Clique aqui para adicionar esta Página que você está lendo ao seu Menu Favoritos e poder revisitá-la quando desejar
Clique aqui para mandar-nos seu Recado
Clique aqui para Fazer suas Críticas e Comentários ao Texto que está lendo e Mostrar suas Sugestões, Dúvidas e Dificuldades ao Autor
Botão de Múltiplas Funções
Clique aqui para Imprimir a Página que Você está Lendo, escolha quais partes deseja imprimir
Vá para o Artigo Anterior

O encontro de Hegel e Marx com a Economia Política Clássica

Clique aqui para acessar a Página de Pré-Cadastros On-Line para Leitores e Visitantes - Seja Nosso Parceiro na Revista Práxis na Internet
Clique aqui para acessar a Central de Atendimento aos Leitores e Visitantes da Revista Práxis na Internet - Nossa Página Interativa
Clique aqui para Acessar o Menu de Ajudas, Orientações e Dicas da Revista Práxis na Internet
Clique aqui para conhecer outros Artigos e Ensaios escritos pelo Autor e Publicados pela Revista Práxis na Internet
Veja as Estatísticas Gerais da Revista Práxis na Internet
Cadastre-se para Receber nosso Boletim Periódico, via e-mail
Clique aqui para falar ao vivo com o WebMaster da Revista Práxis na Internet
Vá para o Próximo Artigo

Francisco José Soares Teixeira
Francisco_Teixeira@revistapraxis.cjb.net

Economista, professor da Universidade Estadual do Ceará, pesquisador do Sistema Nacional de Emprego/Ce (SINE) e sócio da Revista Práxis.


I - Critérios para uma avaliação sobre a leitura da Economia Política por Hegel

No seu sentido bem geral, a Filosofia do Direito1 é a exposição das diversas figuras assumidas pela vontade, desde as mais simples e abstratas até alcançar as mais ricas e cada vez mais concretas2. Na realidade, estas figuras são expressão de um processo histórico, no qual a vontade realiza uma verdadeira odisséia na sua luta para efetivar-se como vontade verdadeiramente livre.

O ponto de partida dessa odisséia, como se sabe, são as formas imediatas de apropriação: a posse e a propriedade. Através dessas formas, o homem se dirige ao mundo e nele realiza sua vontade, enquanto direito universal absoluto, de apossar-se de toda e qualquer coisa que o cerca3. Mas esse direito de apropriação, para falar de acordo com Hegel, não é senão a expressão de uma vontade particular, portanto, arbitrária e contingente. Com efeito, na posse, o que está em jogo é tão somente uma relação da vontade consigo mesma, na medida em que sua ação (da vontade) leva em conta unicamente o prazer que a possessão da coisa lhe proporciona. Assim, a efetuação do querer da vontade particular elimina o que há de racional na sua relação com as outras vontades, pois o que lhe importa é exclusivamente a saciação de seus desejos, paixões e instintos particulares.

Entretanto, a vontade não pode permanecer fechada nela mesma, não pode viver apenas da sua relação unilateral com as coisas. De fato, toda e qualquer ação introduz alterações na realidade empírica, o que obriga a vontade a reconhecer as ações de outras vontades, sob pena de não conseguir realizar seus próprios desejos e paixões. O ato de apropriar-se de algo implica excluir o outro desse ato, o que pode privar uma das vontades da possibilidade de satisfazer seus carecimentos e desejos. De sorte que, assim sendo, somente quando a vontade reconhecer, voluntariamente, o direito de posse de outras vontades poderá atribuir à coisa o predicado de ser sua propriedade. Pode, então, afirmar: "esta coisa é minha, aquela é de outrem".

A propriedade, portanto, rompe com os limites da vontade na sua ação unilateral e a põe em relação com outras vontades. Esse reconhecimento, todavia, permanece precário, contingente, porque da mesma forma que se pode reconhecer alguém como proprietário de alguma coisa, pode-se também deixar de reconhecê-lo como tal. Daí porque a propriedade só pode ser assegurada mediante a instituição do contrato, que obriga todos os indivíduos a se reconhecerem como proprietários. E só pode fazê-lo na condição de ser posto por uma vontade exterior à dos proprietários, ou seja, se assumir a forma de lei, se for posto pelo Estado. Portanto, o ato de reconhecimento implícito, exigido pela relação de propriedade, não se funda numa relação interna, portanto necessária. Por tudo isso, no âmbito das formas abstratas de apropriação, a vontade não é verdadeiramente livre, posto que sua relação com as outras vontades permanece uma relação de exterioridade.

Mas, como o homem é um ser da reflexão, isto é, não está vinculado ao imediato, quer saber e experimentar se seus impulsos estão de acordo com o que desejou realizar no mundo externo. Por conta disso, a vontade é levada a regressar de sua existência exterior imediata para dentro de si mesma para perguntar e inquirir pelas razões daquilo que ela se deu na sua existência empírica imediata. É quando, então, para falar com Hegel, começa a passagem da faculdade inferior de desejar para a superior. Noutras palavras, trata-se da passagem da vontade da sua esfera imediata para o domínio da subjetividade, ou seja, da moralidade subjetiva. Nessa esfera, a vontade moral realiza o seu trabalho de julgar e criticar a realidade objetiva, abrindo, dessa forma, espaço para a construção de uma vida verdadeiramente livre. Esse poder de julgamento da vontade moral prepara o terreno para a vontade entrar no reino da organicidade da vida ética e, portanto, descobrir-se como sujeito de suas ações. É assim que a vontade se torna sujeito de suas ações, pois aprendeu, na longa travessia que realizou, a conhecer-se como capaz de agir sobre si mesma, sobre o mundo que ela deu a si própria.

A estruturação desse mundo ético tem sua base de sustentação primeira na família, cuja função consiste em preparar os indivíduos para uma vida partilhada socialmente. Entretanto, quando passam a viver fora da unidade familiar, engolfam-se numa luta autodestrutiva, posto que cada um passa a ver o outro apenas como meio para a realização de seus fins particulares. A despeito disso, acontece que cada um só poderá realizar seus fins particulares se entrar em relações de cooperação com os demais, de tal sorte que quanto mais o indivíduo trabalhar para si, mais descobre que sua atividade depende do trabalho de todos. Falando em termos mais concretos, essa interdependência é expressão da divisão social do trabalho, que vincula todos os indivíduos numa grande cadeia de relações interativas de modo que só fazendo parte dela cada particularidade pode assegurar sua sobrevivência.

Hegel vê essa dialética da divisão do trabalho como um meio pelo qual os indivíduos aprendem a querer o que é universal. E mais ainda quando descobrem que só através da associação de suas atividades afins em corporações podem defender seus interesses particulares. Só na corporação, diz Hegel, cada indivíduo encontra as condições necessárias para fazer-se cidadão consciente politicamente de seu papel na sociedade, porque aí é honrado no que tem de mais caro: sua profissão, que o possibilita a participar na colaboração para a construção do universal. É nesse sentido, que Hegel vai dizer que a economia é uma dimensão fundamental da vida humana para a interiorização da vida ética. Essa interiorização é, contudo, ainda contingente. De fato, a universalidade produzida pela vida econômica é só um meio utilizado pelas vontades particulares para atender aos seus fins egoístas. Por isso, a vontade precisa construir outras instâncias sociais para que a universalidade possa de fato efetivar-se e, assim, realizar concretamente a verdadeira liberdade. Essa instância é o Estado.

Esse breve resumo sobre a odisséia da vontade deverá servir para mostrar ao leitor o lugar, dentro do sistema de Hegel, a partir de onde se pode fazer uma avaliação crítica de sua leitura da Economia Política Clássica (EPC). Tudo indica que não poderá haver dúvida quanto ao fato de que a Filosofia do Direito (FD) é de onde se deve partir para fazer-se tal avaliação. Realmente, viu-se que a vida econômica é uma esfera fundamental da vida humana na interiorização da vida ética. Sendo assim, é nessa obra que Hegel tem que expor o seu pensamento econômico, de forma acabada, para que possa demonstrar a mediação da economia na construção da eticidade. Para isso, terá que estabelecer um diálogo com os economistas clássicos, pois a teoria econômica é um produto do pensamento científico, do pensamento não-filosófico.

Se, por um lado, a Filosofia do Direito é o ponto de onde se deve partir para avaliar a leitura da EPC por Hegel, por outro lado, nessa obra não se encontra uma única citação dos autores (Smith, Ricardo e Say) que ele acusa ter lido. Por conta disto, torna-se obrigatório expor, ainda que em linhas bem gerais, o núcleo central da teoria dos economistas clássicos, para que se possa avaliar, em suas conseqüências, a leitura que ele faz da economia.

Infelizmente, os economistas clássicos não chegaram a concluir o edifício teórico da EPC. E o que parece mais grave: deixaram em aberto certas questões que chegam até mesmo a comprometer o núcleo racional dessa ciência. Já que Hegel, ao que tudo indica, não tomou conhecimento desse fato, é necessário elucidá-lo, pois disso depende a avaliação que aqui se faz do diálogo que ele estabelece com essa ciência.

Para atender a essa exigência, há que se recorrer a Marx, uma vez que foi ele quem, de fato, re-trabalhou as categorias da EPC e, assim, explicitou as limitações e contradições dessa ciência. Sem essa mediação do pensamento de Marx, a avaliação da leitura de Hegel fica, sem dúvida, comprometida. E o que parece mais importante, é justamente tal mediação que possibilitará comparar as leituras que ele e Hegel fizeram dos economistas clássicos. E não só isto: tal comparação poderá ajudar a lançar luzes sobre o debate acerca da relação entre ciência e filosofia. Noutras palavras, a partir daí, espera-se vir a contribuir para esclarecer a relação entre o discurso filosófico e o discurso do entendimento, evidentemente, nesses dois pensadores.

Para orientar o leitor nessa discussão, este texto foi dividido da seguinte forma. Em primeiro lugar, pretende-se expor o núcleo racional da EPC e, ao mesmo tempo, as deficiências e contradições em que se viram enredados Adam Smith e Ricardo. Em seguida, procurar-se-á, tendo a leitura de Marx como referência, expor as razões dessas contradições. Depois, então, é que será avaliada a leitura de Hegel.

II - A teoria do Valor, segundo a EPC

Partindo das diferentes formas aparentes da riqueza social (salário, lucro, renda da terra e juros), a EPC procura reduzi-las a seu elemento comum: o trabalho. Noutras palavras, partindo do valor de troca, a EPC chega ao valor e daí à sua fonte: as quantidades de trabalho despendidas na produção das mercadorias.

Para demonstrar que o trabalho é a verdadeira fonte do valor, Adam Smith4 idealiza a existência de um estado hipotético habitado por caçadores, que vivem da troca dos produtos de seus diferentes trabalhos. De posse dessa ficção teórica, intenta demonstrar que as quantidades de trabalho inseridas nas mercadorias são as únicas regras que os homens devem observar ao permutar seus diferentes produtos. Nesse estado original, onde não há propriedade privada da terra nem acumulação de capital, não havia, portanto, patrões nem empregados, o valor do produto do trabalho pertencia integralmente a quem o produzia. Nessas condições, como diz Smith, "todo o produto do trabalho pertence ao trabalhador; e a quantidade de trabalho normalmente empregada em adquirir ou produzir uma mercadoria é a única circunstância capaz de regular ou determinar as quantidades de trabalho que ele normalmente deve comprar, comandar ou pelo qual deve ser trocado"5. Na ausência de propriedade privada, o valor produzido pelo trabalhador lhe pertence integralmente e, por isso, o valor de sua mercadoria é igual à quantidade de trabalho nela inserida, ou igual à quantidade certa de trabalho que essa mesma mercadoria pode comandar ou adquirir. Em vista disso, a remuneração que cada um recebe por seu trabalho, para falar em termos smithianos, é igual ao valor do produto. Ou, preferindo-se: salário e valor são duas grandezas iguais. Nessas condições, a troca obedece ao princípio da equivalência.

Entretanto, Smith6 é levado a reconhecer que esse princípio perde sua validade na sociedade capitalista. Nessa, porque dividida entre proprietários e não-proprietários7, o produto do trabalho não mais pertence integralmente a quem o produz, ao trabalhador, pois, agora, ele é obrigado a ceder parte do que produziu para quem o empregou. A igualdade entre salário e valor do produto deixa de existir. Nesse sentido, a quantidade de trabalho que uma dada mercadoria pode comprar ou comandar é maior do que a quantidade de trabalho nela inserida (contida). Um exemplo esclarece melhor tudo isso. "Suponha-se que em uma mercadoria estão contidas 100 horas de trabalho, proporcionadas por trabalhadores cuja subsistência custa 50 horas de trabalho: então, com essa mercadoria pode-se proporcionar a subsistência de um número de trabalhadores capaz de proporcionar 200 horas de trabalho. Nesse caso, o trabalho contido é 100 e o trabalho ordenado (comandado) é 200"8.

Mas qual desses trabalhos será a medida do valor das mercadorias? O contido ou o comandado? Uma coisa é certa: com o conceito de trabalho comandado, Smith queria dar a conta da troca entre capital e trabalho para mostrar como surge a mais-valia na sociedade capitalista. Mas o seu raciocínio, nesse particular, é tautológico. Com efeito, caso se considere que a mercadoria recebida pelo trabalhador sob a forma de salário é a base explicativa do valor por ela comandado, este último (o valor comandado), para ser conhecido, exige que se conheça primeiro o valor da mercadoria recebida pelo trabalhador. Chega-se, assim, a uma proposição destituída de sentido: o valor depende do valor9.

Adam Smith nada faz para sair desse círculo vicioso. Continua expondo sua teoria do valor sem se importar com as contradições em que se envolve10. De fato, no capítulo VII, em que trata do preço natural e do preço de mercado, volta a sustentar a tese anterior, de que as mercadorias são trocadas umas pelas outras na proporção do tempo de trabalho nelas inseridas, não pela quantidade de trabalho que podem comandar. Surgem, assim, duas teorias do valor: a do trabalho contido e a do trabalho comandado.

Para livrar a teoria de Smith dessas contradições, Ricardo passa a sustentar que, tanto no estado de natureza, como na sociedade capitalista, o valor das mercadorias é determinado pelas quantidades de trabalho nelas inseridas. Noutras palavras, para ele é o conceito de trabalho contido e não o de trabalho comandado que deve ser afirmado na construção da teoria do valor.

Para sustentar que o trabalho contido nas mercadorias é a verdadeira medida do valor, Ricardo elabora o conceito de valor do trabalho. De acordo com esse conceito, o valor do trabalho se mede como o de qualquer outra mercadoria: pelas quantidades de trabalho contidas nos meios de subsistência do trabalhador. Ora, se o trabalho é uma mercadoria como outra qualquer, a troca entre capital e trabalho obedece ao mesmo princípio da troca das mercadorias em geral: troca-se valor por valor, equivalente por equivalente. Conseqüentemente, a lei do valor vale tanto para o rude estado de natureza como para a sociedade capitalista.

Desse modo, Ricardo julga haver resolvido a contradição smithiana e demonstrado que o trabalho contido é a única e verdadeira medida do valor. E o que é mais importante: ao fazer do trabalho contido a única medida do valor, põe fim à falsa idéia, em parte defendida por Smith, de que o salário determina o preço das mercadorias. rechaçar essa concepção foi o seu grande mérito, ao acabar de uma vez por todas com o dogma de que o valor é resultado de uma soma que acrescenta ao salário o lucro do capitalista e a renda do proprietário. Se o valor fosse resultado de uma simples soma não haveria limites para as classes participarem na apropriação do produto, já que cada uma delas poderia receber uma maior fatia simplesmente aumentando as parcelas que compõem essa soma. O sistema seria, assim, um sistema onde não haveria lugar para a luta de classes11.

Superadas as contradições da teoria do valor de Smith, Ricardo tinha agora como tarefa pensar a passagem dos valores aos preços, ou, preferindo-se, analisar como as leis internas do capital se põem no nível da aparência do sistema, isto é, como aparecem na interação dos diversos capitais, na concorrência. Entretanto, como se sabe, ele não consegue realizar com sucesso a passagem da essência para a aparência. Ao tentar realizá-la, acaba por escamotear a origem da mais-valia. Realmente, o modo como calcula a taxa de lucro esconde a idéia do lucro como excedente produzido pelo trabalho. Parte simplesmente do fato de que o valor dos salários é menor do que o valor do produto, sem explicar as razões dessa diferença12.

A origem da mais-valia se torna mais obscura ainda quando se tem presente o modo pelo qual Ricardo concebe o conceito de valor do trabalho. Ao determinar o "valor de trabalho" pelo tempo de trabalho necessário que o trabalhador despende para prover sua subsistência, ele pressupõe que o tempo de trabalho contido nos meios de subsistência é igual ao tempo de trabalho diário que o trabalhador realiza. Ora, essas expressões só são equivalentes quando se trata de trabalho materializado13. São diferentes quando se referem a trabalho materializado e trabalho vivo. Como a troca entre capital e trabalho é uma troca de trabalho vivo (do lado do trabalhador) por trabalho materializado (do lado do capitalista), Ricardo só consegue salvar a teoria do valor de Smith passando por cima da realidade dessa troca. Assim, acaba por mascarar a origem da mais-valia.

Mas o que realmente impede Ricardo de realizar a passagem da essência para a aparência do sistema é o fato de considerar o capital adiantado como se resolvendo unicamente em salários. Por isso, a taxa de lucro que calcula é na verdade a taxa de mais-valia. Ao tomar uma pela outra, descobre que capitais da mesma magnitude só fornecerão lucros iguais se tiverem a mesma composição orgânica. Ora, isto nunca acontece na realidade, que mostra que capitais iguais, mesmo dentro de um determinado ramo, geralmente têm composições distintas. Sendo assim, como sustentar o princípio da igualdade do lucro, que dita que capitais de magnitude igual, pela força da concorrência, devem gerar a mesma quantidade de lucro? É, parece que a teoria do valor, nesse particular, torna-se incompatível com os fenômenos positivos da produção capitalista, com as leis da concorrência.

É assim mesmo que pensa Ricardo. Entretanto, ele não aceita passivamente essa incompatibilidade. A forma pela qual vai tentar superá-la chega a ser desesperadora14. Na seção IV de seu livro, dedicada a tal questão, ele desenvolve um raciocínio extremamente intrincado e obscuro. Supõe que dois homens empregam cada um 100 trabalhadores, por um ano. Em seguida, imagina que um deles emprega seus trabalhadores para cultivar trigo e o outro para produzir máquinas. No fim do ano, ambos dispõem de um produto de mesmo valor, já que foi empregada a mesma quantidade de trabalho. O produtor de trigo vende sua colheita e reembolsa o capital que havia adiantado para pagar os salários de seus 100 trabalhadores. O produtor da máquina não a vende, mas a retém para com ela produzir novas mercadorias. Reembolsado o capital inicial, o produtor de trigo reinicia um novo período de produção, contratando novamente 100 trabalhadores. O produtor de máquinas, por sua vez, contrata no segundo ano novamente 100 trabalhadores, desta feita para trabalhar com a máquina e não mais para produzi-la. O que acontece, então, com o valor de seus respectivos produtos, ao fim do segundo período de produção? Ricardo responde assim: "durante o segundo ano, todos eles terão empregado a mesma quantidade de trabalho, mas os produtos e máquina do fabricante de tecido de lã (...) terão resultado do trabalho de 200 homens empregados por um ano; ou melhor, do trabalho de 100 homens durante dois anos, enquanto o trigo terá sido produzido pelo trabalho de 100 homens durante um ano"15.

Tomando esses resultados, tais como Ricardo os apresenta, é claro que, no fim do segundo ano, o industrial dispõe de um produto que vale duas vezes mais do que o do agricultor. A máquina e o produto dela resultante vale o dobro do trigo. Até aí tudo pode ser explicado com base na teoria do valor: os produtos do fabricante e do agricultor podem ser trocados na proporção do tempo de trabalho neles incorporado; de dois para um. Acontece que nesse caso, o industrial sairia perdendo, pois teve que esperar dois anos para poder reaver seu capital, enquanto que o produtor de trigo recuperou todo o seu capital no final do primeiro ano. Por isso, diz Ricardo, os produtos do agricultor e do fabricante não terão valor na exata proporção da quantidade de trabalho gasto na sua produção; mas numa proporção maior para compensar o tempo que o fabricante levou para recuperar o seu capital.

Assim, Ricardo é forçado a renunciar a entender os fenômenos positivos da produção capitalista. A prova é que foi obrigado a admitir que o trabalho não é a única fonte de valor, como se pode constatar a partir da seção IV do primeiro capítulo de sua obra. O subtítulo traduz muito bem essa sua mudança de postura, ao anunciar claramente que "O princípio de que a quantidade de trabalho empregada na produção de mercadorias regula seu valor relativo é consideravelmente modificado pelo emprego de maquinaria e de outros capitais fixo e duráveis". Tal modificação viria pôr em xeque toda a sua teoria. De fato, se não tinha como justificar que o valor é base sobre a qual se apoiam os preços, Ricardo não poderia explicar as leis de manifestação do capital em nível de sua aparência. Diante disso, só lhe restava uma saída: sustentar a validade da teoria do valor por um ato de fé. É o que se pode deduzir desta passagem: "ao avaliar, portanto, as causas das variações no valor das mercadorias, seria errôneo omitir totalmente o efeito produzido pelo encarecimento ou barateamento do trabalho, mas seria igualmente errôneo atribuir-lhe muita importância. Assim, embora apenas ocasionalmente mencione essa causa na parte restante desta obra, considerarei todas as grandes variações que ocorrem no valor relativo das mercadorias como sendo produzidas pela maior ou menor quantidade de trabalho que, em épocas diferentes, seja necessária para produzi-las"16.

Assim, a tentativa de Ricardo de salvar a teoria do valor de Smith redunda num grande fracasso. A razão desse fracasso se encontra, em grande parte, no método utilizado por Smith e Ricardo. Mas isto é para ser analisado à luz das contribuições de Marx, que serão agora objeto de atenção.

III - O encontro de Marx com A EPC

Qual é, então, a razão do fracasso que sofre a teoria do valor nas mãos de Smith e Ricardo? Noutras palavras, por que os economistas clássicos, que tão bem definiram o princípio segundo o qual o valor das mercadorias é determinado pelas quantidades de trabalho necessárias à sua produção, não foram capazes de levar adiante sua descoberta? Uma das razões, senão a mais importante, deve-se, segundo Marx, ao método utilizado por eles. De acordo com esse pensador, Smith e Ricardo passam por cima das mediações que fundamentam a passagem das formas aparentes de riqueza à sua fonte: ao trabalho. É o que se pode ler na seguinte passagem das Teorias da Mais Valia, onde Marx reconhece que "economia clássica procura pela análise reduzir as diferentes formas de riqueza, fixas e estranhas entre si, à unidade intrínseca delas, despojá-las da configuração em que existem lado a lado, independentes umas das outras; quer apreender a conexão interna que se contrapõe à diversidade das formas da aparência (...) [Entretanto] Nessa análise a economia clássica se contradiz em certos pontos com freqüência de maneira direta, sem elos intermediários, tenta empreender essa redução e demonstrar que as diferentes formas têm a mesma fonte"17.

Desdobrando melhor essa crítica de Marx, o que ele quer mostrar é o fato de que a EPC não conseguiu fazer, com sucesso, o caminho de volta ao ponto de onde partiu. Como assim? A EPC, conforme foi visto antes, foi capaz de, partindo da aparência, chegar à essência. Essa redução é, contudo, insuficiente. Ela (EPC) teria que retornar ainda às formas aparentes da riqueza para, aí, descobrir como as leis da essência se põem nesse nível. Acontece que, para isso, teria que ter tomado essas formas de riquezas como formas historicamente determinadas e não como tendo validade para todas as formas sociais de produção. Infelizmente, o método analítico, com que a crítica e a compreensão têm de iniciar, diz Marx, "não tem interesse em analisar como nascem as diferentes formas, mas em convertê-las, pela análise, à unidade delas, pois parte destas formas como pressupostos dados. Mas a análise é indispensável para se revelar a gênese, para se compreender o processo real de formação nas diferentes fases"18.

A falta de interesse de que fala Marx se deve ao fato de que o método da EPC trabalha com conceitos que nada mais são do que formas impostas ao objeto pelo sujeito do conhecimento. Trabalha, portanto, com generalizações que abstraem todas as diferenças para guardar o que julga que é comum a todo e qualquer objeto dado imediatamente pela experiência. Nesse sentido, o real, para a EPC, é resultado de uma construção e, por isto mesmo, os conceitos são da ordem do pensamento, emprestando à realidade caótica uma racionalidade posta pelo sujeito cognoscente. Daí porque Smith e Ricardo, diante das contradições da realidade capitalista, procuram transformá-las em contradições do pensamento, da teoria mesma. É dessa perspectiva que Ricardo procura eliminar as contradições da teoria Smith.

Sem negar a importância da EPC, que havia organizado a experiência, aparentemente caótica, numa série ordenada de conceitos, Marx, ao dialogar com os economistas clássicos, procura "devolver" à realidade o que lhe foi "tirado" pelo método analítico: as diferenças, que são justamente o que dão vida e movimento ao real. Isso ele o faz investigando como nascem as diferentes formas de riqueza, o que lhe permitiu descobrir que elas são produtos de formas específicas de sociabilidade, que as determinam em consonância com as diferentes condições históricas. Sua investigação, portanto, permite desnaturalizar o método analítico, que concebe as formas abstratas da riqueza capitalistas como formas naturais que regem por igual toda e qualquer forma histórica de sociedade.

Ao conceber as formas de riqueza da sociedade burguesa como formas históricas e não naturais, Marx pôde compreender sua conexão interna como algo de determinado, também, historicamente. Por isso, o movimento que ele realiza, ao passar do valor de troca ao valor e daí ao seu fundamento – ao trabalho –, não é um movimento unicamente do pensamento, como o é na EPC, mas, sim, também da realidade. Ou como ele o diz na Crítica da Economia Política, as categorias estão dadas tanto na realidade efetiva como no cérebro, elas expressam formas de ser. Seu pensamento tem, portanto, peso ontológico.

É assim que Marx enfrenta as limitações e contradições da EPC. Para isso, tem que investir a dialética na economia para obrigá-la a dar conta das contradições, não como sendo produto do pensar, mas, sim, como resultado da realidade capitalista mesma. Afinal de contas, "o processo de troca das mercadorias encerra relações contraditórias e mutuamente exclusivas. O desenvolvimento da mercadoria não suprime essas contradições, mas gera a forma dentro da qual elas podem mover-se. Esse é, em geral, o método com o qual as contradições reais se resolvem. É uma contradição, por exemplo, que um corpo caia constantemente em outro e, com a mesma constância, fuja dele. A elipse é uma das formas de movimento em que essa contradição tanto se realiza como se resolve"19.

Se a contradição é, portanto, inerente à forma capitalista de produção, não há como dela fugir. Sendo assim, cabia a Marx descobrir e expor as formas sociais dentro das quais se movem e se realizam as contradições da realidade capitalista. A EPC já tinha realizado um grande trabalho de pesquisa, o que lhe permitiu revelar, ainda que de maneira incompleta e inadequada, as categorias da sociedade burguesa. Restava ainda captá-las detalhadamente, analisar as suas várias formas de evolução e rastrear sua conexão interna, para em seguida expô-las adequadamente como expressão do movimento do objeto pesquisado, no caso, a sociedade burguesa e suas leis de funcionamento20.

Admitindo-se que O Capital é o momento da exposição das categorias que traduzem o movimento de produção e reprodução da sociedade burguesa, tais categorias são apresentadas numa ordem tal que deve reproduzir a hierarquia lógico-estrutural do sistema burguês de produção. Assim, essa exposição é essencialmente crítica, num duplo sentido: ao expor as determinações do capital, sua estrutura e seu movimento contraditório, essa exposição é uma crítica à realidade existente, pois revela que o capital é uma relação social cuja pretensão de dominação de toda sociedade leva a que os indivíduos se transformem em seu suporte, ao invés de serem seus verdadeiros sujeitos. Por outro lado, ao reproduzir, idealmente, a hierarquia do sistema, Marx pôde confrontar-se criticamente com as teorias que falam dessa realidade: a EPC, na voz de seus maiores representantes (Smith e Ricardo).

No que concerne à sua crítica à EPC, convêm tomar só dois pontos por questão de espaço: 1) o círculo vicioso em que caiu a teoria do valor, quando Smith tenta fazer do trabalho comandado a medida do valor; 2) a relação entre valor e preço, ou preferindo-se: a passagem das leis internas de funcionamento do capital para suas formas de manifestações visíveis. Aqui, serão feitas apenas indicações bem gerais de como Marx enfrenta tais questões.

O esforço ricardiano para livrar a teoria do valor do círculo vicioso em que ela se encontrava nas mãos de Smith, diz Marx, não foi bem sucedido, pois Ricardo continua prisioneiro desse mesmo círculo. Com efeito, a expressão "valor do trabalho" é uma tautologia no sentido de que o trabalho, que é a medida imanente do valor, teria que ter valor21. Para superar esse erro lógico, Marx descobre que o que o trabalhador vende, no mercado, é a sua força de trabalho e não trabalho. Ou como diz Marx: "o que se defronta diretamente ao possuidor de dinheiro, no mercado, não é, de fato, o trabalho, mas o trabalhador. O que este último vende é a sua força de trabalho. Tão logo seu trabalho realmente começa esta já deixou de pertencer-lhe e portanto não pode mais ser vendida por ele"22. E o que é mais importante destacar: se o trabalhador vendesse, de fato, trabalho, e se o seu trabalho fosse realmente pago, como admite Ricardo, não haveria possibilidade do dinheiro, adiantado para comprá-lo, transformar-se em capital.

Quanto à relação entre valor e preço, que tanto preocupou Ricardo, Marx descobre, no preço de produção, a forma social dentro da qual as divergências entre essas duas grandezas encontram sua resolução. Essa forma social mostra que as mercadorias não são vendidas segundo seus valores (C + V + M), mas, sim, de acordo com seus preços de produção, que são a soma do preço de custo (capital adiantado para comprar meios de produção e força de trabalho) mais o lucro médio estabelecido pela partilha do conjunto da mais-valia, segundo a grandeza de cada capital23. O fato de as mercadorias não serem vendidas por seus valores não significa que Marx tenha renunciado à teoria do valor como fundamentação. A incongruência entre preço e valor é uma imposição da realidade mesma. As coisas têm que ser necessariamente assim, pois o capital é uma forma social de produção que separa, espacial e temporalmente, a produção do valor de sua realização. Essa separação nasce do fato de que os elementos do processo de trabalho, meios de produção e força de trabalho, são propriedades privadas, isto é, pertencem a sujeitos econômicos formalmente independentes entre si, e que só entram em relação no mercado. Sendo assim, a mais-valia que cada capital individualmente produz, e que se encontra embutida em suas mercadorias, só pode ser efetivamente por ele apropriada no mercado, quando então é transformada na sua forma dinheiro, que é o que unicamente interessa ao capitalista. Por isso, para cada capital individual, o seu lucro não depende unicamente da mais-valia por ele criada, do trabalho contido nos seus produtos, mas, sim, de quanto pode transformar em dinheiro essa mais-valia gerada no processo de produção. Esse poder é proporcional à magnitude de cada capital, que expressa a força de cada um no seu embate com os demais.

IV - A leitura da EPC por Hegel

1) Diálogo Hegel-Ricardo e Relação Entendimento-Razão

Assim, Marx supera, ao mesmo tempo em que conserva, embora em outro nível, as conquistas teóricas da EPC. Pôde assim fazê-lo porque investiu a dialética na economia para superar as insuficiências próprias do seu método analítico. E Hegel, como dialoga com a EPC? Será que se deu conta das contradições em que se viram enredados os economistas clássicos? Tudo indica que não, pois, para ele, a filosofia não deve imiscuir-se no trabalho das ciências24.

Talvez por isso Hegel tenha tomado acriticamente as categorias da EPC. A prova disso é o uso que faz do conceito ricardiano de "valor do trabalho", para sustentar, com esse conceito, que a determinação quantitativa do tempo de trabalho impede que o trabalhador aliene, com a venda do seu "trabalho", as qualidades que lhes são próprias na sua condição de pessoa25. Ora, viu-se que esse conceito não impediu Ricardo de ferir a teoria do valor-trabalho, como também não evitou que caísse em contradições, que acabaram por questionar a própria validade dessa teoria. Nesse sentido, o uso que Hegel faz desse conceito compromete a Idéia de liberdade. Realmente, a teoria do valor é fundamental para Hegel mostrar que a alienação da propriedade é condição necessária para a efetuação da liberdade, pois sem a troca, diz ele, a vontade não poderá reconhecer-se como senhora de sua própria ação. Entretanto, como a EPC não foi capaz de fundamentar o processo de troca das mercadorias, Hegel não poderia ter usado aquela teoria, tal qual se encontra nas mãos dos economistas clássicos, para defender que a alienabilidade das coisas é uma mediação necessária para a realização da liberdade.

Além de tudo isso, o uso que Hegel faz do conceito ricardiano do "valor do trabalho" traz sérias dificuldades para ele sustentar a afirmação de que a sociedade civil é marcada por um processo dialético, que se traduz numa polarização crescente da miséria, de um lado, e da riqueza, de um outro. Realmente, se, para Ricardo, o tempo de trabalho contido nos meios de subsistência é igual ao tempo de trabalho diário que o trabalhador realiza, não há qualquer possibilidade de exploração. Sendo assim, Hegel não teria como justificar porque um segmento crescente da população é jogado na miséria26. A não ser que entenda que a miséria é produto de uma apropriação desigual e aleatória da riqueza na esfera da circulação27. Se essa pressuposição é correta, o que parece bastante plausível, então, Hegel conseguiu virar a EPC de cabeça para baixo ou, o que é a mesma coisa, anulou as conquistas teóricas dessa ciência. Como assim? Ora, o grande mérito de Smith e Ricardo, a despeito de suas limitações, foi o de situar a produção da riqueza e a do excedente econômico na esfera da produção, desfazendo, assim, o equívoco daquelas teorias que viam a produção do excedente unicamente como um subproduto das trocas mercantis, da circulação das mercadorias.

Diante de tudo isso, não há como duvidar: Hegel deixou intacta as categorias da EPC. Entretanto, o mesmo não se sucede no diálogo que ele estabelece com a Ciência do Direito. De fato, a exemplo do que fizera Marx com a EPC, Hegel investe a dialética nessa ciência e a obriga a auto-superar-se. Realmente, ao expor a injustiça, que decorre da afirmação do direito de propriedade (o dano civil, a fraude e crime), Hegel descobre que ela destrói o próprio Direito, na medida em que essa ciência não tem como apreender o verdadeiro conteúdo do que é justo ou injusto. Tal impossibilidade, comenta ele, é de natureza metodológica, visto que aquela ciência trabalha com um tipo de racionalidade, que não permite apreender a conexão interna entre o universal e o particular, porque os toma numa relação de exterioridade e de acidentalidade. Quanto a isso, Hegel é muito claro quando diz que "no modo da ciência [empírica], em parte, o universal nela contido, o gênero etc., enquanto para si indeterminado, não é por si conexo com o particular, mas ambos são reciprocamente extrínsecos e acidentais, como também as particularidades ligadas são, para si, mutuamente exteriores e acidentais"28. Mais adiante, ele precisa melhor tudo isso quando se refere explicitamente à ciência do Direito. Literalmente: "a ciência do direito, por exemplo, ou o sistema dos impostos diretos ou indiretos exigem decisões últimas exatas que residem fora do caráter determinado em si e para si do conceito e concedem, por isso, espaço à determinação que pode, segundo um princípio, ser concebida assim, e segundo um outro, conceber-se de modo distinto, e não é capaz e algo último e seguro"29.

Se isso impede a Ciência do Direito de responder racionalmente à violência cometida contra o próprio direito, é necessário transcender essa esfera de racionalidade para poder julgar o que verdadeiramente deve ser considerado como justo e injusto. Isso só é possível quando o Direito é visto do âmbito da moralidade, onde a vontade moral julga se as leis instituídas pelo Direito Privado permitem a realização da liberdade enquanto tal. É quando entra em cena a categoria de direito de emergência, através da qual Hegel mostra as contradições que nascem da relação entre Direito Positivo – dentro do qual se circunscreve a institucionalização da liberdade – e a necessidade de realização dos fins privados da vontade moral. Com essa categoria, pois, Hegel mostra a finitude do Direito Privado e sua incapacidade de chegar à verdadeira noção de justiça. Supera, assim, as limitações dessa ciência.

Mas, por que Hegel, a exemplo do que fez com a ciência do direito, não investiu a dialética na EPC? Embora não se tenha uma resposta acabada para essa questão, pode-se sugerir uma pista para respondê-la. A razão mais provável dessa sua relação com a EPC talvez se deva ao fato de que, para ele, o verdadeiro fundamento da sociabilidade se encontra no nível do político, e não da economia. Mas se, para ele, a divisão de trabalho entre ciência e razão deve ser respeitada, por que então investiu a dialética na ciência do Direito? Para manter-se coerente, Hegel deveria ter feito o mesmo com relação à economia. Deixando aos filósofos a tarefa, que lhes cabe por direito, de responder a essa questão, convêm retomar à leitura da economia por Hegel.

2) Hegel e o conceito smithiano de divisão social do trabalho

Como foi antecipado na introdução deste texto, viu-se que a divisão social do trabalho é uma mediação necessária para a interiorização da vida ética. Para demonstrar esse processo de interiorização da "substância ética", Hegel toma o conceito smithiano de mão invisível. Partindo daí, descobre, não só a dialética a partir da qual a particularidade engendra sua negação para afirmar-se somente pela mediação da universalidade, como também o sistema de interdependência universal, que liga os diferentes indivíduos entre si. Esse sistema universal de interdependência entre as diferentes atividades, com suas respectivas profissões, serve para mostrar-lhe que essa conexão se estabelece livremente, sem a imposição de nenhuma autoridade central que dite aos indivíduos o que devem produzir e como produzir. Esses são livres para escolher a profissão que mais se adeqüe às suas habilidades e destrezas naturais. Por isso, essa liberdade de escolha é considerada por Hegel como condição necessária para o desenvolvimento e a efetuação da liberdade. De fato, é essa liberdade que assegura ao indivíduo o direito de escolher o "estado social" (grupo social) do qual pretende ser membro. Porque pode escolher tal "estado social", a corporação nasce assim como uma instância social na qual os indivíduos decidem livremente se associarem para defenderem seus interesses comuns. Daí porque vê a corporação como a segunda unidade constitutiva da Idéia de Liberdade.

Essa leitura hegeliana da divisão social do trabalho é muito semelhante à que Smith realiza. Mas há diferenças entre elas. Para dar conta dessa identidade e dessa diferença, convêm começar pelo que é comum às duas. Ambas tomam a divisão social do trabalho como algo de livre e democrático, porque ninguém está sujeito a nenhuma autoridade despótica, a não ser às leis de mercado, que são as mesmas para qualquer indivíduo produtor de mercadorias. Mas, se a divisão social do trabalho tem esse lado positivo, a divisão técnica do trabalho traz conseqüências nefastas para o trabalhador. Tanto Smith quanto Hegel tinham consciência disso. Smith, por exemplo, reconhece que a especialização numa determinada atividade acaba por transformar o homem num indivíduo sem a mínima capacidade para discutir até mesmo os problemas mais banais da vida. É o que diz em Riqueza das Nações: "a ocupação da maior parte daqueles que vivem de trabalho, isto é, a maioria da população, acaba restringindo-se a algumas operações extremamente simples, cujos efeitos também são, talvez, sempre os mesmos ou mais ou menos os mesmos, não tem nenhuma oportunidade para exercitar sua compreensão ou para exercer seu espírito inventivo no sentido de encontrar meios para eliminar dificuldades que nunca ocorrem (...). A uniformidade de sua vida estagnada naturalmente corrompe a coragem de seu espírito fazendo-o olhar com horror a vida irregular, incerta e cheia de aventuras de um soldado (...). Assim, a habilidade que ele adquiriu em sua ocupação específica parece ter sido adquirida às custas de suas virtudes intelectuais, sociais e marciais"30.

Hegel também tinha consciência das conseqüências negativas da divisão técnica do trabalho. No parágrafo 243 de Filosofia do Direito, reconhece: "se a sociedade civil atua sem obstáculos, aumenta continuamente sua população e sua indústria. Como conseqüência da universalização da interdependência entre os homens (originada de suas necessidades e dos métodos de produção e distribuição dos meios para satisfazê-las), por um lado aumenta a cumulação da riqueza (...), enquanto, por outro lado, aumenta também a especialização e a limitação do trabalho particular e, com isso, a dependência e o abandono das classes ligadas ao trabalho. Isso leva essa classe a ser incapaz de sentir as outras possibilidades e, em particular, as vantagens espirituais da sociedade civil, bem como de desfrutá-las"31.

Smith e Hegel concordam não só em que a divisão técnica do trabalho traz conseqüências nefastas sobre o trabalhador, mas também em que esse problema é um mal inevitável, contra o qual bem pouca coisa se pode fazer. Quanto a isso, Smith não deixa nenhuma dúvida ao afirmar que a mutilação da capacidade espiritual do homem, que a divisão técnica do trabalho acarreta, é um estado "em que inevitavelmente caem os trabalhadores pobres – a grande maioria da população – a menos que o Governo tome algumas providências para impedir que tal aconteça"32. Embora Hegel não faça afirmação alguma nesse sentido na Filosofia do Direito, pode-se dela extrair passagens em que tais conseqüências negativas são relativizadas. Sua compreensão sobre as funções que cabem à corporação é prova disso. Mas, se não se pode tirar dessa sua obra citações claras que apontem na mesma direção em que caminha Smith, na Propedêutica Filosófica tal relativização não poderia ser mais clara quando afirma que o homem, mesmo desempenhando as mais simples e repetitivas tarefas, é capaz de realizar o que há de mais nobre, porque "mostrou obediência, uma renúncia aos seus desejos, inclinações e imaginações"33.

Se Hegel e Smith caminham juntos na compreensão dos efeitos da divisão social e técnica do trabalho, separam-se no que diz respeito à organização das atividades afins em corporações. Smith via na corporação uma associação voltada para defender os interesses de uma classe em relação à outra. Hegel, ao contrário de Smith, via na corporação uma instituição de organização, não de classes, mais de produtores independentes, que se reúnem para defender mutuamente seus interesses. Para que não paire dúvida sobre essas diferentes abordagens, é interessante deixar que o próprio Smith relate sua compreensão sobre as corporações. Ao tratar da determinação do salário monetário, do salário de mercado, diz que "não é difícil prever qual das duas partes, normalmente, leva vantagem na disputa e no poder de forçar a outra a concordar com suas próprias cláusulas. Os patrões, por serem menos numerosos, podem associar-se com maior facilidade; além disso a lei autoriza ou pelo menos não os proíbe, ao passo que para os trabalhadores ela proíbe. Não há leis do parlamento que proíbam os patrões de combinar uma redução dos salários; muitas são, porém, as leis que proíbem as associações para aumentar os salários..."34 Não é esta, certamente, o papel da corporação na leitura de Hegel, conforme foi mostrado anteriormente.

Como resultado de tudo isso, pode-se concluir que a leitura que Hegel realiza da EPC é uma leitura que se funda numa interpretação filosófica da teoria econômica. Realmente, comparando-se sua leitura com a que Marx realiza, parece que não há dúvidas quanto ao fato de que tira da economia somente o que lhe interessa para a exposição da realização da liberdade, ou caso se prefira, para falar de acordo com ele, a exposição da Idéia da Liberdade. Dessa perspectiva, não há, por parte dele, qualquer preocupação em apreender a obra dos economistas na sua unidade, como assim fizera Marx, que rastreou toda a teoria econômica de sua época para reconstrui-la em novo nível e, assim, obrigá-la a reproduzir a dinâmica sócio-econômica da realidade do capital. Enquanto o trabalho de Marx é levar adiante as conquistas teóricas da EPC, o de Hegel é de recolher dessa teoria o que o interessa na construção de seu sistema.

À guisa de conclusão, cabe perguntar se Hegel foi capaz de chegar à categoria de trabalho abstrato, como geralmente alegam seus comentadores35. Categoricamente, a conclusão que se pode tirar é que em Hegel, nem com muito esforço, pode-se encontrar essa categoria. De fato, para ele, o trabalho que assegura à substancialidade ética uma coesão necessária é o trabalho na sua condição de eterna atividade natural do homem com a natureza. Não há, portanto, em Hegel, qualquer distinção entre o trabalho na sua forma capitalista e na sua condição de atividade universal. A prova disso é o fato de que toma as categorias dessa ciência na forma em que os economistas clássicos a conceberam: como tendo validade para qualquer forma social de produção. Ele não se preocupou, como fizera Marx, em desnaturalizar essas categorias para tomá-las como expressão de uma sociabilidade especifica. Por isso, vê a forma capitalista do trabalho tão-somente como um desenvolvimento natural da atividade universal do trabalho. Nesse sentido, pode-se afirmar, sem nenhum constrangimento, que a crítica de Marx, segundo a qual Hegel só viu o lado positivo do trabalho, tem toda razão de ser.


1 - HEGEL, G. W. F.. Principes de La Pholosophie du Droit ou Droit Naturel et Science de L'État en Abrégé. Trad. de Robert Derathé.

2 - Para uma exposição mais detalhada das diversas figuras assumidas pela vontade, ver TEIXEIRA, Francisco José Soares. Economia e Filosofia no Pensamento Político Moderno. Campinas, Editora Pontes, 1995.

3 - "La personne a le droit de placer sa vonlonté dans n'importe quelle chose – qui par là devient la mienne – comme but substantiel de cette chose, puisque celle-ci n'en a pas en elle-même et qu'elle recçoite pour destination et pour âme ma volonté. C'est le droit absolu que l'homme a de s'aproprier toutes choses" (Hegel, G. W. F. Op. cit., & 44, p. 102).

4 - Para uma exposição mais demorada da teoria de Smith, ver TEIXEIRA, Francisco José Soares; "Smith: Lido e Comentado"; in: A Teoria do Valor em Smith e Marx; Fortaleza, Ed. EDUECE, 1992.

5 - SMITH, Adam. A riqueza das nações: investigação sobre sua natureza e suas causas. São Paulo, Ed. Nova Cultural, 1985, p. 77.

6 - Ver SMITH, Adam; op, cit.; especialmente capítulos V, VI, VII e VIII.

7 - "no momento em que o patrimônio ou o capital se acumulou nas mãos de pessoas particulares, algumas delas naturalmente empregarão esse capital para contratar pessoas laboriosas, fornecendo-lhes matérias-primas e subsistência a fim de auferir lucro com a venda do trabalho dessas pessoas ou com aquilo que esse trabalho acrescenta ao valor desses materiais. Ao se trocar o produto acabado por dinheiro ou por trabalho, ou por outros bens, além do que pode ser suficiente para pagar o preço dos materiais e os salários dos trabalhadores, deve resultar algo para pagar os lucros do empresário, pelo seu trabalho e pelo risco que ele assume ao empreender esse negócio". (Id., ib.)

8 - NAPOLEONI, Claudio. Smith, Ricardo e Marx: Considerações sobre a história do pensamento econômico. Rio de Janeiro, Ed. Grall, 1983, p. 98.

9 - "Sabemos que, de acordo com a concepção clássica do salário, ou as quantidades físicas dos bens-salários são consideradas como dadas. O seu valor de troca deve, evidentemente, ser determinado na base do princípio da quantidade de trabalho que comandam. Mas essa quantidade de trabalho só se pode conhecer se se conhecer anteriormente o valor de troca dos bens-salários. Voltamos ao ponto de partida" (BENETTI, Carlo. Valor e Repartição. Coimbra, Ed. Centelha, 1978, pp. 40-41).

10 - Marx chama a atenção para as contradições de Smith ao dizer que ele se move "com grande ingenuidade em contradição contínua. Ora investiga as conexões causais das categorias econômicas ou a estrutura oculta do sistema econômico burguês. Ora junta a essa pesquisa as conexões tais como se exteriorizam na aparência dos fenômenos da concorrência, se manifestam portanto ao observador não científico e, do mesmo modo, ao que na prática está preso e interessado no processo de produção burguesa (...). Isso nele se justifica (...), pois na realidade sua tarefa era dupla. Numa procura penetrar na fisiologia interna da sociedade burguesa e, na outra, empreende várias tentativas: descrever (...) as formas vitais aparentes, externas dessa sociedade e apresentar suas conexões como aparecem exteriormente (...). Uma tarefa interessa-o tanto quanto a outra, daí resultam modos de apresentação absolutamente contraditórios" (MARX, K.. Teorias da Mais-Valia, V. III, pp. 597/8).

11 - "deve-se reconhecer a Ricardo o grande mérito de haver destruído até os fundamentos (...) o velho erro, tão divulgado e gasto, de que o salário determina o preço, falácia rechaçada por Adam Smith e seus predecessores franceses na parte verdadeiramente científica de suas investigações, mas que, não obstante, eles reproduziram nos seus capítulos mais superficiais e de vulgarização" (MARX, Karl. Salário, Preço e Lucro. São Paulo, Ed. Abril Cultural, 1982, p. 152).

12 - Ricardo, diz Marx, "parte da realidade presente da produção capitalista. O valor do trabalho é menor do que o valor do que ele gera (...). Como este fato surge, permanece obscuro. A jornada inteira é maior que o segmento dela requerida para produzir o salário. Não se evidência o porquê" (Teorias..., cit., Vol. II, p. 837).

13 - Consultar o v. II das Teorias da Mais-Valia, Marx, notadamente o cap. XV.

14 - Ver TEIXEIRA, Francisco José Soares. Pensando com Marx: Uma Leitura Crítico-Comentada de 'O capital'. São Paulo, Editora Ensaio, 1995.

15 - RICARDO, David. Princípios de Economia Política e Tributação. São Paulo, Ed. Ed. Nova Cultural, 1985, p. 54.

16 - Idem, ibidem, p. 56.

17 - MARX, K.. Teorias da Mais-Valia. São Paulo, Ed. Difel, 1980-85, V. III, p. 1358. (GN)

18 - Idem, ibidem, p. 1538. (GN)

19 - Idem. O Capital, Liv. I, Vol. I, p. 93. Os grifos são por nossa conta.

20 - No Posfácio da segunda edição de O Capital, Marx apresenta o método dialético, distinguindo o método de exposição do de pesquisa e dando a entender que O Capital é a exposição dos resultados do trabalho de pesquisa.

21 - Se o trabalho tivesse valor, a forma burguesa de produção regeria por igual todas as formas sociais de produção.

22 - Idem, Ibidem, Liv. I, Vol. II, p. 128.

23 - A transformação dos valores em preço é uma questão em aberto no debate acadêmico. Mário Possas, em trabalho publicado pela Ver. de Economia Política, 1982, constrói uma tipologia das principais posturas. Segundo ele, as mais importantes são: 1) a posição neoricardiana, que defende a tese de que a teoria do valor deve ser abandonada, por sua incapacidade de explicar a determinação não-circular da taxa de lucro e dos preços; 2) outra defende a idéia de que a transformação, como aparece em Marx, não é a do valor em preço e sim a da mais-valia em lucro médio; 3) a terceira posição nega a existência de qualquer problema, quer seja de natureza metodológica ou teórica, na passagem efetuada por Marx dos valores aos preços de produção; 4) a quarta posição reconhece que a transformação dos valores em preço é um problema sério e não resolvido (ver TEIXEIRA, F.; "Transformação dos valores em preço: o mau infinito e um debate"; in: Ver. Ensaio, nos 17/18, São Paulo, 1989).

24 - Segundo Ruy Fausto, Hegel não toca nas ciências do entendimento enquanto ciências do entendimento. Nesse sentido, Hegel deixa intacta a Economia Política Clássica. Não é o que se passa com Marx. Esse, diz Fausto, não apenas repensa Smith e Ricardo a partir da dialética, como "submete, também, a dialética às exigências do objeto tal como Smith e Ricardo o revelaram. O pensamento de Marx é ao mesmo tempo crítica do entendimento pela dialética, como crítica da dialética pelo entendimento" (FAUSTO, Ruy. Marx: Lógica e Política. São Paulo, Ed. Brasilense, 1987, Tomo II, p. 173).

25 - Para Hegel, a alienabilidade da propriedade é condição de possibilidade para que a vontade se torne senhora de sua própria ação. A despeito do que se poderia imaginar, a troca não se transforma num processo coisificado, pois, para ele, isso só aconteceria se ela incluísse as determinações substanciais da pessoa, tais como sua personalidade, a liberdade universal do seu querer, bem como sua vida ética e sua religião. Realmente, para ele, "Sont inaliénables les biens ou plutôt les déterminations substantielles, qui constituent ma propre personne, ainsi que l'essence universelle de ma conscience de moi, comme ma personalité en général, la liberté de ma volonté, ma vie éthique, ma religion. Les droits que j'ai sur ces biens ou ces déterminations sont imprescriptibles" (Principes..., cit., pp. 118/9; & 66).

26 - Nossa posição é muito diferente daquela assumida por Aveniri, para quem, em Hegel, "poverty is then not an accidental by-product of civil society; it is inherent in it. Hegel's position on this as critical in the Pholosophy of Rigth as it had been almost twenty years earlier in the Realphilosophie" (AVINERI, Shlomo. Hegel's Theory of modern State. London, Cambrigde University Press, 1972, p. 146.

27 - É claro para Hegel que a participação individual na produção social não se deve exclusivamente a uma apropriação desigual da riqueza na esfera da circulação das mercadorias, das trocas. Dois fatores originários explicam o caráter dessa apropriação desigual. O primeiro deles é o que Hegel designa de patrimônio pessoal, que cada indivíduo formou graças a seu trabalho próprio. O segundo explica a desigualdade da riqueza em conseqüência dos atributos e das aptidões naturais de cada indivíduo. Entretanto, é preciso que se diga que esses fatores são repostos pela dinâmica do processo de acumulação, isto é, são internalizados pela dinâmica da produção e circulação da riqueza, o que reforça a tese de que a apropriação desigual da riqueza é produto do mercado. Ver parágrafo 200 do Principes..., cit..

28 - HEGEL. Enciclopédia das Ciências Filosóficas. Lisboa, Ed. 70, pp. 78-9.

29 - Idem, ibidem, p. 79, & 16.

30 - SMITH, Adam. Op. Cit, p. 213, Vol. II.

31 - HEGEL, G. W. F. Principes..., cit., p. 250, & 243.

32 - SMITH, Adam. Op. cit., pp. 213/4.

33 - Propedêutica Filosófica, p. 315.

34 - SMITH, Adam. Op. cit., pp. 92/3, Vol. I.

35 - Ver AVINERI, Shlomo. Hegel's Theory..., cit. Ver também ROSENFIELD, Denis L.. Política e Liberdade em Hegel. São Paulo, Ed. Brasiliense, 1983.


Caro Leitor, esperamos que a leitura deste artigo, pertencente à Revista Práxis número 11, saida do prelo em Julho de 1998, tenha sido proveitosa e agradável. 1999 é o quinto ano de existência da revista.

São permitidas a reprodução, distribuição e impressão deste texto com a devida e inalienável citação da sua origem. Direitos Reservados ©.


Leitor, fale-nos sobre você
(About you)
Qual o seu nome? (What is your name?)

Qual a sua cidade/estado/país? (Where are you from?)

Qual o seu e-mail? (E-mail address?)


Escreva seus Comentários aqui. (Your Comments)


Ir ao Tôpo da Página Retornar ao início da página

Primeira Página da Revista Práxis Clique aqui para acessar a Primeira Página da Revista Práxis na Internet.Página que contém Instruções e Dicas da Revista Práxis na Internet

Características da Revista Práxis Clique aqui para conhecer as Características da Revista Práxis na Internet.Página que contém Instruções e Dicas da Revista Práxis na Internet

Conteúdo por Tomos Clique aqui para acessar o Conteúdo por Tomos da Revista Práxis na Internet.Página que contém Instruções e Dicas da Revista Práxis na Internet

Conteúdo do Tomo 11 Clique aqui para acessar o Conteúdo do Tomo 11 da Revista Práxis na Internet.

Conteúdo da Revista Práxis en la Internet Conheça a Conteúdo Completo da Revista Práxis na Internet, divisões por Temas, Obras e Autores.Contém Informações e Ajuda da Revista Práxis na Internet

Lista de Autores Clique aqui para acessar a Lista de Autores publicados pela Revista Práxis na Internet.

Lista de Artigos e Ensaios Clique aqui para acessar a Lista de Artigos e Ensaios publicados na Revista Práxis na Internet.

Conteúdo por Assuntos da Revista Práxis na Internet Clique aqui para acessar o Conteúdo por Assuntos da Revista Práxis na Internet.


Envie um e-mail à Revista PráxisPara contatar a Revista Práxis mande um e-mail para rvpraxis@gold.com.br

      ou leia a Página de Endereços para Contatos.

Envie um e-mail ao WebMasterPara contatar o WebMaster da Revista Práxis na Internet mande um e-mail para: wmpraxis@horizontes.net


Navegando pelas páginas já visitadas


Contrôle da música de fundo


Néliton Azevedo, Editor, WebMaster.
© Projeto Joaquim de Oliveira, 1998. All rights reserved.