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As Bases do Comportamento Humano
em seu Ambiente
1

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Guillermo Foladori
Guillermo_Foladori@revistapraxis.cjb.net

Antropólogo uruguaio, Doutor em Economia pela Universidad Autónoma de México, Professor-Investigador do Doutoramento em Meio Ambiente e Desenvolvimento da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Pesquisador visitante do CNPQ, Membro do Coletivo de Sócios da Revista Práxis, Membro do Conselho Editorial da Revista Trabajo y Capital, Uruguai. Autor, entre outros títulos, de Los Medios en la Acumulación de Capital, Ed. Banda Oriental, 1990, Uruguai, Economía de la Sociedad Capitalista, co-autor G. Melazzi, Ed. Banda Oriental, 1991, Uruguai, Dinero y Inflación, co-autor D. Olesker, Ed. Banda Oriental, 1992, Uruguai e Los Límites del Desarrollo Sustentable, Ed. Banda Oriental, 1999, Uruguai.


Original Español

Fotografia da entrada da Caverna de Vindija, moradia de hominídeos paleolíticos, Croácia, Iugoslávia
Fotografia da entrada da Caverna de Vindija, moradia de hominídeos paleolíticos, Croácia, Iugoslávia
Fotografia da mandíbula de Neanderthal, com aproximados 9 cm, encontrada na Caverna de Vindija
Fotografia da mandíbula de Neanderthal, com aproximados 9 cm, encontrada na Caverna de Vindija
Desenho de um grupo de mulheres Neanderthal
Desenho de um grupo de mulheres Neanderthal

Adjudicar causas humanas à atual crise ambiental já é senso comum. Não obstante, quando nelas se aprofunda surgem importantes divergências. Alguns afirmam que é responsável a ideologia judaico-cristã ocidental inclinada a dominar a natureza (White); outros, certos traços culturais (Moncrief); ou a orientação tecnológica (Commoner); ou as relações de dominação (Bookchin); etc. Entender as causas humanas da crise ambiental é imprescindível para a ação política alternativa. Este ensaio pretende dar um passo prévio: investigar as bases do comportamento humano para com o meio ambiente, diferente do resto dos seres vivos.

Para alcançar tal propósito, retornamos às origens do homem, destacando aqueles elementos que permitem a conexão entre as diferentes características do comportamento humano. Chegamos ao seguinte resultado: os seres humanos, enquanto organismos biológicos e sociedades equipadas com determinadas bagagens culturais, possuem um comportamento e um instrumental para transformar o meio ambiente de forma qualitativamente diferente do resto dos seres vivos. Essas diferenças foram percebidas desde o princípio, embora não o tenham sido, tão claramente, as implicações de longo prazo que causavam sobre o meio ambiente. Mas, o que não foi, até hoje, claramente assimilado é que as peculiaridades humanas, tanto biológicas quanto culturais, provocaram, como um efeito bumerang, transformações qualitativas nas relações sociais, que passaram a governar não só, como seria natural, as relações entre homens, mas, também, as relações com outras espécies e com todo o mundo abiótico2.

I - A Vida em sua Evolução

Cada organismo impulsa, como resultado de sua própria atividade vital, um projeto de vida. Chamamos projeto de vida à adaptação do meio ambiente às necessidades do organismo. O termo projeto pode ter um tom muito forte, e até supor uma teleologia. Não é essa a intenção. Trata-se do desenvolvimento de determinadas forças que se encontram de forma potencial em qualquer organismo ao nascer. A própria atividade vital do organismo é o desenvolvimento e a expressão desse potencial ou projeto. Uma semente de pêssego tem como projeto gerar um pessegueiro, não uma orquídea.

Mas, longe de assumir um ambiente tal qual lhe é dado, cada organismo o constrói segundo as suas possibilidades e de acordo com suas necessidades. Richard Lewontin, expoente da corrente fenogenetista na biologia, escreve: "[Os organismos são] sujeitos ativos que transformam a natureza de acordo com suas leis" (Apud Ingold).

O papel de cada organismo e de cada espécie na transformação do meio é desigual, segundo a escala de expansão e a forma de inter-relação. Algumas, como as cianobactérias, chegaram a constituir-se numa força geológica propriamente dita (Lovelock). Os seres vivos devem assumir um mundo dado; se debatem com condições preexistentes, eles mesmos são pré-condições de seu próprio desenvolvimento. Neste sentido, cada organismo vivo impulsa um projeto.

O resultado da seleção natural constitui a expressão do projeto de vida da espécie. Mas, as espécies também competem entre si, por recursos e espaços. A solução das contradições, tanto entre organismos no interior de cada espécie, como entre espécies diferentes, apresenta, a cada momento, um mundo organizado que é a pré-condição para a vida das gerações seguintes. Essas devem desenvolver-se a partir de condições preexistentes e de formas de vida já "governando o mundo". Nessa perspectiva, a espécie humana é tão somente uma parte desse projeto global, embora apresente especificidades que mais adiante analisaremos.

A vida, em termos genéricos, mostra duas grandes tendências: rumo à apropriação do espaço, em amplitude; rumo à liberação do meio ambiente3. Aqui nos interessa aprofundar a segunda tendência.

A liberação do meio ambiente é a modalidade que assumem as diversas formas de vida ao buscarem uma maior mobilidade para procurar novos espaços e recursos, novas fontes energéticas ou novas inter-relações com as outras formas de vida. Podemos dividir essa tendência em três manifestações que chamaremos aqui: liberação do meio ambiente (stricto sensu); diversificação energética; e superação dos níveis de inter-relação ecológica4.

a) A liberação do meio ambiente

Tal como demonstra André Leroi-Gourhan, selecionando espécies fósseis chaves e considerando somente a tendência mais global da evolução, a vida se libera de seu meio sucessivamente. Na primeira instância da água, do meio líquido na qual se originou, ao passar à terra firme. Logo se libera da sujeição fixa ao solo, com a aparição dos animais móveis. Depois, libera a cabeça do solo, como ocorre com os répteis. Posteriormente, o corpo com respeito ao solo, como nos animais quadrúpedes. Mais à frente, as mãos se liberam da locomoção (nos grandes macacos parcialmente, nos antepassados do Homo Sapiens totalmente).

Por último, o cérebro se libera das mordaças que lhe impõem as funções de alimentação. "Se existe alguma evidência que nenhuma demonstração convincente conseguiu debilitar, é que o mundo vivo amadurece de idade em idade, e que, fazendo uma evolução de formas pertinentes, se torna evidente um largo caminho regularmente ascendente sobre o qual cada 'liberação' marca uma aceleração cada vez mais considerável." (Leroi-Gourhan)

Essa tendência à libertação com respeito ao meio ambiente chega ao seu nível mais complexo na espécie humana, que atinge dois saltos qualitativos: a liberação total das mãos e a liberação do cérebro em relação às funções de nutrição.

b) A diversificação energética

As plantas utilizam a energia solar para assimilar quimicamente os alimentos. Diante disso, dão um salto qualitativo. Porque se alimentam de plantas (ou de outros animais, que por sua vez consomem plantas) que já realizaram um armazenamento energético prévio e, para isso, desenvolvem primeiro energia mecânica para logo assimilar o alimento quimicamente. E porque os mais evoluídos (de simetria bilateral) desenvolvem funções novas: a busca e a captura, as quais supõem um aumento da mobilidade espacial. (Leroi-Gourhan) O ser humano, por sua vez, não só se alimenta de outros seres vivos que previamente acumularam energia, mas consegue reproduzi-los (domesticação), também se apropriar de energia mecânica alheia (uso de animais de trabalho), e utilizar formas energéticas solares derivadas (energia eólica, hidráulica, de marés, geotérmica), energia solar fóssil (carvão, petróleo, gás), solar direta e inclusive alcançar a energia nuclear.

c) A superação dos níveis de inter-relação ecológica

As relações ecológicas podem ser divididas em três níveis: relações com o meio abiótico; relações com outras espécies vivas; relações com congêneres.

Esses três tipos de relações representam, deste modo, três barreiras ou desafios a superar por cada organismo e pelas espécies. A vida mesma, ao surgir de compostos orgânicos pré-bióticos superou a barreira do mundo abiótico. A maioria dos organismos de cada espécie não chega a reproduzir-se, não supera a contradição com seus congêneres. Mas outros, pelo menos, se reproduzem e mantêm a espécie. Algumas espécies se expandem no espaço, conseguindo apropriar-se de recursos do mundo abiótico e superando a competição de outras espécies vivas. Novas espécies surgem nos espaços que lhe são deixadas pelas preexistentes. Trata-se de diversas formas de superar a barreira que significam as formas de vida estabelecidas.

Só o ser humano está a caminho de superar a contradição com seus semelhantes de uma forma nova. Enquanto no resto dos seres vivos a seleção natural trabalha livremente na determinação da reprodução, o ser humano começou o tortuoso caminho de impor condições artificiais que permitam superar a luta entre iguais.

A espécie humana, como os outros seres vivos, deve enfrentar a contradição com o mundo abiótico, com as demais espécies vivas e com seus semelhantes. A forma de superar a primeira contradição é por meio do trabalho. Ao produzir, consegue incorporar às suas necessidades parte do mundo abiótico e os demais seres vivos. A segunda contradição se supera reproduzindo as outras espécies ou subsumindo-as a determinadas condições de vida. A forma de superar a terceira contradição é mediante a associação consciente. Claro que cada uma dessas superações significa, simultaneamente, novas dificuldades e contradições. Assim, a produção trouxe como conseqüências a depredação e a contaminação, o que hoje em dia se manifesta na crise ambiental. A reprodução e controle de espécies coadjuvou a extinção e negação da biodiversidade. E a associação entre os seres humanos percorreu o caminho conhecido: nas sociedades de caça, pesca e coleta, expulsando aos excedentes; nas sociedades escravistas, tratando, na prática, os congêneres como se fossem outra espécie; nas sociedades despóticas, tributárias e servis, submetendo pela força; na sociedade capitalista, substituindo-os pelo mercado. Mas, assim como a tendência global da vida mostra ser a liberação do meio, a tendência global da evolução humana mostra ser a associação consciente, embora ainda pareça faltar muito caminho a ser percorrido.

Para compreender em toda a sua magnitude o salto qualitativo que representa a espécie humana, é necessário nos determos na especificidade humana e nas etapas de sua evolução.

II - Breve resenha sobre as condições e surgimento dos hominídeos

Qual é a especificidade humana no comportamento para com seu ambiente? A resposta a essa pergunta nos obriga a prestar atenção à origem da espécie humana e às condições que tornaram possível sua evolução.

Existem ainda muitas perguntas acerca da história da evolução do gênero Homo e de seus possíveis predecessores. Entretanto, nas últimas décadas, se realizou avanços importantes no campo da paleontologia humana e da biologia molecular. Um deles foi o reconhecimento da origem relativamente tardia dos primeiros hominídeos (Australopithecus), isto é, das linhagens precedentes ao gênero Homo mas já numa linha evolutiva divergente da que deu origem aos grandes símios, nossos parentes vivos mais próximos.

Segundo dados apontados pela biologia molecular, os primeiros hominídeos começaram a se desprenderem do tronco comum, que também deu origem aos grandes símios, de cinco a seis milhões de anos atrás5. Pouco tempo, relativamente, se pensamos em termos da evolução das formas de vida6.

Durante o século passado, e na maior parte deste, pensava-se que a posição erguida, a fabricação de instrumentos e o cérebro relativamente desenvolvido (às vezes, a fala) eram três características que evoluíram juntas na origem do homem. Mas, ainda, salvo raras exceções, se creditava ao cérebro ser o motor da transformação do "macaco em homem". Essa não era mais do que uma visão influenciada pela religião, que pretendia pôr o espírito adiante do organismo.

Hoje em dia, argumenta-se que os fósseis hominídeos mais primitivos conhecidos remontam a 3,5 milhões de anos (Australopithecus Afarensis) e a diferença-chave com seus parentes símios é sua posição erguida7. Embora a locomoção bípede não fosse tão sofisticada como no Homo Erectus, tratava-se de indivíduos que se locomoviam com os pés. A fabricação de instrumentos aparece aos 2,5 milhões de anos (Homo Habilis e Homo Erectus)8. E o incremento do cérebro é correlativo à utilização de instrumentos. Assim, enquanto o cérebro do Australopithecus Afarensis alcançava quinhentos cm³, o do Homo Habilis saltou para oitocentos. O milhão ou milhão e meio de anos entre uns e outros (ou os dois e meio desde a separação dos grandes símios) pareceram indicar a existência de espécies que, sendo bípedes, não fabricavam instrumentos. Tal qual escreveu sarcasticamente Leroi-Gourhan: "Estávamos prontos para admitir tudo, exceto o havermos iniciado pelos pés".

O câmbio na postura, que foi o passo decisivo para a liberação das mãos e a transformação de todo o organismo, adjudica-se às pressões seletivas produtos de importantes câmbios climáticos. Há vinte milhões de anos começou uma época de resfriamento generalizado, que implicou uma redução da franja equatorial e substantivos câmbios em todo o mundo. A isso se somou, no Leste africano, onde se originaram os hominídeos, um movimento tectônico conhecido como Falha de Rift. Tal falha se originou a cerca de oito milhões de anos. Ao leste dessa falha, da Etiópia até o sul da África, as chuvas se tornaram descontínuas e os bosques foram substituídos pela savana. Os frutos tropicais se tornaram escassos e as condições de vida, para os antepassados do homem, mais difíceis. Então, sob a pressão da seleção natural, os antepassados humanos tiveram que se adaptar para sobreviver. Já não podiam subsistir da vida arbórea, tanto porque os alimentos se tornaram mais escassos e dispersos, como porque as condições de segurança não eram as mesmas na savana como nos bosques. Com isso, a posição erguida foi favorecida. Permitia o deslocamento mais efetivo por áreas mais extensas para buscar o alimento e também favorecia, pela altura, um horizonte visual mais amplo, que garantia maior segurança.

O registro fóssil confirma o custo em espécies que significou esse câmbio climático e a vantagem adaptativa da locomoção bípede. Entre os dez e os cinco milhões de anos desapareceram na África quase uma vintena de variedades de grandes símios (somente sobreviveram três). Ao contrário, floresceram diversas variedades de hominídeos bípedes (identificados cerca de meia dúzia) (Leakey).

Por volta dos três milhões de anos ocorreu outra onda de frio, que novamente provocou um clima mais seco, com suas repercussões na vegetação e na pressão sobre os hominídeos9. Os sobreviventes, aparentemente, bifurcaram-se em duas alternativas. Uns se especializaram em uma alimentação vegetariana mais "dura", consistindo em raízes e sementes, outros optaram por uma dieta omnívora. "Nossa família ofereceu assim duas soluções à crise climatológica de três milhões de anos, uma forma pré-humana com um corpo forte – 1,50 m, 50 kg – e uma dentadura muito especializada para uma alimentação estritamente vegetariana, mas com o cérebro pequeno – 500 cm³ –; e a primeira forma humana Homo Habilis, com um cérebro muito mais desenvolvido, 800 cm³, e uma dentadura omnívora apta a uma alimentação vegetariana e carnívora, mas com um corpo mais delgado – 1,30 m, 30 kg" (Coppens). A alternativa vegetariana (Australopithecus robustus e boisei) não alcançou um êxito evolutivo, enquanto a omnívora (Homo Habilis) evoluiu, segundo hipóteses predominantes, à forma Homo Erectus.

Deve-se considerar o bipedismo como a condição para o surgimento do gênero Homo. As posteriores mudanças até à dieta omnívora, como a fabricação de instrumentos e o incremento do cérebro, foram possíveis pela postura e o deslocamento erguidos. A posição erguida e a locomoção bípede liberaram as mãos das funções de translação10. Em seu conjunto, isso significou um passo decisivo na liberação do meio. Ampliou-se a área de deslocamento para a obtenção de recursos e, ao utilizar as mãos como meio de carga, pôde-se separar, no espaço, a obtenção do alimento de seu consumo. Assim, o deslocamento em dois pés pode ser considerado, além de uma revolução biológica, a condição para a transformação "humana" do meio ambiente. O deslocamento bípede permitiu ao Homo Erectus colonizar da África ao extremo sul oriental da Ásia em, talvez, algumas dezenas de milhares de anos. A segunda transformação revolucionária, que permitiu o surgimento do gênero Homo, foi o fabrico de instrumentos.

III - O surgimento do gênero Homo

Enquanto parece claro que a posição erguida foi o elemento desencadeante da transição do antepassado símio ao hominídeo, não é tão claro qual foi o elemento central na transição do hominídeo ao homem. Alguns se inclinam pela fabricação de instrumentos, outros pela linguagem. A dificuldade em determinar o elemento dinamizador é simples, registros fósseis de instrumentos existem, mas da fala, não.

Existe, ainda, outra dificuldade. O uso e a fabricação de instrumentos foi um processo longo de complexidade crescente que ainda continua. Enquanto a fala, embora seguramente foi o resultado de um processo também longo, teve um fim uma vez alcançado o nível de articulação tal qual o conhecemos11. Então, a pergunta pode ser colocada assim: A linguagem articulada foi exclusivamente do Homo Sapiens, ou a havia alcançado o Homo Erectus, ou inclusive, o Homo Habilis?

As hipóteses sobre a origem da linguagem são numerosas. Boa parte delas estabelece uma conexão estreita entre linguagem e fabrico de instrumentos. Isso é natural, já que existe uma relação neurológica entre a boca e os órgãos da alimentação, com o uso das extremidades dianteiras em todos os animais de simetria bilateral. Não obstante, enquanto alguns sustentam que é impossível fabricar instrumentos sem linguagem, porque só esta permitiria o desenho mental prévio, outros sustentam que foi a inteligência prática que permitiu o desenvolvimento da linguagem, até que uma vez estabelecida começou a comandar as ações. Mas também existem hipóteses que assinalam que o surgimento da linguagem não está relacionado com o fabrico de instrumentos, mas com o incremento filogenético do papel dos sentidos, da caça complexa ou da vida social.

À medida que nos acercamos ao Homo Sapiens, maior é o peso dos preconceitos e das ideologias. Não é o mesmo haver "nascido" das mãos ou do pensamento. O primeiro é muito mais prosaico. Não obstante, vamos argumentar aqui em seu favor.

A posição erguida implicou uma série de transformações fisiológicas encadeadas. Em primeiro lugar, a liberação dos membros dianteiros. O que supõe a possibilidade de utilizar as mãos para tarefas que antes eram realizadas pela boca: captura, divisão, defesa e transporte. Não se trata de um câmbio expontâneo. As formas mais simiescas de utilização das mãos seguramente se converteram em uma pressão seletiva para que a evolução atuasse. Como assinala Washburn, o uso das mãos modificou sua própria estrutura: "A seleção primou os dedos mais curtos e os polegares mais grossos. O uso de ferramentas modificou a orientação da evolução e a forma das mãos (...) Nossa mão é o resultado de pelo menos meio milhão de anos de uso de ferramentas". (Apud Clark) O grau de oposição que tem o polegar humano foi evoluindo, como o insinua a diferença que existe em relação aos primatas. No orangotango, por exemplo, de 40, nos babuínos e mandris, de 57-58, e no ser humano, de 65 em média. (Napier)

Em segundo lugar, devido ao uso das mãos superando tarefas anteriormente realizadas pela boca, que fica relegada a funções de alimentação e digestivas, reduzindo consequentemente a musculatura da mandíbula que se enraíza no crânio. Ao mesmo tempo, a posição erguida permite que a cabeça se sustente em equilíbrio sobre o extremo superior da coluna vertebral, favorecendo a redução da massa muscular em comparação com o quadrúpede que deve suster permanentemente a cabeça. Ambos os câmbios colaboraram para deixar um vazio que facilitou a expansão do cérebro.

Em terceiro lugar, a posição erguida favoreceu um horizonte visual mais amplo e, com ele, uma maior visão estereoscópica, de cores, e a perda relativa do olfato em favor da vista. Em conjunto com a preensibilidade da mão se desenvolveu a coordenação olho-mão, relação neurológica privilegiada.

Referir-se à fabricação de instrumentos como o elemento dinamizador dos câmbios fisiológicos e culturais posteriores requer duas precisões. A primeira delas tem a ver com a fabricação de instrumentos a partir de um ponto de vista técnico, isto é, como intermediação entre o indivíduo e o objeto da atividade. A segunda, que analisaremos no próximo item, refere-se ao caráter social.

IV - O aspecto técnico do fabrico de instrumentos

O fato prático de construir objetos úteis que servem para obter ou apropriar-se de alimento não é um privilégio humano. Resumindo a principal conclusão da investigação de Boesch e Boesch sobre os chimpanzés do bosque Tai, escreve Kathleen Gibson: "Entre os chimpanzés, as técnicas mais avançadas para quebrar nozes, e a maior dependência de instrumentos para atividades de subsistência ocorre no bosque Tai, na Costa do Marfim (Boesch e Boesch). As chimpanzés mães nessa região diferem de seus congêneres em qualquer outra população conhecida de chimpanzés em abastecer a suas crias com nozes à idade de 8 anos. Isso permite aos filhotes praticar a habilidade de quebrar nozes por anos antes de se tornarem auto-suficientes".

O caso dos chimpanzés é o mais destacado, mas não o único. É conhecido o exemplo dos pica-paus das Ilhas Galápagos, que escolhem espinhas fortes e largas para utilizar, na ausência de estiletes confiáveis, como instrumento para tirar larvas e outros insetos da casca das árvores. Algumas gaivotas se deslocam quilômetros para jogar os moluscos capturados contra rochas e assim parti-los. Nesse caso, as rochas se convertem num instrumento fixo, ao qual se leva o objeto de atividade: o mesmo sucede com um torneiro, que ajusta a peça móvel ao torno fixo. Existem centenas de exemplos de utilização de instrumentos por diversas espécies animais. Não obstante, a fabricação de instrumentos pelo ser humano tem vários elementos específicos.

O primeiro é sua dupla mediação. Como assinala Beck, o ser humano é o único que usa instrumentos para fabricar instrumentos. Com as mãos livres, o Australopithecus seguramente utilizava instrumentos de maneira ampla. Mas uma coisa é utilizar uma pedra, um osso ou um pau como instrumento e outra muito diferente é usar uma pedra para dar forma a um instrumento que será posteriormente utilizado. O registro fóssil dessa última variante corresponde ao Homo Habilis. Uma inteligência prática, se conta com os apêndices corporais necessários, permite usar instrumentos, mas, para criar instrumentos que não serão de aplicação imediata, é preciso um nível de previsão do futuro muito mais desenvolvido12. A fabricação de instrumentos desenvolve a tridimensionalidade do tempo. Trata-se de uma atividade no presente, realizada com instrumentos do passado, em função de uma atividade do futuro (Kosik).

Em segundo lugar, e derivado do anterior, está a distância temporal e espacial entre instrumento e necessidade. Nos animais, o instrumento é buscado em presença da necessidade. No ser humano, a busca ou fabricação de sua utilização se distanciou da necessidade. Esse distanciamento possibilita o fabrico de coisas, ou de agregados aos mesmos instrumentos, não diretamente vinculadas à sua utilidade (isto é, à sua necessidade), mas a critérios estéticos ou de regulação social.

Marx ressaltou essa diferença, que terá as conseqüências mais importantes na história da humanidade, em seus primeiros escritos: "Certo é que também o animal produz. Constrói seu ninho, sua morada, como a abelha, o castor, a formiga etc. Mas só produz aquilo de que necessita diretamente para si ou sua cria; produz de um modo unilateral, enquanto a produção do homem é universal; só produz sob o acicate da necessidade física imediata, enquanto o homem produz também sem a coação da necessidade física, e quando se encontra livre dela é quando verdadeiramente produz".

O terceiro é o papel que cumpre o uso de instrumentos como mecanismo de objetivação da natureza. A natureza é, na maioria dos seres vivos, apropriada como uma extensão do próprio corpo e de forma predeterminada. Por certo que se assinalaram múltiplos exemplos onde os animais "cambiaram as regras do jogo", mostrando um grau de subjetividade através de uma flexibilidade de comportamento às vezes surpreendente13. Mas essa flexibilidade se torna gradualmente maior na medida em que se interpõem mais e mais instrumentos entre o corpo e o objeto da atividade. Com isso, o pensamento reflexivo dá um salto ao considerar a natureza como externa ao próprio corpo, como algo flexível. Quando em uso, o instrumento é uma extensão do próprio corpo que torna sua a natureza externa; subjetiva-a. Quando não está em uso, o instrumento e o resto da natureza aparecem como externos ao próprio corpo, como elementos objetivos. Ao transformar a natureza, mediante o trabalho, o ser humano a torna sua; adapta-a aos seus interiores. Mas, de maneira correlativa, a própria atividade do ser humano se condensa, objetiva-se em uma coisa que transcende o tempo.

Esse novo produto do trabalho está, por um lado, desprendido da consciência, da subjetividade que o criou; mas, por outro lado, tem cristalizado em determinados materiais uma forma útil que condiciona seus usos futuros. Neste sentido, o objeto do trabalho se desprende da consciência, mas a marca de seu criador transcende o tempo. Essa dialética subjetivo/objetivo implicará conseqüências significativas, tanto para a evolução da sociedade humana, como para a relação dessa com o meio ambiente.

Na medida em que a natureza se objetiva, é cada vez mais passível de ser reordenada e reconstruída de formas variadas. Esse é o aspecto intencional e consciente da atividade humana. Ao mesmo tempo, ocorre uma conseqüência inesperada e inconsciente, fruto da unicidade da natureza: os resultados imprevistos. Os próprios organismos, em sua atividade biológica, têm resultados digamos "não buscados". Os animais que levam sua presa à extinção, as cabras que acabam com a vegetação e as cianobactérias que geraram o oxigênio tóxico para si mesmas, podem considerar-se exemplos desse tipo. Mas, obviamente, quando a interação com o meio ambiente se potência através do uso de instrumentos, não só as conseqüências são quantitativamente maiores, como também qualitativamente distintas, porque, com os instrumentos, a natureza é "separada" de maneira nova, criando intermediações também novas e gerando resultados imprevistos em escala cada vez maior. De maneira premonitória da crise ambiental contemporânea, escreve Engels em 1874: "Não devemos, entretanto, nos lisonjear demasiado de nossas vitórias humanas sobre a natureza. Esta se vinga de nós por cada uma das derrotas que lhe inferimos. É certo que todas elas se traduzem principalmente em resultados previstos e calculados, mas acarretam, ademais, outros imprevistos, com os quais não contávamos e que, não poucas vezes, contrapõem-se aos primeiros."

Hoje em dia, o exemplo mais destacado dessa "individualização" e desses resultados imprevistos da natureza é a ruptura das ligações químicas que geram produtos não biodegradáveis. Como contraparte, o produto do trabalho como algo objetivo e separado do corpo permite a comparação entre o desenho mental prévio e o resultado final. Essa dialética sujeito-objeto conduz a processos de trabalho crescentemente aprimorados. Em seu conjunto, tais características mostram a fabricação humana como uma forma mais evoluída e, em seu conjunto, qualitativamente diferente da dos animais. Mas levanta, inevitavelmente, a dúvida se o elemento desencadeante está na mão ou no cérebro. É possível que a relação neurológica mão-boca dirima a questão.

No nível neurológico, existe uma relação entre a mão e a boca. Os animais de simetria bilateral são aqueles nos quais o corpo se divide em campo anterior e posterior. O campo anterior (que inclui cabeça e membros dianteiros) detém os órgãos de preensibilidade, ingestão, relação e o sistema nervoso. No campo anterior, a cabeça e os membros anteriores entram em inter-relação como resposta à função que cumprem os membros dianteiros na captura do alimento e/ou sua sujeição. De maneira que, em grande quantidade de animais quadrúpedes, como aves, e até peixes, os membros anteriores não se ocupam das funções de locomoção com exclusividade, mas colaboram com os órgãos de nutrição (Leroi-Gourhan).

Nos peixes já se encontram exemplos deste tipo. Peixes de fundo utilizam as barbatanas peitorais dianteiras para remover o fundo e alguns inclusive possuem papilas gustativas nessas barbatanas. Muitos dos quadrúpedes, como o cão ou o gato, utilizam as patas dianteiras para agarrar ou sujeitar as suas presas. No ser humano, as mãos herdaram essa relação neurológica com a boca, o uso das mãos condiciona movimentos simpáticos nos órgãos de nutrição. Os sons da fala seguramente têm suas pré-condições no detalhado movimento das mãos para a fabricação de instrumentos.

Neste sentido, existe um duplo efeito da posição erguida. De uma parte, o crânio se vê liberado da atadura muscular que lhe impunha a cabeça do antigo quadrúpede, ao passo que o rosto, ao reduzir-se em funções, libera também o crânio das ataduras musculares da mandíbula. De outra parte, a intensificação do uso das mãos para a elaboração de instrumentos (o que significa movimentos sucessivamente complexos e detalhados) pressiona para a expansão do cérebro tanto em quantidade como em qualidade. No dizer de Leroi-Gourhan: "Tudo se dá em suma como se o cérebro viesse a ocupar progressivamente os territórios anteriores à medida que são liberados dos constrangimentos mecânicos do rosto".

Vários dados da paleontologia e da arqueologia confirmam a relação entre o uso das mãos na fabricação dos instrumentos e o crescimento do cérebro. Uma relação entre ambos foi realizada por Leroi-Gourhan ao medir o comprimento de fio por quilo de silex do instrumento e relacioná-lo com a capacidade cerebral para cada uma das espécies14. O resultado pode ser visto na seguinte sucessão:

TABELA 1
Relação perfeição do instrumento com tamanho do cérebro
Espécie
Antigüidade
Fio por kg
Cérebro-cm³
Habilis
2.000.000
10 cm
800
Erectus
500.000
40 cm
900
Sapiens
50.000
200 cm
1.400
Sapiens
20.000
2.000 cm
1.400
Sapiens
10.000
7.000 cm
1.400

Fonte: elaborado a partir de Coppens, 1991.

O quadro anterior é só um grosseiro indicativo. Temos que ter em conta que os registros fosseis são escassos e as variações individuais, muitas. Além disso, como cada geração herda de seus antepassados um nível de desenvolvimento tecnológico dado, se não há intercâmbios favoráveis com outras sociedades, ou não existem pressões, certas técnicas podem perfeitamente ficar estancadas enquanto outras formas inteligentes se desenvolvem.

Não obstante, tudo tende a indicar que a linguagem, que é o instrumento do pensamento, foi um resultado derivado da fabricação de instrumentos. O que significa que se deu em um contexto isolado de outras intermediações. Quando falamos de fabricação de instrumentos como elemento desencadeante, não estamos negando que para a aquisição da linguagem foi preciso também, por exemplo, a vida social. Os primeiros instrumentos, simples quanto à técnica, bem podiam ser aprendidos por imitação, habilidade que os macacos em geral desenvolveram amplamente. Mas os instrumentos mais detalhados fabricados pelo Homo Sapiens talvez tivessem necessitado de uma bagagem de explicações teóricas, de uma tecnologia, e não apenas de um conhecimento técnico. "Como uma vez sugeriu Haldane, nossos antepassados hominídeos produtores de pontas de pedernal devem ter feito instrumentos em pedra por muito tempo antes de começarem a desenhá-los em suas mentes. Durante a maioria de nossa história evolutiva, a tecnologia, como um corpo de conhecimento deve ter seguido um caminho retrasado da técnica como um corpo de práticas" (Ingold). Neste sentido, devem ter existido fortes pressões para o processo de falar, derivadas da necessidade de explicar.

O surgimento e desenvolvimento da linguagem articulada é, sem dúvida, o indicador mais claro da função do cérebro. Lamentavelmente, também é o de mais difícil determinação paleontológica e antropológica. Mas resulta significativo que as únicas materializações simbólicas, como as pinturas rupestres, adornos, uso de cores, sepultamento dos mortos etc., surgiram mais ou menos simultaneamente há uns 35 mil anos com o Homo Sapiens moderno, precisamente quando se generalizou a fabricação de variados e detalhados utilitários de pedra. Seria sumamente curioso que, havendo o Homo Erectus fabricado instrumentos materiais, não houvesse cristalizado também materialmente, em forma de ícones ou pinturas rupestres, sua simbologia verbal15.

V - O aspecto social da fabricação de instrumentos

Vimos a produção de instrumentos como uma atividade técnica, imaginando um trabalhador desempenhando uma atividade que, mediada por instrumentos, gera um produto útil. Mas a produção de instrumentos tem outra face, social.

Suponhamos a caça de um animal por um Homo Sapiens pertencente a uma sociedade de caçadores e coletores16. Uma vez capturado, com técnicas de arco e flecha, o animal deve ser distribuído entre o bando. Possivelmente o reparto do animal não seja arbitrário, mas obedeça a determinadas pautas culturais, tal qual ensinam as mais diversas etnografias. Agora imaginemos a caça do mesmo animal realizada por um Homo Sapiens corretor, que vive de apostar17 na bolsa de Londres, mas que em seu tempo ocioso tem como hobby a excentricidade de caçar, em suas propriedades, com um arco e flecha semelhante ao caçador anterior. Sua atividade também é exitosa, mas nesse caso o animal é, às vezes, guardado no congelador, ou é dado como comida aos cachorros, e em outras oportunidades realiza festas entre os amigos convidados para saborear a carne selvagem. Ambas as caças são semelhantes em termos técnicos: um caçador, um mesmo instrumento (arco e flecha) e um mesmo resultado (o javali). Mas resulta visivelmente diferente a distribuição do produto. Em um caso, a repartição se dá de acordo com regras, em outro, o caçador faz o que quiser. Das relações visíveis não se pode extrair mais nada. Mas, existem relações invisíveis, relações sociais, que condicionam a produção (nesse caso, a caça) e explicam a distribuição. No primeiro caso, a natureza aparece como uma extensão do corpo do bando. Dentro dos limites em que se move, a natureza pertence ao bando. É uma posse – em termos modernos – virtual, mas garante que o javali pertença ao bando em estado livre. Quando um de seus integrantes o caça, deve, forçosamente, distribuir o produto entre seus possuidores. Ao contrário, o moderno yuppie caça em seu território privado, de maneira que o javali lhe pertence e ele pode fazer o que desejar.

O simples exemplo mostra que qualquer processo de trabalho (a caça ou coleta também são formas de trabalho) está condicionado por uma pré-distribuição de seus meios e objetos de trabalho. Em nosso exemplo, a apropriação coletiva da natureza, por um lado, e a propriedade privada do solo, por outro. De maneira que, em qualquer momento, uma sociedade não só produz segundo o nível de desenvolvimento tecnológico que herdou das gerações passadas (e que, eventualmente, pôde melhorar), mas também segundo a forma de distribuição dos meios e objetos de trabalho.

Também nessa faceta social existe uma clara diferença entre o uso de instrumentos por animais e por seres humanos. Nos animais, cada geração deve recomeçar do zero, já que os instrumentos ou meios de produção não são passados de geração em geração. Não existem ali nem história passada nem relações sociais18. Então, o ponto de partida, tanto histórico como lógico, para que hajam relações de produção, é que existam coisas que perdurem no tempo, que superem a imediata necessidade. Os instrumentos foram as primeiras dessas coisas. A divisão social do trabalho, isto é, as regulações em torno do reparto dos instrumentos e dos bens herdados das gerações passadas, têm dois sustentáculos. Por um lado, e como requisito, coisas produzidas, bens materiais. Por outro, uma configuração simbólica que respalda um tipo determinado de distribuição dessa riqueza material. A fabricação de instrumentos foi o elemento dinamizador, gerando coisas como requisito para o surgimento de relações sociais.

O elemento da divisão sexual do trabalho é ilustração disso. É quase uma norma, na sociedade de caçadores e coletores, que os homens se dediquem à caça e as mulheres à coleta. A origem dessa divisão sexual do trabalho é difícil de determinar; mas também aqui a fabricação de instrumentos foi o elemento dinamizador. A transição do Australopithecus ao Homo Habilis (ou ao Homo Erectus) significou um câmbio da dieta, de vegetariana a omnívora. Pois bem, a possibilidade de consumir carne só foi possível com instrumentos de corte que substituíram a incapacidade da mandíbula e dentadura adaptadas a uma alimentação vegetariana.

Como se estabeleceu a divisão sexual do trabalho é objeto de diversas hipóteses. Segundo vários autores (Fox, K. Gough) o passo da dieta omnívora à carnívora foi central. Nos macacos antropóides herbívoros, onde a carne é só circunstancial, o alimento é buscado individualmente, não havendo diferenças entre os sexos. Por sua parte, a alimentação carnívora obriga os machos a perseguir a presa, distanciando-se da fêmea, que por menor tamanho físico, assim como pelo cuidado com a prole, não tem as mesmas possibilidades19. Fox (1987, 1990) e K. Gough (1984) desenvolveram sugestivas hipóteses mostrando condicionamento entre o regresso para compartilhar o produto da caçada e o intercâmbio sexual. Os hominídeos primitivos não tinham essa experiência de divisão sexual do trabalho assimilada geneticamente, de maneira que tiveram que recorrer a soluções inteligentes para estabelecer regras simbólicas que garantiram o respeito à divisão sexual do trabalho: a exogamia e o incesto implicaram repressões individuais para favorecer a reprodução do grupo (Fox)20.

Existem outras hipóteses sobre o surgimento da divisão sexual do trabalho. Testart (1994), por exemplo, sustenta que as mulheres não caçam quando para tal se requer objetos perfurantes ou cortantes, e muito menos realizam atividades que impliquem em contato com sangue. A identidade do sangue com a menstruação implicaria tabus que constituiriam a base da divisão sexual do trabalho. Conclui: "A questão da divisão sexual do trabalho entre os caçadores-coletores nos põe, pois, na presença de uma estrutura simbólica muito geral, quase universal."

Essa argumentação deve se submeter a uma concepção herdada de Levi-Strauss, segundo a qual existem pautas culturais "universais" na espécie humana, impossíveis de explicar. Assim, embora a constatação etnográfica seja muito interessante, fica sem resposta a razão pela qual se organizaram essas regras simbólicas. Que as relações simbólicas sejam o meio de confirmação de uma determinada divisão social do trabalho, é semelhante às leis de nossa sociedade na confirmação da propriedade privada. O que requer explicação é porque é necessária a divisão sexual do trabalho no primeiro exemplo, ou porque propriedade privada no segundo. O problema não se resolve argumentando a existência de "universais", mas explicando que condições tornaram necessário o seu surgimento. Posto que hoje em dia se defende a origem única do Homo Sapiens moderno numa comunidade africana de, talvez, não mais do que cerca de dez mil pessoas, é bem factível que a partir da caça como causa se desenvolveu uma série de regulações simbólicas, como aponta Testart.

Em qualquer das hipóteses, a fabricação de instrumentos possibilitou a caça e, com isso, a divisão do trabalho baseada em regulações sociais antes que biológicas. Na mesma medida em que adquiriam instrumentos para transformar o meio, nossos antepassados Homo se transformaram a si mesmos, tanto física como socialmente.

VI - Cultura e Biologia

Poucos duvidariam de que existem características culturais diferentes das biológicas em qualquer sociedade humana. Foi uma tradição em antropologia distinguir a herança biológica da "herança" social (cultura). Entendendo por herança biológica aquelas características que se transmitem geneticamente e construindo a cultura com o resíduo de tudo o que não é genético. Durante mais de um século essa distinção permanece inquestionada. Assim, por exemplo, uma dança é um fato cultural, enquanto a posição erguida que a permite, é um produto biológico da evolução.

Se de alguma forma podem distinguir-se raças humanas, é a partir de diferenças genéticas. Enquanto que com o conceito de étnico se faz diferenças às variações culturais entre os povos. À primeira vista, a raça é produto da herança, o étnico da cultura. Claude Levi-Strauss (1953) foi o primeiro a questionar essa ordem de especificação. Argumentou que, a partir de práticas culturais, as populações tendem a se cruzar segundo certas regras, favorecendo a imposição de diferenças genéticas. Assim, as etnias criariam as raças e não o contrário. Sem ao menos suspeitar, Levi-Strauss estava estendendo a moderna teoria construtivista ou fenogenética da biologia à antropologia. Que a etnia cria a raça, é como dizer que a prática do fenótipo em interação com seu ambiente condiciona o fenótipo e a evolução.

A teoria fenogenética na biologia, que considera o fenótipo como um organismo que interage com o meio e o reconstrói ao seu interesse, veio a questionar aquela distinção aparentemente tão nítida entre o biológico e o cultural. O canário aprende a cantar, mas ninguém ousaria sustentar que ele tem cultura. Com o frio e a seca a vegetação cresce mais lentamente, e a mesma cresce mais rapidamente quando aumenta a temperatura e a umidade. Trata-se de câmbios biológicos, embora não genéticos. Mas, se um desportista desenvolve determinados músculos, o cambio em seu corpo é cultural ou biológico? A identificação do biológico com o genético é um resultado ideológico, dos inquestionáveis avanços da biologia molecular durante o século XX, mas a biologia não pode reduzir-se ao genético. Quando, desde uma perspectiva biológica, se analisa o fenótipo, e consequentemente o meio com o qual interage, as distâncias entre biologia e cultura, ou entre biologia e antropologia, tornam-se difusas.

Tim Ingold (1995) expôs claramente essa contradição. Tomou o caso do deslocamento bípede, que está na base do surgimento dos hominídeos como mudança biológica essencial. Até onde sabemos, argumentou, as crianças não nascem caminhando, mas aprendem a caminhar na medida em que existe um meio (superfícies relativamente planas, força gravitacional, adultos ensinando etc.) que lhes permite fazê-lo. Conclui Ingold: "Estritamente falando, então, o bipedismo não pode ser atribuído ao organismo humano, a menos que o contexto meio-ambiental entre na especificação do que esse organismo é. (...) Mais ainda, estas habilidades estão literalmente incorporadas ao organismo, no sentido de que seu desenvolvimento implica modificações específicas em neurologia, musculatura e, ainda, em características básicas da anatomia (...) esta conclusão está confirmada pela mais recente investigação neurológica, que mostra, tal como reportam Kandel e Hawkine, que 'nossos cérebros estão constantemente cambiando anatomicamente' inclusive quando aprendemos".

O mesmo argumento pode estender-se à linguagem. A capacidade de falar é um resultado biológico da evolução, enquanto ler e escrever seria um produto da cultura. Não obstante, ambas as coisas não podem ser separadas. Passa-se aqui o mesmo que com o caminhar. As crianças não nascem nem caminhando nem falando, mas desenvolvem essa capacidade na medida em que crescem em um meio adequado. Mas, ao fazê-lo, desenvolvem modificações, adaptam seu organismo a tais efeitos. A conclusão de Ingold é óbvia: "Segue-se que as diferenças culturais – na medida em que surgem dentro do processo de desenvolvimento do organismo humano e seu meio ambiente – são elas mesmas biológicas".

A crítica de Ingold é uma extensão da teoria fenogenética da biologia à antropologia. Os fenogeneticistas criticam a corrente neodarwinista por desconhecer o papel do fenótipo na evolução. Sustentam que o organismo adapta o meio às suas necessidades e, ao fazê-lo, transforma-se a si mesmo. A atividade de desenvolvimento do organismo o modifica biologicamente. Estendendo esse raciocínio à sociedade humana, resulta que todo o aprendido, ou seja, o que geralmente se denomina cultural, é parte integrante do próprio organismo biológico. Não há prática cultural alguma que não tenha repercussões físicas no próprio organismo. Por isso, para Ingold, "Tão pronto introduzimos o conceito ambiental do desenvolvimento em nossa especificação do que um organismo é, segue-se que o ser humano no ambiente A não pode ser o mesmo tipo de organismo que o de um ser humano no ambiente B. Portanto, o homem de Cro-Magnon era uma criatura diferente do caminhante, ciclista urbano ou condutor de automóveis de hoje em dia. Não era 'como nós' nem mesmo biologicamente. Pode ser parecido geneticamente, mas isso é outra questão."

Embora coerente, o raciocínio de Ingold passa ao largo de um elemento central: as coisas produzidas. Para caminhar, basta o contexto, para falar também, mas para andar de bicicleta ou para ler ou escrever fazem falta bicicletas, livros, folhas de papel, lápis ou computadores. A possibilidade de aprender a caminhar não transcende o tempo, não se cristaliza em um objeto independente do corpo. O aprender a falar não está objetivado em coisas separadas do corpo. Mas, a bicicleta, o computador, ou o livro, sim. Essa é uma diferença radical. Quando a aprendizagem se realiza através de utilitários, quaisquer que forem, esses podem ser monopolizados e seu acesso restringido.

A distinção nos retorna às relações sociais. O requisito para que existam relações sociais é que existam coisas que se "herdam" de uma geração a outra. A fabricação de instrumentos tornou possível o primeiro passo nesse sentido. Mas, tão logo o trabalho humano se objetiva em coisas que perduram, essas se tornam factíveis de monopólio, e surgem regulações que estabelecem uma divisão social do trabalho a partir do controle ou posição dessas coisas. A divisão sexual do trabalho, que tem suas bases biológicas, passa a ser governada pelas relações de produção, uma vez que existem instrumentos que podem transferir-se de umas pessoas às outras, de geração em geração. O que começa como uma partilha do trabalho a partir de diferenças biológicas, termina em um reparto do trabalho a partir de regulações sociais estabelecidas pela pré-distribuição dos instrumentos.

Em sua aparência, a fabricação de instrumentos é um processo técnico. Em sua essência, depende de relações sociais baseadas em uma determinada forma de partilha dos meios de produção herdada das gerações passadas. O conceito de produção engloba tanto a aparência como a essência, tanto a criação de novos produtos como sua distribuição. A produção nunca é um fato individual ou separado no tempo. É um processo que se cria na base de uma distribuição preestabelecida (passada) de meios de produção, com meios e instrumentos do presente e para uma distribuição e consumo no futuro. Todo processo de produção tem, por sua vez, uma base material que reflete o nível técnico alcançado e o tipo de distribuição dos meios de produção, e uma trama simbólica de regras que reconhecem essa distribuição.

Com a fabricação de instrumentos, o Homo deu um passo revolucionário no comportamento para com seu meio. Por um lado, porque começou a potencializar sua capacidade biológica para adaptar o meio ambiente às suas necessidades. Isso se constituiu em um processo sem fim. O Homo Sapiens se expandiu para todo o globo terrestre ainda sob uma técnica paleolítica – se excetuamos os pólos. E, desde esse começo, teve efeitos devastadores para certas espécies21. Mas, por outro lado, a produção supôs uma revolução no interior da própria espécie humana. Converteu a contradição entre congêneres de biológica em social. A luta pela sobrevivência deixou de ter como resultado a sobrevivência do mais apto, como acontece com os outros seres vivos. Os sobreviventes passaram a ser os que conseguiam a posse dos melhores meios de produção. As relações de produção dominaram as relações biológicas de reprodução no que se refere à evolução humana. Com isso, o comportamento humano para com seu ambiente passou a depender do tipo de relações sociais de produção.

Não é o momento de explicar como as diferentes relações de produção implicam leis específicas de uso do meio ambiente. Basta recordar o exemplo da seção anterior, onde se comparava o caçador da sociedade de caça com o desportista yuppie. No primeiro caso, a natureza é o armazém da comunidade como um todo, de maneira que as decisões sobre o modo de sua utilização, assim como os resultados do trabalho, são decisões coletivas. No segundo caso, a propriedade privada permite a decisão individual sobre o uso dessa parcela da natureza. A contradição entre o interesse individual e o interesse da comunidade é tão somente uma das diferenças que impulsa a comportamentos diferentes com respeito ao meio ambiente, e que deu lugar à polêmica sobre a "tragédia dos bens coletivos"22.

VII - Conclusões

A moderna tecnologia, ou a ideologia produtivista que a expressa, são comumente identificados como a causa humana da atual crise ambiental. Entretanto, trata-se das manifestações mais aparentes de uma essência não tão visível, as relações sociais.

Nas páginas anteriores, revisamos criticamente a origem do gênero Homo e sua evolução. Através dela mostramos que o ser humano aprofunda algumas tendências presentes nas outras espécies, como a liberação do meio. O salto qualitativo que representou a posição ereta, e a conseqüente liberação das mãos, foi o elemento desencadeante de todas as transformações posteriores nos hominídeos e no gênero Homo.

O eixo ou atrativo em torno do qual se organizou toda a vida humana foi a produção da vida material, que teve sua raiz na fabricação de instrumentos. A fabricação de instrumentos permitiu um relacionamento novo com o meio ambiente. Primeiro, desenvolvendo, com sua prática mesma, um conceito do tempo que distingue a ação (presente), dos objetos (passados) com os quais se realiza e do propósito (futuro). Segundo, o fato mesmo de produzir instrumentos sem a pressão da necessidade imediata permitiu a produção de objetos para satisfazer a necessidades não imediatas e, com isso, a criação de inúmeras necessidades espirituais. Terceiro, logrando que o produto do trabalho, junto à natureza mesma que se emprega na ação, apareça como elementos objetivos, passíveis de serem reordenados e contrastados com o desenho mental. Essa dialética objeto/sujeito permitiria o desenvolvimento tecnológico, assim como a reflexão sobre os limites de seu controle. Por certo, esse relacionamento novo com o meio ambiente implicará, por si mesmo, uma série de conseqüências (transformação de ritmo crescente, amplitude de utilização de materiais, separação de elementos, efeitos imprevistos etc.), resultados que constituem a base objetiva dos que creditam à tecnologia a causa da atual crise ambiental. Não obstante, uma transformação derivada dessas relações técnicas, o câmbio no relacionamento entre congêneres, passou a condicionar as próprias relações técnicas.

Se o relacionamento com o meio ambiente pode ser desagregado em relações com o meio abiótico, com o resto dos seres vivos e congêneres a forma pela qual os seres humanos abarcam esses dois tipos de relacionamento são as relações técnicas. Mas, enquanto no resto dos seres vivos as relações entre congêneres se resolvem basicamente pela via biológica da seleção natural, no ser humano elas aparecem mediadas pelas relações sociais de produção.

Toda atividade humana, qualquer que seja, se realiza sobre a base de mediações com utilitários pré-fabricados, que constituem a base material da sociedade humana. Na medida de seu consumo, esses produtos são reproduzidos por meio de instrumentos e objetos de trabalho. Por isso, a distribuição dos meios de produção são a base e a condição para a reprodução de toda a sociedade. As relações sociais de produção estabelecem, em cada momento histórico, combinações na propriedade/acesso/uso desses meios e, ao fazê-lo, condicionam as próprias relações técnicas, ou seja, a forma de relacionamento com a natureza. Daí se conclui que a principal revolução que ocorreu com o surgimento do gênero Homo foi, não tanto o fato técnico de haver acedido a uma transformação formal da natureza mais profunda e ampla, mas o fato social do ser humano haver transformado a si mesmo, gerando relações entre congêneres que condicionam todo comportamento posterior com o meio ambiente.


Fotografia do crâneo de um Australopithecus Africanus encontrado em Sterkfontein, África do Sul, com 19 cm
Fotografia do crâneo de um Australopithecus Africanus encontrado em Sterkfontein, África do Sul, com 19 cm
Fotografia do crâneo de um Neanderthal
Fotografia do crâneo de um Neanderthal
Fotografia de crâneo de Homo Ergaster, encontrado em Koobi Fora, no Kênia, com aproximados 20 cm
Fotografia de crâneo de Homo Ergaster, encontrado em Koobi Fora, no Kênia, com aproximados 20 cm

 


OBS: Devido a um erro do editor responsável pela edição impressa, todas as Notas de Rodapé, na versão impressa, foram apagadas. Aqui, nesta versão Web, corrigimos o equívoco, restaurando as Notas do Autor, conforme o original em Espanhol, pedindo-lhe desculpas públicas pelo ocorrido. (Nota do Tradutor/WebMaster)


0 - Las Bases del Comportamiento Humano con su Ambiente. Tradução do original espanhol: Néliton Azevedo, coordenador do Centro de Pesquisas em Desenvolvimento Energético para a América Latina, IRN/IAEA, e membro da editoria da Revista Práxis. (Nota do Editor)

1 - Algumas idéias deste texto foram expostas em outro artigo, escrito em colaboração com Javier Taks, em 1995.(Nota do Autor)

2 - Sem vida, reino mineral. (Nota do Tradutor)

3 - "liberación del entorno", no original espanhol. (NT)

4 - Desde a semiótica existem os que sustentam que também é uma tendência da vida a evolução dos signos ou sinais para regras de sinais cada vez mais evoluídas. Segundo essa concepção, todos os seres animados são bombardeados por sinais provenientes de seu meio e os reproduzem como sinais exteriores. Esse processo de sinalização se denomina semiose. Assim, o processo de formação de células eucariotas, segundo a conhecida hipótese de Lynn Margulis (1990), encerraria um processo semiótico (Sebeok).

5 - Em 1967, os bioquímicos Allan Wilson e Vincent Sarich, da Universidade de Berkeley, Califórnia, sugeriram, com base no relógio molecular, uma antigüidade de cinco milhões de anos para a separação humanos/símios. O relógio molecular mede a distância temporal que leva às diferenças genéticas atuais; neste caso, entre chimpanzés e gorilas com respeito ao ser humano.

6 - A posterior evolução é objeto dos mais acalorados debates. Existem várias hipóteses sobre a evolução dos hominídeos. Desde a que propõe que os Australopithecus não evoluíram até ao gênero Homo, mas que foram espécies truncadas, até às que propõem uma sucessão bastante linear entre uma ou duas variantes de Australopithecus, até chegar ao Homo Sapiens. Também existe divergência quanto à origem do Homo Erectus. Alguns sustentam uma origem única africana, enquanto outros propõem a evolução múltipla.

7 - Um dos precursores dessa teoria, durante o século XIX foi Engels. Seu artigo O Papel do Trabalho no Processo de Transformação do Macaco em Homem [publicado pela Revista Práxis na Internet, ver "Obras Clássicas do Pensamento Marxista" nos links abaixo, na parte final desta página], escrito em 1874, tem, salvo as distâncias informativas, total atualidade. Vejamos, por exemplo como ele destaca o papel da posição erguida: "Estes macacos, em princípio, obrigados provavelmente por seu gênero de vida, que ao trepar, davam às mãos funções distintas que aos pés, foram perdendo, ao descer ao solo, o costume de se servirem das extremidades superiores ao andar, marchando em posição cada vez mais ereta. Havia sido dado, com isso, o passo decisivo para a transformação do macaco em homem."

8 - Os descobrimentos de fósseis de Homo Erectus durante a década de noventa retraiu as datas da origem dessa espécie, até torná-la quase contemporânea do Homo Habilis.

9 - Os câmbios climáticos afetaram toda a fauna. Para a mesma região onde habitavam os Australopithecus, escreve Richard Leakey: "Entre os antílopes africanos, cujo registro fóssil é dos melhores no que se refere aos vertebrados terrestres, pode-se observar claramente essa onda de extinção e geração de novas espécies há 2,6 milhões de anos. De repente, desapareceu toda uma gama de espécies existentes e apareceram outras novas (...) Suponho que o mesmo ocorreu com os hominídeos, com a evolução dos Australopithecus Robustus e do Homo."

10 - Veja-se uma vez mais a atualidade do texto de Engels, escrito em 1874: "Até que a mão do homem conseguiu talhar em forma de faca a primeira pedra teve que se passar uma imensidão de tempo, junto ao qual se torna insignificante o tempo que historicamente nos é conhecido. Mas o passo decisivo já se havia dado: havia-se liberado a mão, ficando em condições de ir adquirindo novas e novas aptidões, e a maior flexibilidade conseguida desse modo foi sendo transmitida e aumentada de geração em geração."

11 - Talvez tenha existido uma linguagem gestual anterior à articulada. Para uma ampla resenha das diferentes hipóteses sobre a relação entre linguagem e fabrico de instrumentos, ver Tim Ingold, O uso de ferramentas, sua fabricação e a evolução da linguagem.

12 - "A produção de instrumentos no nível humano implica um ato desenvolvido no presente que não pode dissociar-se de um propósito de uso do objeto em um tempo futuro (...) A produção de instrumentos é psicologicamente muito mais complicada que o uso de instrumentos (...) o homem não só faz o instrumento, independentemente de qualquer conhecimento tecnológico incorporado, ele lhe dá forma e, para isso, deve ter uma imagem na cabeça que necessita de representações intrínsecas" (HALLOWELL, A. I.. "The structural and functional dimensions of human existence". In: Quarterly Review of Biology, no 31, 1956, pp. 98-99). Apud Ingold).

13 - Leakey menciona investigações sobre sinais vocais entre os macacos verdes do Quênia, que mostram comportamentos às vezes flexíveis. Gell-Mann faz menção aos pássaros líderes, que enganam o bando para obter vantagens individuais.

14 - Ligado ao aumento do volume do cérebro está o seu crescimento em termos de complexidade. As circunvalações próprias do neocórtex, que dão lugar à fala, e particularmente os lóbulos frontais, acento das faculdades que concebem o futuro, vão crescendo sucessivamente de espécie em espécie.

15 - A anatomia comparada da laringe dos símios e dos seres humanos mostra nos primeiros sua posição na parte superior da garganta, limitando a gama de sons, enquanto nos humanos sua localização na parte mais baixa amplia a gama de sons. Aparentemente, os Australopithecus tinham uma localização alta da garganta, semelhante aos símios, e o Homo Erectus uma posição intermediária entre Australopithecus e Sapiens.

16 - Idéia do exemplo tomada de Tim Ingold (1986).

17 - "Jugar", no original espanhol (NT).

18 - Muitos biólogos utilizam o termo social para se referir a determinadas espécies ou comportamentos. Aqui, por social nos referimos exclusivamente a comportamentos humanos.

19 - Com o surgimento da postura ereta, a fêmea sofre transformações nos quadris que induzem o nascimento de uma cria mais frágil do que a dos primatas.

20 - "Sobre isso versa a sociedade humana; a regra do incesto não passa de uma regra entre muitas, mas a verdade é que o processo que nos levou a esse ponto de inibição espontânea do eu em favor da conduta social regida por regras e que nos permitiu fazer regras contra o incesto, foi o processo pelo qual nos impusemos sobre essas milhares de gerações para inibir e controlar os impulsos 'incestuosos' da horda primitiva: o processo equilibrador em si." (Fox). Ressalte-se que também Marx e depois Freud sustentaram que o ser humano precisou reprimir seus instintos animais (A. Schmidt).

21 - Existem interessantes hipóteses sobre o modo pelo qual os caçadores paleolíticos exterminaram os grandes mamíferos da América e da Australásia (Crosby).

22 - The Tragedy of Commons, artigo de G. Hardin, 1968.

Original Español


Caro Leitor, esperamos que a leitura deste artigo, pertencente à Revista Práxis número 10, Outubro de 1997, tenha sido proveitosa e agradável. O ensaio acima, serviu de base ao livro Los Límites del Desarrollo Sustentable, G. Foladori, Ed. Banda Oriental, 1999, Uruguai (em espanhol). Caso queira adquirir um exemplar do livro, entre em contato conosco.

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