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Brasil
Reestruturação Produtiva, Qualificação
e Relações de Trabalho

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João Antônio de Paula
Joao_Antonio_de_Paula@revistapraxis.cjb.net

Professor e pesquisador do CEDEPLAR/FACE/Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG, e membro do coletivo de sócios da Revista Práxis.


Desde os anos setenta, a economia capitalista vive um amplo e profundo processo de mudanças. Trata-se da ocorrência de transformações em vários, senão em todos os principais aspectos que caracterizaram o capitalismo em sua longa trajetória de crescimento, de 1945 ao início dos anos setenta, e que a "Escola da Regulação" francesa chamou de regime fordista de acumulação.

O início dos anos setenta será marcado pela eclosão simultânea e interdependente de diversas "crises", as quais expressavam, no fundamental, em diversos níveis de profundidade e urgência, sintomas do "esgotamento" daquele vitorioso "regime fordista". Os anos setenta se iniciaram com a crise monetário-financeira deflagrada pela ruptura da conversibilidade ouro do dólar, em 1971. Viram, em 1972, a emergência do tema "crise ambiental" com a conferência da ONU de Estocolmo e com o relatório do Clube de Roma. Viram, em 1973, com o primeiro choque do petróleo, a emergência de uma crise sistêmica sobre a matriz energética e de transportes então vigente. Viram um segundo choque do petróleo, em 1979. Viram a estagnação do ritmo de expansão da produtividade do trabalho. Viram explicitada, enfim, uma crise da hegemonia norte-americana expressa na derrota na guerra do Vietnã, na crise das instituições de Bretton Woods – o dólar, o FMI, o BIRD ...

Nesse contexto de superposição de crises, perplexidades e incertezas, começa a gestar-se o que poderia ser chamado de "contra-revolução neoliberal". Esse processo, ainda em curso, e de forma nenhuma linear, inicia-se na Inglaterra com os governos Thatcher, consolida-se nos EUA com a era Reagan-Busch, penetra a Alemanha, arrasta os socialistas franceses e espanhóis, chega mesmo à Escandinávia e tem recepção por vezes entusiasmada na América Latina de Pinochet, de Salinas, de Fujimori, de Menem, de Collor, de Fernando Henrique Cardoso (FHC) ...

Essa contra-revolução tem varias dimensões. Uma, com certeza central, refere-se a políticas relativas ao Estado. Com nuanças e qualificações, a contra-revolução neoliberal marcou sua presença, no mundo inteiro, pela denúncia-desmontagem das diversas variantes de "Estado de Bem-estar-keynesiano", que haviam se multiplicado no mundo capitalista pós-45. Nos anos oitenta, à série de crises enunciadas anteriormente vieram somar-se duas outras: a da dívida externa e a dos regimes burocráticos do leste europeu, que resultaram, afinal, nos anos noventa, numa economia e numa sociedade mundiais substantivamente diferentes, em vários aspectos, daquelas marcadas pelo "fordismo".

Diga-se logo que esses processos estão entrelaçados, são interdependentes, não sendo incomum que a maneira como determinadas crises foram enfrentadas tenham acabaram por determinar outras e mais complexas crises. O caso, exemplar, do enfrentamento que os EUA deram à sua crise monetária, mediante uma política de juros, acabou por expandir o endividamento externo de vários países, como o do México, o do Brasil etc.

No que interessa aqui, trata-se de afirmar que os eventos que a literatura econômica contemporânea tem chamado de "reestruturação produtiva" e "globalização econômica" são partes de um processo geral de tentativas, por parte da ordem burguesa, de responder à crise geral do "regime fordista". É nesse contexto, considerando as várias dimensões e inter-relações dos processos em causa – no contexto, na verdade, de uma ampla crise histórica, crise da modernidade, dizem alguns, crise agônica do "curto século XX", como disse Hobsbawn (1995), ou do "longo século XX", como disse Giovanni Arrighi (1996) –, que deve ser situada a questão.

I - A contra-revolução neoliberal

Em primeiro lugar, diga-se que falar em contra-revolução não significa assumir que houvesse processo de revolução em curso que tenha sido interrompido-revertido pela emergência da "globalização neoliberal". Trata-se aqui de usar a expressão contra-revolução no sentido de que esse processo de fato significa a derrogação de direitos sociais, a negação de conquistas democráticas, de um lado, e, de outro lado, a retomada de uma clara ofensiva conservadora.

A mais emblemática das marcas da contra-revolução neoliberal é o esmagamento do Estado em todas as suas variantes contemporâneas: do Estado de Bem Estar à moda anglo-escandinava, do Estado desenvolvimentista latino-americano, passando pelo exuberante fracasso do Estado no leste europeu. Trata-se, como se sabe, de um processo artificialmente amplificado pelo interesse e a máquina ideológica, posto que, na verdade, a presença do Estado continua sendo decisiva em importantes economias, como a japonesa e a coreana. Mesmo na Inglaterra, como mostrou Desmond King, a redução do Estado foi muito menor do que a bravata thatcheriana fazia crer.

Se a desmontagem do Estado é uma espécie de principal senha-programa da contra-revolução neoliberal, há outras bandeiras gerais que buscam, igualmente, definir os contornos de uma nova ordem econômica que substitua a claudicante Pax de Bretton Woods e sua estrutura sistêmica – a regulação fordista. Essa nova ordem, ainda não inteiramente conformada, tem sido, com freqüência, denominada de "globalização econômica". Outros, enfatizando aspectos distintos, têm falado na emergência de uma "regulação pós-fordista".

As duas caracterizações são imprecisas. Tomar como característica dos novos tempos econômicos a globalização das relações econômicas parece ignorar que o capitalismo nasceu e expandiu-se pela ação da globalização. Tanto a gênese capitalista, com a grande revolução das conquistas coloniais, nos séculos XV-XVI, quanto a consolidação capitalista, nos séculos XVIII-XIX, a vitória da Revolução Industrial e a expansão do capital monopolista e do imperialismo, são processos intrinsecamente internacionais, globais. Assim, ver na globalização a novidade, o traço distintivo, a característica contemporânea do capitalismo, é no mínimo impreciso. Também imprecisa é a adição do prefixo "pós" para caracterizar o novo regime de acumulação: "pós-fordista". Nos dois casos, as dificuldades nas denominações refletem uma dificuldade real, dificuldade de entender, de captar conceptualmente a verdadeira natureza do processo em curso.

Se há dificuldade em denominar o processo, parece mais fácil identificar as grandes linhas que têm marcado o desenvolvimento capitalista neste momento da contra-revolução neoliberal. Um primeiro grande bloco de aspectos está ligado ao processo de conformação dos mercados transnacionais. Um segundo conjunto diz respeito à emergência de novas tecnologias, em particular nas áreas da telecomunicação, dos novos materiais, da biotecnologia, da micro-eletrônica e da informática. E, finalmente, um terceiro bloco‚ relativo às novas relações de trabalho, que compreende os processos de adaptação-transformação-substituição das linhas de produção fordistas por novas normas de produção e gerenciamento de estoques, formação e qualificação do trabalho etc.

São essas três grandes linhas de desenvolvimento que parecem enfeixar a estratégia burguesa para a retomada capitalista de longo fôlego e generalizada. Contudo, se os sinais nesses campos são amplamente operacionais, em outras dimensões essenciais para a consolidação de um novo longo ciclo de crescimento, há obstáculos e precariedades importantes. No campo financeiro e monetário reina a mais absoluta certeza quanto à ineficácia dos instrumentos disponíveis, por parte das ainda chamadas "autoridades monetárias", para o controle de um mercado que é fator de instabilidade permanente para o conjunto da economia mundial.

No campo político-institucional, a ação de órgãos como BIRD, FMI, OMC e ONU revela-se, cada vez mais, incapaz de estruturar sistematicamente "a nova ordem" tão reclamada nos patéticos encontros anuais do G-7. Na verdade, na falta de consenso real, transformada a hegemonia em exclusiva tutela militar norte-americana, o elemento cimentador da contra-revolução neoliberal tem sido o chamado Consenso de Washington, que, convenha-se, é um pífio instrumento diante dos desafios que estão colocados e mesmo pela pobreza de sua base conceptual, de sua compreensão das realidades econômico-político-sociais, plasmada no senso comum e numa fé fanática no mercado (FIORI).

De resto, todos os arranjos, todas as perspectivas de crescimento, todo o otimismo dos ideólogos neoliberais e toda a campanha de propaganda não podem esconder a ampliação e o aprofundamento do desemprego, que atinge 11% na Europa, 6% nos USA e de 12 a 16% na América Latina. Ao mesmo tempo, a barbárie toma forma de epidemia no ressurgimento do racismo, das guerras étnico-religiosas, da intolerância e da xenofobia.

II - A contra-revolução neoliberal no Brasil

Com freqüência, lê-se nos jornais brasileiros declarações que, depois de um intróito protocolar sobre a importância da ética na política, destacam que não se pode negar a importância de Collor para a definição de uma agenda, em grandes linhas a mesma de Fernando Henrique Cardoso. Dessa agenda constariam os temas que sintonizariam o País com as grandes tendências em curso: a privatização, a abertura comercial, a globalização ... Para os que assim pensam, só há um caminho para as economias: submeterem-se ao Consenso de Washington, inserirem-se no processo da globalização. Que cesse tudo o mais, até os escrúpulos, até a prudência, que esse seria o único valor legítimo.

No caso do Brasil esse processo tem se dado com certa defasagem em relação a outros países da América Latina. Pioneiro no Chile da ditadura militar, no México do PRI, na Bolívia, na Argentina, no Peru, o "ajuste neoliberal" tem uma trajetória sinuosa no Brasil. Iniciado com a truculência de um ato de gangsterismo, a escalada neoliberal aqui enfrentou uma dificuldade importante: a resistência democrático-popular. Tal resistência foi o resultado de um longo acúmulo de forças do movimento operário-sindical desde o final dos anos setenta, que bloqueou a primeira investida neoliberal com a deposição de Collor.

A derrota de Collor, neste sentido, marcou o final de um longo ciclo de ascenso do movimento de massas no Brasil. A partir daí, há uma mudança significativa da conjuntura, do patamar mesmo da luta de classes no Brasil. A burguesia brasileira, sem bandeiras e sem projeto desde o fim da ditadura militar, que assistiu apavorada às grandes greves de 1977-80, ao nascimento e fortalecimento do PT e da CUT, à grande campanha eleitoral de 1989, ao movimento dos sem-terra, reage.

Dessa reação vêm a aventura delinqüente de Collor e a consolidação de uma aliança política, a mais ampla que o Brasil já assistiu, que deu a vitória a FHC e vem responder, na verdade, às duas grandes carências das classes dominantes brasileiras: 1) um nome sem a lama do crime e da ditadura; 2) a materialização do projeto neoliberal.

Dois anos de governo e o quadro dos significados e conseqüências do projeto em curso está completo. A redução da inflação tem sido utilizada pelo governo como uma espécie de mandato imperial, senão divino, que tudo lhe permite, que tudo lhe autoriza, que exige dos seus críticos o silêncio ou a adesão, que qualifica os seus críticos de aliados do atraso, corporativistas, inimigos da modernidade, defensores de privilégios.

Esta é a moeda de troca, a peça de imposição da reeleição de Fernando Henrique Cardoso: a inflação baixa. Enquanto isso, os juros continuam nas alturas, o déficit público persiste, o déficit comercial se expande, o desemprego e a inadimplência crescem, enquanto uma ajuda generosa é reservada aos banqueiros falidos, usineiros e grandes proprietários de terra ...

Exigem-se sacrifícios para a manutenção do fim do imposto inflacionário. Fala-se que sem a estabilização monetária não há crescimento econômico consistente. Omite-se, contudo, que a lógica do Plano Real e sua eficácia dependem da manutenção da política de juros altos, que a verdadeira âncora do Plano‚ a política de juros, permite a entrada sistemática de capitais especulativos no País e que são esses capitais que garantem a relativa estabilidade da taxa de cambio. Isso significa dizer que a margem de redução da taxa de juros é estreita, menos por razões reais e mais pela volatilidade desses capitais que ingressaram no País – cerca de 50% do atual valor das reservas internacionais, que estão em torno de 57 bilhões de dólares – e que são extremamente sensíveis a eventos reais ou presumidos.

Daí que, na verdade, o Plano Real esteja apoiado numa armadilha cuja desmontagem não parece estar nos planos do governo e que significa condenar a economia a uma trajetória medíocre, ou seja, à manutenção e ampliação do desemprego e ao aprofundamento da crise social.

Como alternativa, na verdade como panacéia capaz de garantir a sobrevivência do Plano Real, o governo tem apresentado as reformas constitucionais – sobretudo a da Previdência e a Administrativa – e as privatizações. Sobre as reformas constitucionais, transformadas pelo governo em condições essenciais para o exercício de suas funções, é preciso dizer o seguinte: 1) os impactos de qualquer reforma previdenciária não serão imediatos, não trazendo qualquer alívio às contas públicas no curto prazo; 2) o governo tem ignorado, em todas as suas propostas para a Previdência, as responsabilidades do poder público para com a sua deterioração financeira, a sua enorme dívida para com os previdenciários; 3) o grande responsável pelo déficit público é o próprio governo – primeiro porque precipitou um processo de aposentadorias precoces, fruto do terrorismo que tem marcado o seu discurso sobre o assunto, segundo porque, mesmo há dois anos sem reajuste nos salários do funcionalismo, o déficit tem se mantido por conta de uma política de juros astronômicos (; 4) finalmente, o funcionalismo público no Brasil não tem um número excessivo e seus problemas decorrem do fato de estar despreparado, desprofissionalizado, mal pago e desrespeitado, transformado, pela ação do governo e seus arautos, no grande vilão nacional, numa espécie de praga a ser exterminada para o bem da nação. Na verdade o funcionalismo público no Brasil é numericamente inferior ao necessário para o cumprimento das funções fundamentais do Estado e menor do que o de muitos países capitalistas neoliberais, como os USA e a Inglaterra.

No referente às privatizações, registre-se, inicialmente, o quanto de propaganda enganosa, digna de processo junto ao PROCON, esconde-se sob o discurso oficial. Dizem, o governo e o BNDES, que as privatizações são o instrumento para aportar recursos para as áreas carentes de investimento – educação, saúde, infra-estrutura –, que são de responsabilidade do Estado e que não têm sido atendidas pela falência financeiro-gerencial da máquina estatal. Contudo, quando é examinado o quadro das privatizações desde o governo Collor, verifica-se que, até maio de 1996, dos 56 leilões de privatização realizados, num total de vendas de 10,3 bilhões de dólares, apenas 23,4% desse total implicou um efetivo aporte de moeda corrente (Jornal do Brasil, 23/5/96).

Na verdade, o programa de privatização do governo é fundamentalmente uma das imposições centrais do Consenso de Washington, o preço a ser pago para a admissão do País na globalização. Trata-se, nesse sentido, de uma exigência imperial que até aqui o País tinha sabido resistir, aproveitando-se de diversas brechas e oportunidades abertas na divisão internacional do trabalho para constituir estrutura produtiva relativamente endógena e dinâmica.

Os críticos à suposta autarquização que teria marcado o desenvolvimento capitalista no Brasil, o chamado processo de substituição de importações, insistem em que esse insulamento significou a preservação de ineficiência, protecionismo indevido e privilégios abusivos. Contudo, a nenhum desses críticos ocorreu apontar as verdadeiras mazelas desse modelo, a sua inconsistência sistêmica que‚ antes de insularidade, são mais, e fundamentalmente, a sua incapacidade de ampliação do mercado interno e a sua incapacidade de inclusão, de distribuição de renda e riqueza. Esse é, na verdade, o grande problema do modelo econômico brasileiro: a sua incapacidade de constituir um amplo mercado de consumo de massas, base de qualquer projeto consistente de desenvolvimento econômico. Exemplos conspícuos disso são o Japão e a Coréia, gigantes da competitividade internacional, grandes exportadores, mas competitivos na medida em que têm enormes mercados internos que absorvem 80, 85% ou mais da produção global, criando assim as condições de escala e externalidades positivas para a competitividade internacional.

Sobre isso se calam, tanto os beneficiários do insulamento, quanto os campeões da abertura, porque enfrentar o problema da ampliação do mercado interno significaria admitir uma agenda que colocaria, centralmente, o que Celso Furtado chamou de "distribuição primária da renda", isto é, da renda, da riqueza, das qualificações e habilitações sintonizadas com os novos padrões produtivos em curso.

III - Reestruturação produtiva e pós-modernidade

As novas tecnologias prometem prodígios. Prometem uma ampliação radical do controle sobre duas dimensões fundamentais da realidade, o tempo e o espaço. A virtual transformação do espaço e do tempo da condição de limites, de condicionantes, de suportes intransponíveis da ação humana, em categorias cada vez mais manipuláveis: o espaço transposto, as distâncias encurtadas pelos meios de transportes eficientíssimos, mas sobretudo pelo desenvolvimento de sistemas de telecomunicações; o tempo virtualmente diluído pela velocidade na produção e transmissão de informações. Uma redefinição das categorias espaço e tempo, que acaba por repercutir fortemente sobre as relações de trabalho, sobre as formas da sensibilidade contemporânea, as culturas e as mentalidades.

As novas tecnologias prometem, afinal, ao capital, uma espécie de paraíso: a ultrapassagem dos limites decorrentes das distâncias entre centros produtores e consumidores, a amplificação exponencial do tempo de trabalho e da produtividade. As novas tecnologias parecem tornar sociais, isto é, históricas, categorias definidoras da própria realidade físico-natural: o tempo e o espaço produzidos e controlados pelo capital, submetidos ao seu interesse, num processo que amplia e atualiza uma tendência apontada por Marx quanto ao caráter expansionista do capital em sua busca de capturar a natureza, colocá-la a seu serviço, transformar as leis naturais em sociais, a lei da população em lei social, e a natureza agronômica em realidade sócio-técnica.

As novas tecnologias, neste momento, prometem prodígios. Um empresário do setor de telecomunicações exulta – "Achamos que a comunicação sem fio vai ter, na verdade, um impacto maior que o da computação, porque mexe com duas variáveis, tempo e espaço, enquanto a computação só mexeu com a primeira. Atividades que antes só eram realizadas no local de trabalho, cada vez mais vão poder ser realizadas em outros lugares. E os dois extremos da atividade produtiva ganham: o empregado, que tem maior liberdade individual e mais tempo para dedicar-se à sua vida não-profissional, e o empregador, que tem ganhos de produtividade enormes. Outro fator positivo da comunicação sem fio é que ela não traz prejuízos ao meio ambiente. Essa é a revolução de que lhe falei." (Flávio Grynspan, do grupo Motorola).

Eis o novo "admirável mundo novo" prometido pelas novas tecnologias: trabalhadores produtivos e com grande autonomia e tempo para suas vidas particulares, empresas com alto grau de produtividade e atividade econômica com pequenos impactos ambientais.

O centro da pretensão dos modernos decorreu do formidável desenvolvimento da ciência e da técnica, do trabalho humano libertado, cuja expressão máxima‚ o "modo fordista" de organização e controle do trabalho, teria as seguintes características: "1) realização de uma única tarefa pelo trabalhador; 2) pagamento pro rata; 3) alto grau de especialização de tarefas; 4) pouco ou nenhum treinamento no trabalho; 5) organização vertical do trabalho; 6) nenhuma experiência de aprendizagem; 7) ênfase na redução da responsabilidade do trabalhador; 8) nenhuma segurança no trabalho" (HARVEY). Essas características do modo fordista de organização e controle do trabalho dominaram amplamente as estratégias capitalistas por um largo período, e mesmo tiveram penetração na experiência do socialismo do leste europeu com o chamado stakanovismo.

O taylorismo e o fordismo corresponderam a uma etapa do desenvolvimento capitalista marcado pela hegemonia do capital monopolista, pela expansão das estruturas oligopólicas, pela vitória da produção em massa e padronizada. Essa estratégia de dominação e valorização do capital implica um novo tipo de trabalhador, uma nova concepção de trabalho e com isso novos usos do corpo, novos gestos, novas sensibilidades e mentalidades. O centro dessa nova estratégia triunfante‚ a transformação do corpo do trabalhador em máquina animada e saudável para o trabalho, na interdição de todos os motivos e desejos, que desviassem o corpo de sua única finalidade para o capital – o trabalho sistemático, sem absenteísmos, sem doenças, disposto e habilitado. Daí a produção de novos objetos, atitudes e profissões especializadas em disciplinar, assistir, socorrer, atender ao trabalhador tanto em sua atividade profissional quanto no conjunto de sua sociabilidade – a medicina e a psicologia do trabalho, o serviço social etc. Nas palavras de Gramsci – "Na América, a racionalização do trabalho e o proibicionismo estão indubitavelmente ligados: os inquéritos dos industriais sobre a vida íntima dos operários, os serviços de inspeção criados em algumas empresas para controlar a "moralidade" dos operários são necessidades do novo método do trabalho".

O taylorismo e o fordismo foram as expressões específicas, no plano da organização do processo de trabalho, do processo mais geral da vitória do capital monopolista, do imperialismo, etapa em que o capitalismo, depois das crises da I Guerra Mundial, da depressão dos anos trinta e da II Guerra mundial, assistiu à sua mais longa e exitosa expansão de toda a sua história (1945/71-73).

Essa crise, em grande medida ainda não superada, gerou respostas que estão em curso: a) a unificação dos mercados transnacionais; b) as novas tecnologias – a micro-eletrônica e a informática, a biotecnologia, os novos materiais –, um novo modelo de organização do trabalho, o chamado pós-fordismo, a flexibilização do trabalho, as novas modalidades de controle de fluxos e estoques – o just in time etc.

Por outro lado, e por razões diversas, também as sociedades de economias centralizadas e burocratizadas experimentaram uma crise profunda, que afinal resultou em falência daquelas experiências, abrindo caminho para a retomada da velha cantilena conservadora sobre a morte do socialismo, o fim do marxismo, o fim da utopia.

Esse complexo movimento tem sido apresentado, muitas vezes, como a emergência da pós-modernidade, isto é‚ a constatação do fracasso do projeto da modernidade, a morte do social, a morte das grandes narrativas, a morte das utopias (LYOTARD).

A chamada crise da modernidade se expressa pela corrosão e deslocamento de categorias centrais tanto da filosofia natural, quanto da filosofia social, do mundo do trabalho e das estruturas de poder. No referente ao mundo do trabalho, fala-se no fim da centralidade do trabalho, invoca-se a fragmentação e a flexibilização dos processos de trabalho, afirma-se a segmentação dos mercados de trabalho, contesta-se a suposta polarização, que Marx teria previsto, entre uma imensa legião de trabalhadores manuais, "blue collors", e um pequeno número de grandes capitalistas. Argumenta-se com a expansão das categorias técnico-profissionais qualificadas e das classes médias.

Novas concepções de tempo, espaço e natureza emergem, relativizando, requalificando, redefinindo o que antes, no esplendor da modernidade, era tido como absoluto, linear, reversível, equilibrado, determinado. A pós-modernidade se pretende, neste sentido, o desdobramento de uma nova matriz conceptual, de uma nova mentalidade e uma nova sensibilidade, nascidas do esgotamento do projeto da modernidade, perspectiva que tanto abre caminho para a retomada de um projeto de esquerda, como em Guattari e suas "três ecologias", em que há explícita reiteração dos projetos coletivos e da solidariedade, quanto reforça o individualismo e a acomodação conservadora, como em Lyotard, por exemplo.

Se a pós-modernidade, no campo dos conceitos de espaço e tempo, abre-se para a pluralidade e a complexidade, no referente ao conceito do trabalho, isso se traduz na negação da centralidade do trabalho como categoria sociológica e econômica. Segundo essas tendências, a expansão do setor de serviços, da mecanização e da automação, e a diminuição do emprego, significariam o fim da sociedade do trabalho, a emergência da sociedade pós-industrial, como diz Daniel Bell, ou da sociedade informática, como diz Adam Schaff. O trabalho não é mais categoria sociológica fundamental, diz Claus Offe. Marx, Weber, Durkheim, a sociologia clássica, teriam envelhecido na medida mesmo em que se apoiavam na centralidade do trabalho.

Há quem tenha tirado conseqüências ainda mais fortes desse suposto des-centramento do trabalho, há quem queira ver no fim da centralidade do trabalho o fim da própria classe operária, e assim da luta de classes, o que significaria entender como centrais, na pós-modernidade, apenas os conflitos atinentes a relações étnicas, culturais, religiosas, sexuais, geracionais etc.

Se é verdade que tais aspectos, que sempre foram importantes na dinâmica social, ganharam particular destaque no nosso tempo, há forte comprometimento ideológico no esforço de desqualificação das dimensões classistas, que a pós-modernidade insiste em patrocinar. Secundarizar as dimensões classistas, desqualificar o trabalho como categoria sociológica fundamental, vai a par com a idéia de hipertrofia da fragmentação da vida social, transformada num conjunto caótico, desprovido de conexões, marcado pelo individualismo, pelo irracionalismo, pela ausência de projetos coletivos, realidade inapreensível, infensa à mudança, em que a hegemonia é dada pela cultura de massas, pelo grande capital excludente, pelas novas modalidades tecnológicas crescentemente produtoras de desemprego (KURZ, 1992).

É preciso ver com cuidado as previsões catastrofistas, elas quase sempre erram por não levarem suficientemente a sério a história e a dialética, isto é‚ a dinâmica e as contradições sociais, a luta de classes. De qualquer modo, há em curso uma tendência tecnológica que, certamente, implica a ampliação do desemprego. Contudo, há respostas que a neutralizam, ao menos parcialmente, por meio da redução da jornada de trabalho, e mesmo significam melhoria da qualidade das relações de trabalho, na medida em que os trabalhadores se apropriam das novas tecnologias a partir de seus interesses, como a que o movimento sindical sueco produziu. (FERREIRA, e outros).

Para os diversos autores que buscam caracterizar o des-centramento do trabalho no mundo contemporâneo, o grande derrotado nesse processo seria o marxismo, a teoria marxista, a teoria da luta de classes, o projeto socialista. Para esses autores, Marx estaria definitivamente alijado do debate contemporâneo, e sua teoria envelhecida, na medida em que não teriam se verificado, nem a polarização absoluta entre uma pequena classe de grandes proprietários e uma imensa classe de proletários, nem a majoritária presença do trabalho manual. A emergência e a expansão das classes médias, a segmentação dos mercados de trabalho, a heterogeneidade estrutural das funções, a expansão dos trabalhadores especializados em funções de supervisão, controle e gerência, tudo isso teria implodido a classe operária e com ela a teoria do valor, a teoria da mais valia, a teoria da acumulação, a teoria da luta de classes.

Ora, todas essas invalidações da teoria marxista sobre a centralidade do trabalho têm em comum uma incompreensão ampla e profunda da teoria marxista, dos seus textos e espírito. Não há, em Marx uma teoria sobre a tendência inelutável à absolutização do trabalho manual. Marx estabelece, em textos fundamentais de sua obra, o crescimento importante das funções técnico-gerenciais do trabalho, afirmando que o conceito fundamental de trabalho, que se deve considerar, é o de trabalhador coletivo. Veja-se isso nesse trecho do Capítulo VI (inédito) de O Capital: "como con el desarrollo de la subsunción real de trabajo en el capital o do modo de producción especificamente capitalista, no es el obrero individual sino cada vez más una capacidad de trabajo socialmente combinada lo que se convierte en el agente real del proceso laboral en su conjunto, y como las diversas capacidades de trabajo que cooperan y forman la máquina productiva total participar de manera muy diferente en el proceso inmediato de la formación de mercancias o mejor aqui de productos – este trabaja más con las manos, aquel más con la cabeza, el uno como director (manager), ingeniero (engineer), técnico, etc., el otro como capataz (over looker), el de más allá como obrero manual directo e incluso como simple peón –, tenemos que más y más funciones de la capacidad de trabajo se inclueyen en el concepto inmediato de trabajo productivo, y sus agentes en el concepto de trabajadores productivos, directamente explotados por el capital y subordinados en general a su proceso de valorización y de producción" (...) y aqui es absolutamente indiferente el que la función de tal o cual trabajador, mero eslabón de este trabajador colectivo, este más próxima o más distante del trabalho manual directo."

Ou ainda nesta passagem dos Grundrisse: "a medida que la gran industria se desarrollo, la creación de riquezas depende cada vez menos del tiempo de trabajo y de la cantidad de trabajo utilizado, y cada vez más del poder de los agentes mecánicos que se ponen en movimiento durante el trabajo. La enorme eficiencia de esos agentes, no tiene a su vez, relación alguna con el tiempo de trabajo inmediato que custa su producción. Depende más bien del nivel general de la ciencia y del progreso de la tecnologia, o de la aplicación de esa ciencia a la producción."

Marx tem uma compreensão do trabalho como realidade histórica, portanto sujeita a transformações. Isto é o que distingue sua teoria sobre o trabalho e sobre o valor-trabalho, das teorias clássicas de Smith-Ricardo: a sua radical historicização. Isto significa dizer que a teoria está o tempo todo pronta para perceber e incorporar as transformações que o mundo do trabalho experimenta, até mesmo para a eliminação do trabalho, como quer Gorz. A eliminação do trabalho não é resultado que liquidará a teoria marxista. A teoria marxista não se pretende eterna. Ela existirá e será a "filosofia insuperável do nosso tempo", no sentido de Sartre, enquanto prevalecerem as condições da dominação capitalista, a sociedade burguesa, a alienação e o fetichismo da mercadoria, a exploração do trabalho.

IV - Limites e contradições do pós-fordismo

O capitalismo contemporâneo parece ter realizado seu definitivo milagre, parece hoje capaz de ultrapassar os obstáculos decorrentes das mediações espaço-temporais no processo de valorização, parece ser capaz de agilizar de tal modo o processo de circulação que, virtualmente, teria dissolvido o tempo de circulação, parece ser capaz de poupar recursos naturais e energia de tal modo que o perigo representado pela crise ecológica desapareceria.

Esse novo tempo de produção, balizado pela superação do modelo fordista, pela flexibilização do trabalho, pela economia de tempo, pela produção baseada na informação, parece ser a saída aos desafios colocados pelos estrangulamentos derivados da dimensão valor-de-uso da mercadoria. Um capitalismo que poupa e flexibiliza o trabalho, que reduz significativamente os tempos de produção e circulação, que poupa recursos naturais e energia, um capitalismo sem os inconvenientes dos processos poluidores, sem os conflitos decorrentes de uma classe operária numerosa, insatisfeita e mal paga. Esse parece ser o modelo capitalista que se acredita definitivamente capaz de superar o que até aqui lhe tem imposto dificuldades, crises, desvalorização, destruição, degeneração ambiental, barbárie tecnológica e moral.

Trata-se de um processo sedutor, que se manifesta como de melhoria da qualidade em todos os planos da vida econômica, que promete melhoria dos produtos e processos, que promete melhoria dos salários e exige maior qualificação da mão-de-obra. Esse é o paraíso do mundo do trabalho que se quer ver presente no Japão, responsável pelo seu indiscutível êxito: o trabalho flexível, as tarefas enriquecidas, o primado da qualidade, o emprego vitalício.

O modelo japonês tem sido tomado como receita do sucesso infalível. Se é verdade que muitos aspectos das novas tendências da organização do trabalho na economia japonesa são assimiláveis e positivos, há que analisar com mais cuidado o que parece ser só maravilha. Em primeiro lugar, registre-se que as virtudes dos novos processos não são partilhados por todos os trabalhadores. Há um crescente processo de terceirização da produção, que impõe, a consideráveis contingentes de trabalhadores condições de trabalho e remuneração inferiores. É esse o caso dos trabalhadores temporários, das mulheres e dos trabalhadores imigrantes. (KAMATA E HIRATA).

A automação e a informatização reduziram significativamente os postos de trabalho, de tal modo que as certamente positivas inovações no campo da flexibilização do trabalho acabam sendo partilhadas por contingentes cada vez menores de trabalhadores. Assim, as promessas com que os processos de qualidade total acenam estão restritas aos que escaparem da degola do desemprego. O trabalho enriquecido e flexível, não é um atributo que se vai generalizar para todos os trabalhadores.

O paraíso das novas condições do trabalho baseadas na qualidade total é altamente seletivo e será partilhado apenas pelos que forem altamente qualificados à luz das novas exigências tecnológicas em curso. As novas tendências do capitalismo contemporâneo, no que diz respeito ao trabalho, parecem indicar um crescente processo de exclusão, vis-à-vis a preservação e ampliação dos benefícios das novas tecnologias e das formas de organização dos processos de trabalho, para contingentes cada vez menores de trabalhadores. Este fenômeno foi apontado por um autor alemão, Robert Kurz, que, em seu livro O Colapso da Modernização, fala da radicalidade das implicações dessas novas tendências, tanto em termos econômicos, quanto em termos políticos. Um capitalismo que prescinde do trabalho, que utiliza processos artificiais de produção de riquezas, que explora cada vez menos o trabalho, um capitalismo sem base efetiva de valorização. Se não há trabalho, também não há capital, que é, fundamentalmente, poder de comando sobre o trabalho, valor que se autovaloriza pela apropriação de trabalho. Diz Kurz: "Se não há trabalho, não há acúmulo de capital. Na verdade, o sistema, algum dia, vai esgotar-se. Por mais que se vá automatizando todo o processo, o capitalismo chegará um momento em que não conseguirá mais funcionar assim. Isso vale para o primeiro, segundo ou terceiro mundo."

Tal perspectiva já estava apontada por Marx e foi retomada depois por Preobrajensky. O fundamento dessa perspectiva‚ a afirmação do caráter histórico da lei do valor, de sua transformação permanente. Isto é, a dinâmica capitalista e a acumulação de capital vão impondo transformações à lei do valor que bloqueiam a sua ação plena enquanto lei do equilíbrio espontâneo da sociedade mercantil. Determinando ao final, como diz Preobrajensky, que a lei do valor atinja a etapa de sua própria transformação e de seu desaparecimento gradual através da mesma lei do valor.

A historicidade da lei do valor e suas transformações são resultados da própria dinâmica da lei do valor, o seu movimento, a sua existência, que criam as condições de sua dasaparição. O capitalismo, ao prescindir do trabalho, ao buscar processos artificiais de valorização e ampliação da riqueza, bloqueia a única fonte efetiva do valor, que é o trabalho. Mais do que isso, o capital parece caminhar para transcender às próprias limitações impostas pelo tempo e pelo espaço, pelo valor de uso. O capital parece determinado a, finalmente, descobrir a pedra filosofal, isto é, a valorização absoluta e sob controle, baseada na condensação da alta informação, dos processos produtivos poupadores de trabalho, recursos naturais e energia.

A grande questão que está posta pela emergência dessa tendência‚ a construção de um mundo dual em que, de um lado, a alta tecnologia parece a realização do sonho alquimista, e, de outro lado, haveria um mundo de desemprego, de barbárie. Como diz Roberto Scharz, analisando o livro de Kurz, "A tendência chega ao extremo lógico quando uma economia‚ expelida da circulação global, depois de a concorrência moderna lhe ter desativado os recursos locais: a massa da população passa a depender de organizações internacionais de auxílio, transformando-se em caso de assistência social em escala planetária. Droga, máfia, fundamentalismo e nacionalismo representam outros modos pós-catástrofe de reinserção no contexto modernizado".

Um apartheid planetário, a concentração em pequenos bolsões, a riqueza, o emprego, as altas tecnologias, a qualidade do trabalho flexível. Do outro lado, a barbárie, o desemprego, a violência, o tecido social dilacerado, a estrutura urbana destruída. A burguesia, responsável no passado pelo embelezamento das cidades, é hoje, responsável pela sua destruição, na medida mesma em que parece prescindir do espaço urbano global. As novas tecnologias, que possibilitam a transmissão de informações à distância e os novos meios de comunicação e transportes permitem que a burguesia possa desconsiderar a cidade, que o suporte material representado pela cidade seja saltado. O fax, as redes de computadores, as telecomunicações, a telemática, são os trunfos de uma tecnologia que parece ter superado o tempo e o espaço, parece ter superado a dimensão valor-de-uso da mercadoria.

Várias implicações devem ser extraídas a partir das tendências recentes do capitalismo: a) as maravilhas do trabalho hiperqualificado, flexível e bem remunerado serão partilhadas apenas por contingentes restritos de trabalhadores; b) em conseqüência, haverá, com mais intensidade e radicalidade, a aceleração do processo de desemprego não só de trabalhadores não-qualificados, mas para muitos segmentos de trabalhadores qualificados; c) o quadro de desemprego sistemático e massivo, num período de crise do Estado do Bem-estar‚ é um fenômeno de conseqüências sociais e políticas gravíssimas no sentido de reforçar a barbárie urbana, a desagregação do tecido social, a expansão dos salvacionismos messiânicos e irracionalistas; d) finalmente, a forma como estas tendências do capitalismo contemporâneo têm sido veiculadas parecem sancionar a ilusão do fim da história, da superação das contradições capitalistas, sob a forma de um capitalismo triunfante, que tem, na integração dos mercados, nas novas tecnologias e na superação do modelo fordista, seus traços essenciais.

Cada um desses aspectos apresenta dificuldades e obstáculos. A integração dos mercados terá que enfrentar enormes desafios. O virtual empate entre o sim e o não na França, sobre a unificação européia, é um índice significativo. Quanto às contradições políticas do processo de unificação, é preciso lembrar também os problemas derivados da desordem monetária e financeira reinantes hoje e a crise das instituições de Bretton Woods.

A ilusão e o caráter apologético da ideologia high-tech é mais potente no que se refere às novas tecnologias e formas de organização do trabalho. Fundamentalmente, é preciso dizer que o capitalismo ainda é o mesmo, isto é‚ ainda é uma forma de produção baseada na apropriação da natureza. Que o espaço e o tempo continuam sendo determinantes importantes no processo de valorização. Que a produção capitalista é um processo social que confronta, de um lado, capitalistas, e, de outro, trabalhadores, que o capital é uma relação social baseada na desigualdade, onde o capital é poder de comando sobre o trabalho. Que o capitalismo, afinal, ainda tem que se haver com o valor-de-uso, sua precariedade e limite, e com a luta de classes.

V - Brasil: reestruturação produtiva e resposta operária

Em artigo de 1994, Marcia de Paula Leite apresenta um quadro geral da trajetória da reestruturação produtiva no Brasil, em que, ao lado da periodização do processo, há uma compreensiva tentativa de analisar seus avanços e bloqueios, seus limites e perspectivas. O fundamental de sua análise é a permanência de certos traços do comportamento do empresariado brasileiro e que poderiam ser caracterizados como "o apego à exclusão". A base do seu argumento é a constatação da reiteração de práticas empresariais que, se de um lado buscam sintonizar-se com as novas tendências da reestruturação prevalecentes no mundo capitalista central, de outro lado significam: a) intensificação do fordismo; b) permanência do taylorismo; c) just in time taylorizado; d) alta rotatividade do trabalho e utilização da demissão como estratégia de enfrentamento à crise; e) fraco investimento em treinamento; f) baixo nível educacional da mão-de-obra empregada; g) estruturação de cargos e salários complexos e voltados para estímulos e competição entre os trabalhadores; h) os mais altos diferenciais de salários do mundo no interior de uma mesma empresa; i) precarização do trabalho terceirizado; j) estratégia anti-sindical da introdução da reestruturação produtiva. Resultando disso que o Brasil tivesse, em 1993, os piores indicadores do mundo no referente à produtividade e precaríssimos indicadores quanto à qualidade, apesar da ampla generalização de programas de qualidade introduzidos a partir dos anos noventa.

Na verdade, o exame das vicissitudes do processo de reestruturação produtiva no País revela o traço atávico das classes dominantes brasileiras‚ a sua recorrente interdição de direitos sociais básicos: a Abolição sem seu desdobramento necessário que era a reforma agrária; a modernização sem a universalização do acesso à educação e saúde de boa qualidade; a urbanização sem seus pressupostos – transportes, saneamento, habitação –; o Estado forte e interventor, mas privatizado, autoritário e excludente. Daí que a forma perversamente seletiva do processo de reestruturação produtiva no Brasil seja o aggiornamento de uma prática histórica das classes dominantes no Brasil. Essas tendências têm provocado, sobretudo entre os setores mais organizados e combativos do movimento operário-sindical, uma justa rejeição às velhas práticas autoritário-excludentes das elites brasileiras travestidas hoje dos rótulos-slogans "qualidade-produtividade-competitividade".

Há quem queira, também com razão, relativizar a reação do movimento operário-sindical brasileiro a essas "inovações pós-fordistas", lembrando os casos da Suécia e Itália, onde os trabalhadores conseguiram interferir no processo, dando-lhe caráter democrático e participativo. É justa a preocupação dos que buscam mostrar que há aspectos positivos, pró-trabalhadores, nessas novas tendências produtivas. Há mesmo quem conteste que as tendências recentes da reestruturação produtiva no Brasil reproduzam o modelo fordista, vendo o processo com otimismo. É o caso de E. B. Silva, em trabalhos de 1990 e 1991, que Cândido Guerra Ferreira sumariza. "Com base em tais constatações a autora conclui que: 'É altamente questionável se tais tendências apresentam um vigor do fordismo no setor industrial moderno brasileiro. Elas parecem ir na mesma linha que os desenvolvimentos em economias que têm experiências de mais longo prazo com tecnologia microeletrônica'". Posição esta que é reafirmada em outro trabalho da autora (de uma maneira que, aliás, poderíamos considerar um tanto quanto "otimista"): "Os novos padrões de organização do trabalho no Brasil parecem estar se movendo na mesma direção das tendências que prevalecem ao nível internacional. Se as mudanças recentes no Japão ou nas economias industrializadas ocidentais representam novas versões do fordismo, o padrão brasileiro é igualmente uma renovação do fordismo. Além do mais, pelo que parece, as novas mudanças mostraram que incrementos na eficiência não exigem que sejam sacrificadas as metas sociais e a liberdade individual. A eficiência pode ser melhor alcançada se for subordinada à igualdade social, econômica e política" (FERREIRA).

É possível que haja otimismo na visão acima. É possível até apontar-se falha mais grave, que seria a desconsideração das condições histórico-concretas da realidade brasileira, seu caráter periférico, sua dinâmica excludente etc. Contudo, a discussão decisiva é: quais seriam as condições efetivas de apropriação desse processo por parte do movimento operário-popular, de forma a transformá-lo num instrumento do avanço das conquistas democrático-populares? Trata-se, neste sentido, de discutir duas ordens de questões: num plano estariam os elementos que devem compor um novo projeto de desenvolvimento nacional comprometido com a distribuição da renda, riqueza, poder e informação; noutro plano, a análise sobre a racionalidade sistêmica deste projeto, sua viabilidade econômica, sua eficiência e dinamismo.

O ponto de partida dessa discussão é a exigência da necessária inserção do processo de reestruturação produtiva no projeto maior do desenvolvimento nacional do ponto de vista democrático-popular, isto é‚ que o critério básico para a implementação das mudanças e inovações tecnológicas e gerenciais, requeridas pelos novos tempos, seja a efetiva incorporação à cidadania plena e aos frutos da modernidade dos milhões de marginalizados produzidos pelo desenvolvimento capitalista no Brasil. Isso implica num conjunto articulado de reformas: a reforma agrária e agrícola, a reforma dos sistemas de educação e saúde, a reforma urbana, a reforma do Estado e a reforma tributária, que signifiquem, de fato, a universalização de direitos sociais básicos e a democratização da renda, riqueza, poder e informação. Reformas, enfim, que são a exata negação do "ajuste" neoliberal que tem sido implantado no Brasil e que, na verdade, é uma "contra-revolução", na medida em que procura interditar direitos sociais, parcialmente conquistados, e aprofundar a hegemonia do grande capital internacional e suas conseqüências: o desemprego estrutural, a concentração da renda, a falta de assistência social, a barbárie urbana.

Trata-se, no Brasil, de por fim ao Estado do Bem-estar social sem que ele ao menos tenha existido de fato, de interditar a construção de um projeto de desenvolvimento nacional-popular, na medida mesmo em que se lhe negam as bases de sustentação que Celso Furtado resume como sendo a democratização de ativos "ao nível das coisas e das habilitações pessoais".

Outro ponto a ser considerado é o enfrentamento a uma crítica recorrente, feita aos que se colocam do ponto de vista da reformas democrático-populares: o seu suposto "distributivismo ingênuo". Argumentam, estes auto-atribuídos campeões da racionalidade, que um programa de reformas democráticas não é capaz de enfrentar a verdadeira questão em pauta: o desafio do aumento da produtividade. Ora, é exatamente isso que a contra-revolução neoliberal será incapaz de fazer, porque é contrária a qualquer efetiva democratização de "ativos e habilitações". A contra-revolução neoliberal é‚ em seus próprios termos, excludente e concentradora, o que significa, num país como o Brasil, ampliar ainda mais o enorme contingente de pessoas sem qualquer perspectiva num mundo que exige, cada vez mais, educação, treinamento, qualificação profissional especializada.

Daí que a exigência das reformas democráticas não seja apenas um imperativo ético e uma demanda política, mas a própria matéria de um projeto de desenvolvimento econômico autêntico, na medida em que a base da constituição de um mercado interno de consumo de massas, pré-condição para a ampliação das escalas de produção, para a melhoria dos padrões de qualidade e produtividade, para a garantia da competitividade no mercado internacional.

Essa é a singularidade do processo histórico brasileiro, o que dá condições ao País de projetar um futuro de prosperidade e justiça – o Brasil ainda está por desenvolver a sua maior riqueza –, a construção da hegemonia nacional-popular. Isto é, há no Brasil um enorme espaço para o crescimento econômico, para a introdução de inovações tecnológicas, com aumento do emprego e distribuição de renda e riqueza, na medida em que isto é parte do processo maior da ampliação do mercado interno.

É tal singularidade que permite unificar o movimento dos trabalhadores do campo e da cidade, o movimento dos trabalhadores dos setores econômicos de ponta e do setor estatal ao movimento dos trabalhadores rurais sem terra. Trata-se de reconhecer que a geração de empregos dos setores de ponta, impactados pelas inovações tecnológicas, dependem da ampliação do mercado interno, depende da Reforma Agrária, depende da melhoria da estrutura de ensino, depende da ampliação de investimentos em ciência e tecnologia e qualificação e requalificação técnico-profissional.

Trata-se, assim, de afirmar que são os trabalhadores que defendem as reformas democrático-populares e que, efetivamente, têm as condições e o interesse de construir um projeto de desenvolvimento nacional autêntico, que tanto incorporará as novas tecnologias quanto realizará o sonho inadiável de justiça e liberdade entre nós.


Caro Leitor, esperamos que a leitura deste artigo, pertencente à Revista Práxis número 10, Outubro de 1997, tenha sido proveitosa e agradável.

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