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| Resenha:MARQUES, Xavier A Vida de Castro AlvesRio de Janeiro, Ed. Topbooks, 1997. 177 págs. | ![]() ![]() ![]() ![]() ![]() ![]() ![]() ![]() |
Mário Maestri
Mario_Maestri@revistapraxis.cjb.net
Doutor em História pela Université Catholique de Louvain Bélgica, professor da UCS e da UPF,
membro do coletivo de sócios da Revista Práxis.
Em 6 de julho de 1871, em Salvador, cercado por familiares e amigos, falecia Antônio de Castro Alves. Na época, apesar dos seus 24 anos e de apenas um livro publicado, era já uma unanimidade nacional. Em 1868, em breve viagem à Corte, fora acolhido, de braços abertos, por José de Alencar e Machado de Assis, os grandes censores do gosto literário do Império.
O renome de Castro Alves se fortaleceria nos anos subseqüentes. Em 1881, o decenário da morte do "Poeta dos Escravos", quando a campanha abolicionista enfuriava, garantiu-lhe a consagração. Em 1921, o cinqüentenário de seu falecimento foi festejado, condignamente, com suas Obras Completas, organizadas por Afrânio Peixoto. Nesses anos, diversos autores já haviam se debruçado sobre a vida e a obra do poeta.
Porém, logo, ainda que o poeta continuasse cativando o gosto dos leitores nacionais, um corrosivo revisionismo literário tendeu a retirar radicalidade à poesia abolicionista do poeta, apresentada como um olhar branco e formalista sobre a tragédia servil. Em 1934, Arthur Ramos afirmava, em O negro brasileiro: etnografia, religião e psicanálise, que a poesia de Castro Alves pertenceria a um ciclo literário "negróide".
Os "poemas de piedade 'branca'" do poeta baiano corresponderiam "à imensa choradeira indianista" e fariam parte de uma espécie de "romantismo de mistificação" que escondia "as verdadeiras faces do problema sob as capas de um sentimentalismo doentio, sado-masoquista, onde a piedade exaltada era (...) o outro pólo de um sadismo negricida, sem precedentes".
Outros autores, com mais retenção, trilhariam a mesma senda revisionista. O inglês David Brookschaw, em seu instigante livro Raça & Cor na Literatura Brasileira (Porto Alegre, Ed. Mercado Aberto, 83), afirma que o poeta "não estava imune ao preconceito contra os negros" e que tratara da questão servil "a partir do ponto de vista da classe a que pertencia: com uma mistura de idealismo ou medo".
Em 1988, Zilá Bernd, em um livro de valor, Introdução à Literatura Negra (São Paulo, Ed. Brasiliense) relativizou a contribuição do poeta, apresentando-a como um "discurso sobre o negro", realizado "quase que por força do momento histórico em que" vivera. A autora de importantes trabalhos sobre o tema lembrava que Os escravos começara a ser redigido em 1865, "pleno período da campanha abolicionista", quando "já havia sido promulgado o fim do tráfico em 1850".
Castro Alves teria mantido "sua crítica nos limites aceitáveis pela classe dominante, àquela altura já em grande parte também interessada em ver abolida a escravatura". Uma historiografia literária interessada em "consagrar um poeta que, embora reformista e crítico, não chegou a subverter, a revolucionar as estruturas do sistema" teria contribuído para o sucesso de Castro Alves.
Nos últimos anos, o movimento negro organizado assumiu um comportamento similar. Ao apoiar a justificada denúncia às condições de vida da população negra, após 1888, em uma injustificada desqualificação da revolução abolicionista, realizou uma sumária desvalorização dos abolicionistas. Portanto, pouco haveria para celebrar, sobre a ação anti-escravista de Castro Alves.
Na desqualificação histórica do "Poeta dos escravos" certamente contribuíram os atributos que fortaleceram sua consagração inicial. Ele fora aplaudido e consagrado pela sociedade de sua época. Era branco, filho de senhores de escravos, conquistador, vaidoso e elegante. Portanto, um personagem que não combina com a miséria vivida pela população que cantou.
Nesse contexto geral, compreende-se a pouca repercussão da celebração do sesquicentenário do nascimento do baiano ilustre, neste 1997. Sobretudo se considerando que o aniversário concorre com a celebração da morte de um outro baiano honorário célebre o conselheiro Antônio Vicente Mendes Maciel.
Sob o patrocínio da Univ. Católica de Salvador e da Academia de Letras da Bahia, a Ed. Topbooks, do Rio de Janeiro, acaba de lançar a reedição de A Vida de Castro Alves, de Xavier Marques, apontada como a "mais equilibrada e bem escrita das biografias clássicas" do poeta. O livro fora publicado em 1911, e reapresentado, em edição corrigida e aumentada, pelo Anuário do Brasil, em 1924.
Em mais de um momento, A Vida de Castro Alves é livro claramente datado. Ao leitor desavisado, surpreenderá a tentativa inicial de Xavier Marques de estabelecer a origem da "genialidade" do poeta a partir da "lei biológica" da transmissão da "herança (...) materna". O preciosismo da linguagem do biógrafo é outro depoimento sobre as idéias e os gostos da República Velha.
São claras as razões da perenidade de A Vida de Castro Alves. Nela, o autor se dedica a um equilibrado trabalho de explicação e contextualização da vida e da obra do biografado, onde são constantes as preocupações metodológicas.
O livro foi escrito em uma época em que boa parte dos familiares e dos contemporâneos do poeta ainda se encontrava viva. Entretanto, Xavier Marques não se furtou a dedicar, com contenção e tato, um capítulo à animada "Vida Amorosa" do poeta, onde estabelece a relação de seus amores com sua poesia.
Talvez o grande merecimento da biografia seja a clarividência com que aborda, em capítulo especial, a importância da poesia abolicionista. O livro registra a convivência de Casto Alves com os cativos, na fazenda paterna, e sua precoce e ingênua preocupação com a questão servil, ao escrever, aos 16 anos, a Canção do Africano.
Em 1911, Xavier Marques ressaltava, com ênfase, um fenômeno histórico essencial que escapa ainda hoje a muitos cientistas sociais. Em 1865, quando "da primeira e mais violenta erupção" das idéias "libertadoras" de Castro Alves, o movimento abolicionista não existia. O biógrafo assinala que, então, sobre a sorte dos cativos, dominava "um estado de conformidade, de inércia dos espíritos, de tolerância e apatia" em "todas as camadas sociais e em todos os centros da vida nacional". Esse sentimento registrava o vigor da produção escravista e o consenso social sobre ela.
Na época lembra com sensibilidade Xavier Marques "abolição" "era palavra execranda, incendiária, sacrílega, que ninguém se animava a proferir em voz alta: não tinha curso no vocabulário do jornalismo", tolerando-se, quanto muito, o "termo emancipação". O emancipacionismo a extinção lenta, gradual e segura da ordem maldita-, em 1865 e ainda em 1885, foi a estratégia com que os senhores se opuseram, com unhas e dentes, ao fim do cativeiro.
Xavier Marques lembra que Castro Alves esteve, sempre, passos à frente de sua sociedade. Com pertinência, o biógrafo insinua que uma das fontes da indignação do poeta com a escravidão era a consciência da incompletude da nacionalidade brasileira, enquanto um só dos seus membros fosse dela marginalizado. Idéia revolucionária, ainda hoje.
Apesar da clarividência sobre a ação abolicionista do poeta, Xavier Marques incorre em um pequeno lapso talvez origem de incorreções analíticas posteriores , ao afirmar que, em 1868, quando Castro Alves escrevia o Navio Negreiro e Vozes d'África, "já o tráfico de escravos se achava virtualmente extinto". O brasilianista Robert Conrad, em Tumbeiros: o Tráfico de Escravos para o Brasil (SP, Ed. Brasiliense, 1985), assinala o caráter talvez mais impiedoso e igualmente imprescindível à escravidão do tráfico interprovincial de cativos, que se substituiu ao comércio transatlântico e se manteve até quase o fim do cativeiro, em 1888.
A obra de Castro Alves espera ainda análise sociológica mais profunda. Apenas a partir de 1960, atos como a fuga, o quilombo, o justiçamento dos senhores etc. não foram mais vistos como acontecimentos policiais e passaram a ser analisados como formas de resistência social ao escravismo.
Já em 1865, Castro Alves interpretava esses atos servis tidos pela sociedade da época como explosões de barbarismo como reafirmação plena de humanidade. Efetivamente, o poeta glorificou em versos o Bandido negro e apenas sua morte lhe impediu de escrever um poema histórico-dramático sobre A República de Palmares, a quem dedicou, em 1870, o poema Saudação a Palmares, onde canta a mulher quilombola e recrimina a pusilanimidade dos intelectuais subservientes ao poder:
Caro Leitor, esperamos que a leitura deste artigo, pertencente à Revista Práxis número 10, Outubro de 1997, tenha sido proveitosa e agradável.
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