|
|
|
| A Ordem Reina em Berlim(0) |
Rosa Luxemburg
Nascida em 1870, na cidade de Samośč, Polônia. Falecida em 1919, em Berlim, na Alemanha.
Principais Obras: "O Programa de Junius", "A Revolução Russa", "A Acumulação do Capital", "Greve de Massas, Partido e Sindcatos", "Cartas da Prisão", entre outras.
Tradutor: Néliton Azevedo
Neliton_Azevedo@revistapraxis.cjb.netÚltimo escrito de Rosa Luxemburg, datado de 14/01/1919.
(Texto Original em alemão)
![]()
Fotografia de Rosa Luxemburg em palanque de rua
"A ordem reina em Varsóvia", anunciou o ministro Sebastini na Cámara francesa quando, depois de um terrível assalto ao bairro de Praga, a soldadesca de Suvarov entrou na capital polaca para começar o seu trabalho de carrascos contra os insurgentes.
A ordem reina em Berlim!, proclama triunfalmente a imprensa burguesa entre nós, bem como os ministros Ebert e Noske e os oficiais das tropas vitoriosas, para quem a gentalha pequeno-burguesa de Berlim agita os lenços e emite os seus hurras. A glória e a honra das armas alemás estám a salvo perante a história mundial. Os que combatêram miseravelmente na Flandres e a Argonne podem agora restabelecer o seu nome mediante a brilhante vitória atingida sobre trezentos espartaquistas que lhes resistíram no prédio do Vorwaerts. As primeiras e gloriosas irrupções das tropas inimigas na Bélgica e os tempos do general Von Emmich, o imortal vencedor de Lieja, tornáram pálidos ao serem comparados com este das façanhas efectivadas pelos Reinhardt e os seus "camaradas" nas ruas de Berlim. Os delegados dos sitiados no Vorwaerts, enviados como parlamentares para tratarem da sua rendição, fôram destroçados a pancadas de garrote pola soldadesca governamental, e isto aconteceu até tal ponto que não foi possível reconhecer os seus cadáveres. Quanto aos prisioneiros, fôram pendurados dos muros e assassinados de tal maneira que muitos deles tinham o cérebro fora do cránio. Quem acha ainda, depois destes indignos fatos, nas vergonhosas derrotas impingidas pelos franceses, ingleses e americanos aos alemãe;es? Spartakus(1) é o inimigo e Berlim o campo de batalha em que somente sabem vencer os nossos oficiais. Noske, "o operário" é o general que sabe organizar a vitória ali onde Lundendorff fracassa.
Como não pensar aqui na matilha vitoriosa que impôs anos antes "a ordem" em Paris, nessa bacanal da burguesia sobre os cadáveres dos combatentes da Comuna?(2). Era a mesma burguesia que acabava de capitular vergonhosamente face aos prussianos e que tinha abandonado a capital do país ao inimigo de fora para fugir ela própria como o derradeiro dos covardes. Uma outra cousa foi depois face aos proletários parisinos mal equipados e sem armas. Contra as suas mulheres e os seus filhos... Então é que puderam mostrar a sua viril coragem os filhos de papai e toda a "juventude dourada" que mandava em Versalles! Estes filhos de Março, pregados até o dia anterior ante o inimigo estrangeiro, souberam de repente ser cruéis e bestiais face a umas vítimas sem defesa, face a uns centos de prisioneiros e moribundos. "A ordem reina em Varsóvia!" "A ordem reina em Berlim! Eis como proclamam as suas vitórias os guardas da "Ordem" através de todos os exércitos que se estendem de um lado para outro da luta histórica mundial. A destituição dos vencedores não indica mais do que o final de uma etapa da "Ordem" que deve ser mantida e proclamada periodicamente, mediante toda a classe de sanguentos assassinos, sem deter-se na sua marcha para o seu destino histórico, quer dizer, para o seu fim.
O quê tem chegado esta Semana aos nossos ensinamentos? Em primeiro lugar, ainda no meio da luta e dos gritos vitoriosos da contra-revolução, os proletários revolucionários pudéram chegar a medir os acontecimentos e os seus resultados com a grande medida da história. E isto aconteceu assim porque resulta que a Revolução não tem tempo a perder e, em conseqüência, persegue a sua vitória por cima das tumbas e por baixo das habituais vitórias e derrotas.
Reconhecer as suas linhas de orientação e seguir os seus caminhos com plena consciência é a tarefa fundamental de todos os que lutam pola vitória do socialismo internacional.
É possível esperar uma vitória definitiva do proletariado revolucionário, na sua luta com os Ebert-Scheidemann, para aceder a uma ditadura socialista? Decerto que não, sobretudo se se considerarem devidamente todos os fatores chamados a decidir sobre a questão. O ponto vulnerável da causa revolucionária neste momento é a não-madurez política da grande massa de soldados que ainda permitem aos seus oficiais que os mandem contra os seus próprios irmãos de classe. De resto, a não-madurez do trabalhador-soldado não é mais do que um sintoma da não-madurez geral em que ainda se acha imersa a revolução alemá.
O campo, que é de onde procede a maioria dos soldados, fica tanto depois como antes fora do campo de influência da revolução. Berlim é até o presente, face ao resto do país, algo assim como um ilhéu. Os centros revolucionários da província (os de Rhenánia, Wasserkant, Brunschwitz, Saxe e Wurtemberg nomeadamente) estám de corpo e alma do lado do proletariado berlinense mas, no momento, falta uma concordáncia direta na ação, que é a única que pode proporcionar uma incomparável eficácia ao arranque e a combatividade dos operários de Berlim. Além disso, a luta económica (que é origem de verdadeiras fontes vulcánicas em que se alimenta a revolução) acha-se ainda numa fase claramente inicial.
Disso tudo pode deduzir-se claramente que não é razoável contar no momento com uma vitória de tipo decisivo. A luta destas últimas semanas teve como desenlace o resultado das citadas insuficiências. Sempre há um disparo inicial, mas qual era na realidade o ponto de partida da última semana de luta? Como já aconteceu em casos precendentes, como já aconteceu no 6 de Dezembro, como já aconteceu no 24 de Dezembro, desta vez também estivo a origem numa provocação brutal por parte do governo. Como no caso do assassinato dos manifestantes desarmados, como no caso da matança dos marinheiros, desta vez foi o atentado da Prefeitura da polícia a causa originária de todos os acontecimentos. E é que a revolução nem sempre tem hipóteses de agir seguindo as suas decisões livres, em terreno descoberto e depois de um bom plano de manobras idealizado por algum bom estrategista. Os seus inimigos tenhem também a sua iniciativa, e por vezes inclusive são eles quem a tomam, que por certo é o que se passa geralmente.
Porém, ante o fato da insolente provocação do governo Ebert-Scheidemann, os operários revolucionários estavam forçados a pegarem nas armas. Com efeito, para a revolução, pode dizer-se que era uma questão de honra responder o mais rapidamente possível e com todas as forças ao ataque, porque se assim não fosse teria sido impulsada à contra-revolução, a uma nova etapa repressiva, com o que teriam resultado em comoção as fileiras revolucionárias e diminuido o crédito moral da revolução alemá.
A melhor manobra é uma boa viragem inesperada e audaciosa.
A resistência surgiu tam espontaneamente, com uma energia tão evidente, do mesmo seio das massas berlinenses, que do primeiro momento pode dizer-se que a vitória moral estivo do lado da rua. Uma lei interior da revolução é a da impossibilidade de esperar na inatividade depois de que se deu um passo para a frente. A melhor manobra é uma boa viragem inesperada e audaciosa. Esta regra elementar de toda a luta é que rege com maior razão todos os passos da revolução. Nesta ocasião haveria de demonstrar aliás o sao instinto, a força interior sempre fresca do proletariado berlinês e uma combatividade do mesmo que não se limitou a reintegrar Eichorn nas suas funções, mas que impulsionou a massa para ir em pós de outros redutos da contra-revolução, como é a imprensa burguesa, representada em primeira mão por Vorwaerts. Se todas estas iniciativas surgíram espontaneamente da massa é porque esta sabia que a contra-revolução não haveria de se conformar com a derrota e que haveria de procurar a provocação como se fosse uma batalha onde se medirão todas as forças de ambos os combatentes.
Aqui também depararemos com uma das grande leis históricas da revolução, contra a qual estilhaçam todas as subtilezas próprias dos pequenos 'Maquiavels' "revolucionários" ao estilo do U.S.P.D., que em cada ocasião de lutar não procuram mais do que o seu correspondente pretexto para se bater em retirada. O problema fundamental de toda revolução (neste caso é o da queda do governo Ebert-Scheidemann) surge em cada caso com toda a atualidade, porque cada episódio da luta descarta, com a fatalidade das leis naturais, todo compromisso com a mornidão ou com as argalhadas da politiquice reformista, exigindo em todo o momento o máximo por pouco maduras que forem as circunstáncias... Abaixo o governo de Ebert-Scheidermann! Esta é a palavra-de-ordem que emerge como inevitável de cada episódio da nossa atual crise, tornando na única fórmula capaz de exprimir o senso e o significado de todos os conflitos parciais, e de levar a luta ao seu ápice.
O resultado desta contradição entre o agravamento do objetivo e as insuficiências prévias para o seu cumprimento tem como concreção o estabelecimento da fase inicial do desenvolvimento revolucionário, no decurso do qual as lutas parciais sempre acabam com uma "derrota" formal. Mas a revolução é a única forma de "guerra" em que (por lei de vida que lhe é própria) a vitória final apenas pode ser atingida através de uma série de "derrotas" prévias.
O quê é que nos mostra se não toda a história das revoluções modernas e do socialismo? O primeiro facho que iluminou a luta de classes na Europa foi a insurreição dos sedeiros de Lyon em 1831, que terminou com uma flagrante derrota. O movimento Cartista na Inglaterra também terminou com uma derrota. O levantamento do proletariado em Paris, durante as jornadas de 1848, desembocou igualmente numa esmagadora derrota. E a Comuna de Paris teve desenlace semelhante ... Todo o caminho do socialismo está efetivamente asfaltado de derrotas, apesar do qual vemos que a história do mesmo avança inexoravelmente, passo a passo, para a vitória que há de ser definitiva. Onde estaríamos hoje sem estas "derrotas" das que tiramos a experiência histórica que nos permite reconhecer a realidade das cousas em toda a sua dimensão? Na atualidade, quando temos conseguido chegar já ao limiar da batalha final, é precisamente quando melhor podemos reconhecer que é sobre todas essas "derrotas" sobre as que nós ficamos em pé. Não podemos prescindir de nenhuma delas, porque cada uma das mesmas faz parte da nossa força atual.
Vitória na derrota e derrota na vitória.
Este é justamente o contraste e a aparente contradição que diferencia as lutas revolucionárias das lutas parlamentares. Na Alemanha contamos com quarenta anos de "vitórias" parlamentares, de forma que pode dizer-se que durante todo este tempo estivemos marchando de vitória em vitória, sendo o resultado a grande prova histórica de 4 de Agosto de 1914: a derrota política e moral mais catastrófica e inesquecível.
As revoluções, pelo contrário, não nos tenham achegado mais do que contínuas derrotas, mas inevitáveis estas derrotas são as melhor garantia da nossa vitória final... Claro que isso tudo necessita uma condição! E é a de sabermos em que circunstáncias tivo lugar cada derrota, quer dizer, se esta foi o resultado de umas massas imaturas que se lançam à luta, ou de uma ação revolucionária paralisada no seu interior pela indecisão, a mornidão e a falta de radicalismo.
Dous exemplos típicos de ambos os casos poderiam ser a revolução francesa de Ferveiro e a revoluçóm alemá de Março. A ação heróica do proletariado de Paris em 1848 converteu-se na energia mais vivificadora que cabe para o proletariado de todo o mundo , enquanto os lamentáveis desfalecimentos da revolução alemá de Março, do mesmo ano, víram-se metamorfoseados numa espécie de pesada cadeia para todo o desenvolvimento histórico ulterior da Alemanha, cujos efeitos regressivos podem ser rastejados mesmo nos acontecimentos mais recentes da nossa revolução e na crise dramática que acabamos de viver.
Como será vista, em tal caso, a derrota da nossa Semana de Spartakus à luz da mencionada perceptiva histórica? Como resultado de uma audaz energia revolucionária perante a insuficiente madurez da situação, ou como o desenlace de uma ação empreendida sem a necessária convicção revolucionária?
De ambas as formas! Porque a nossa crise tem com efeito um duplo rosto, o da contradição entre uma enorme decisão ofensiva por parte das massas e a falta de convicção por parte dos chefes berlineses. Falhou a direção. Mas este é o defeito menor, porque a direção pode e deve ser criada polas massas. As massas são com efeito o fator decisivo, porque são a rocha sobre a que será edificada a vitória final da revolução. As massas cumpríram com a sua missão, porque fizeram desta nova "derrota" o elo que nos une legitimamente à cadeia histórica de "derrotas" que constituem o orgulho e a força do socialismo internacional. Podemos ter a certeza de que desta "derrota" também há de florescer a vitória definitiva.
A ordem reina em Berlim!... Ah! Estúpidos e insensatos algozes! Não repares em que a vossa "ordem" está a edificar-se sobre a areia. A revolução se alçará amanhá com a sua vitória e o terror se pintará em vossos rostos ao ouvir-lhe anunciar com todas as suas trombetas: ERA, SOU E SEREI!
NOTAS
0 - Traduzido do inglês por Néliton Azevedo, editor. [ Voltar ]
1 - O Grupo Spartakus, do qual fazem parte Rosa Luxemburg e Karl Liebknecht, representa a esquerda do Partido Social-Democrata Alemão, comunista. (Nota do WebMaster da Revista Práxis na Internet - NW) [ Voltar ]
2 - Comuna de Paris, 1871, França. Na Introdução à 'Guerra Civil em França', de Friedrich Engels, pertencente à coleção de Obras Clássicas do Pensamento Marxista Mundial, apresentadas pela Revista Práxis na Internet, são analizados os fatos históricos a que Rosa Luxemburg faz referência. (NW) [ Voltar ]
|
Caro Leitor, esperamos que a leitura deste texto, o último escrito por Rosa Luxemburg, em 14 de Janeiro de 1919, pertencente à Coleção de Obras Clássicas do Pensamento Marxista Mundial, tenha sido proveitosa, instrutiva e agradável.
São permitidas a reprodução, distribuição e impressão deste texto com a devida e inalienável citação da sua origem. © Direitos da tradução reservados.
Retornar ao início da página
Clique aqui para ler a resenha do livro "A Revolução Russa", de Rosa Luxemburg, escrita por Ricardo Antunes; publicada no Tomo 3.
Clique aqui para ler o ensaio "Rosa Luxemburg: Teoria e Prática" de Isabel Maria Loureiro; publicado no Tomo 2.
Clique aqui para acessar a Primeira Página da Revista Práxis na Internet.
Clique aqui para acessar a Lista de Obras Clássicas do Pensamento Marxista Mundial, apresentadas pela Revista Práxis na Internet.
Conheça o Conteúdo Completo da Revista Práxis na Internet, divisões por Temas, Obras e Autores.
Clique aqui para acessar a Lista de Artigos, Ensaios e Resenhas publicados pela Revista Práxis na Internet.
Clique aqui para acessar a Lista de Autores publicados pela Revista Práxis na Internet.
Clique aqui para acessar o Conteúdo por Assuntos da Revista Práxis na Internet.
Clique aqui para conhecer a Lista de Resenhas e Críticas Literárias publicadas pela Revista Práxis.
Clique aqui para acessar a Lista de Artigos e Trabalhos apresentados em Eventos promovidos com a participação da Revista Práxis.
Clique aqui para acessar o Banco de Imagens da Revista Práxis na Internet. São centenas de imagens, fotografias, filmes, discursos e falas originais que mostram o movimento ascendente dos povos. Com thumbnails (miniaturas de amostra).
Clique aqui para participar de uma conversa ao vivo em nossa Sala de Bate-Papo on-line (Chat).
Para contatar a Revista Práxis na Internet, mande um e-mail para rvpraxis@horizontes.net Gracias por su contacto. Your comments are important to us.
Para contatar o WebMaster da Revista Práxis na Internet, mande um e-mail para wmpraxis@horizontes.net.
| Contrôle da música de fundo |
|---|
|
Navegando pelas páginas já visitadas |
|---|
Néliton Azevedo - Editor, WebMaster. © Revista Práxis, 2001.
Derechos Reservados. All rights reserved.