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| Carta Testamento |
Presidente Getúlio Vargas
Getúlio Dornelles Vargas. Principal líder da Revolução de 30. Nasceu em 1883, em São Borja, Rio Grande do Sul. Suicidou-se em 23 de Agosto de 1954 com um tiro no peito, em seu Quarto de Dormir, no Palácio do Catete (antiga Residência oficial e Sede do Governo Federal), Rio de Janeiro.
Carta_Testamento@revistapraxis.cjb.net
Mais uma vez, as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se e novamente se desencadeiam sobre mim. Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam, e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes.
Sigo o destino que me é imposto. Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei ao governo nos braços do povo. A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre.
Não querem que o povo seja independente. Assumi o Governo dentro da espiral inflacionária que destruía os valores do trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até 500% ao ano. Nas declarações de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de 100 milhões de dólares por ano. Veio a crise do café, valorizou-se o nosso principal produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma violenta pressão sobre a nossa economia, a ponto de sermos obrigados a ceder.
Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender o povo, que agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar, a não ser meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida.
Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no pensamento a força para a reação. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com o perdão.
E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate. Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História.
Rio de Janeiro, 23 de Agosto de 1954 - Getúlio Vargas
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Fotografia do Presidente Vargas
na rede, fumando charuto
Trechos do livro de memórias de Nelson Werneck Sodré, Memórias de um Soldado, Ed. Civilização Brasileira, 1ª ed., Rio de Janeiro, 1967, pág. 446. (Nota do WebMaster da Revista Práxis na Internet - NW) [...] [A] Carta [Testamento] de Vargas, libelo terrível contra o Imperialismo e seus agentes internos, confundia-se à grave advertência de Estillac(1). Eram denúncias claras, frontais, verdadeiras - e calavam por isso mesmo. Por toda parte, apesar dos esforços da reação para impedir sua divulgação, as palavras do presidente morto eram discutidas. Ele falara, às portas do túmulo a que a reação (2) o havia levado, com a profunda sinceridade dos que nada mais temem. Acusara as "forças e os interesses contra o povo"; mostrara como haviam necessitado sufocar a sua voz e impedir a sua ação; mencionara, explicitamente, os "decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais" e a aliança deles com os "grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia de trabalho"; citara as ações concretas da reação, "a lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso", contra "a justiça do salário mínimo se desenvolveram os ódios", mal começara a Petrobrás a funcionar e a agitação se avolumara, a Eletrobrás era "obstaculada até o desespero". Acusava, sem disfarce de palavras: "Não querem que o trabalhador seja livre. Não querem que o povo seja independente". Arrolara cifras: "Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até 500% ao ano". Nas declarações de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de 100 milhões de dólares por ano". Indicava a "violenta pressão sobre a nossa economia a ponto de sermos obrigados a ceder". Terminava afirmando que lutara "contra a espoliação do Brasil". Fechava com a frase profética: "Serenamente, dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História".
Todos entravam na História, realmente: ele, com a grandeza de seu gesto e a inteireza de seu libelo; os seus algozes, com a pequenez que os caracterizava, com o papel que desempenharam bem marcado. Porque, se há um balanço a fazer da obra de Vargas, não há nenhuma dúvida de que o dos que o levaram ao túmulo está feito.
Gal. Nelson Werneck Sodré
(0) -
(1) - General Estillac Leal, militar nacionalista. À época do suicídio de Vargas era Comandante do Exército da Zona Centro, com sede em São Paulo. (NW) [ Voltar ]
(2) - Setores golpistas e oportunistas, políticos, econômicos e militares, que com grande controle da mídia, caluniavam Vargas, impediam as ações nacionalistas e preparavam um golpe conservador, que, retardado com o suicídio do Presidente, seria efetivado dez anos após, em Março de 1964. (NW) [ Voltar ]
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Fotografia de Getúlio Vargas
tomando chimarrão
Caro Leitor, esperamos que a leitura da 'Carta Testamento' de Vargas, com os comentários do historiador Nelson Werneck Sodré, tenha sido proveitosa, instrutiva e agradável. Pertencente ao Arquivo Eletrônico de Documentos da História dos Movimentos Progressistas Brasileiros, da Revista Práxis na Internet. Não existe vínculo ideológico ou partidário entre a Revista Práxis e o(s) autor(es), o único propósito é tornar assessível cada documento aos Leitores interessados.
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