part-time-workers (trabalhadores de tempo parcial), os temporary-workers (temporários), casual-workers (emprego casual) e os self-employed-worker (por conta própria). Tais práticas, segundo o autor, têm sido encorajadas tendo como indicativo um mercado progressivamente flexível, mas, na verdade, trata-se de uma abertura de grandes oportunidades para os empregadores (p. 21). Em um tempo em que o trabalho está ficando escasso, mais e mais pessoas estão tendo que perfazer uma jornada mais e mais longa. A flexibilidade pode, então, ser vista como um "contrato faustiano", já que o trabalhador troca tempo por dinheiro e passa muito tempo ganhando sem poder viver a vida plenamente (p. 23).
O tempo-livre para o trabalhador que aceita diminuição da jornada de trabalho acaba tornando-se, na verdade, um tempo que ocupa com trabalhos muito mais aviltantes e des-realizantes do que aquele que possivelmente já desempenhava. Premido pela insegurança econômica e pela ameaça constante de perda do emprego, o trabalhador tem que se sujeitar a inúmeros "bicos" para tentar precaver-se contra tempos mais difíceis. Essa é apenas uma das grandes contradições nessa nova economia, mas que tem sido freqüentemente e oportunisticamente ignorada.
Outro aspecto dessa nova ordem econômica, debatido pelos autores, é o sindicato. Todas as mudanças no mundo do trabalho, como não poderia deixar de ser, atingem diretamente o sindicalismo. Nesse sentido, esse livro torna-se leitura obrigatória, particularmente para aqueles que se sentem comprometidos, direta ou indiretamente, com o mundo sindical.
Queda na taxa de sindicalização, aumento do fosso entre sindicalizados e os segmentos não estáveis da força de trabalho e despreparo para organizar aqueles que estão no mercado informal são apenas alguns dos muitos problemas que os sindicatos têm enfrentado no mundo todo. Diante das propostas de des-regulamentação, flexibilização, privatização acelerada, des-industrialização e mercado informal, o sindicato tornou-se mais defensivo em contraposição às atuações mais ofensivas que marcaram as décadas de sessenta e setenta, particularmente no Brasil. Em nosso País, a Força Sindical, como bem demonstra Antunes, é a melhor expressão das práticas sindicais da "nova direita": atua em perfeita sintonia com a onda mundial conservadora.
Em todo o mundo, apontam os autores, houve abandono, inclusive por parte dos sindicatos, da elaboração de propostas econômicas alternativas, contrárias ao padrão de desenvolvimento capitalista, na perspectiva crítica e socialista. Não obstante, é particularmente pelo conjunto daqueles que vivem-do-trabalho que essas questões deverão ser enfrentadas. É preciso, porém, mais do que perplexidade e indignação diante desse mundo em mudança. É preciso ousar pensar soluções que garantam o direito ao trabalho e a uma vida digna no presente mas que, ao mesmo tempo, articule estratégias que ofereçam, para as novas gerações, as bases de desenvolvimento de uma sociedade verdadeiramente humana. Essa é uma tarefa de enormes proporções, imposta ao mundo todo. Talvez, aqui, devêssemos tentar enfrentá-la analisando o desafio lançado por Antunes em seu artigo: "Qual o caminho que o novo sindicalismo brasileiro, nascido no final dos anos 70 e início dos 80 vai adotar: irá negociar dentro da ordem ou contra a ordem?" (p. 82)
Caro Leitor, esperamos que a leitura deste artigo, pertencente à Revista Práxis número 11, de Julho de 1998, tenha sido proveitosa e agradável.
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Néliton Azevedo, Editor, WebMaster.
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